As “paredes Lennon” estão de volta a Hong Kong

Em vários locais desta região administrativa especial chinesa multiplicaram-se, esta semana, paredes forradas com coloridos “post-its”. São a mais recente e original forma de protesto em Hong Kong

“We are back” (“Estamos de volta”). A frase, escrita em inglês, ocupa três “post-its” amarelos, um para cada palavra. É uma das muitas mensagens escritas à mão em coloridos pedaços de papel que cobrem cada vez mais paredes em Hong Kong.

Os recados — deixados por manifestantes que, há mais de um mês, estão nas ruas em protesto contra uma nova lei da extradição — irromperam com mais força esta semana, após, na terça-feira, a chefe de Governo de Hong Kong, Carrie Lam, ter admitido que a lei “está morta” mas ter-se recusado a retira-la.

Nesse dia à noite, havia “paredes Lennon”, como lhe chamam, fora de estações de comboio, em passagens subterrâneas, pontes pedonais, edifícios comerciais e mesmo no exterior de templos. Nalguns sítios, para proteger as notas, voluntários deram-se ao trabalho de as plastificar, transformando as paredes em montras e as palavras de ordem em “obras de arte” que os transeuntes gostam de apreciar.

Recupera-se assim uma forma de luta nascida na Europa, mas que, em Hong Kong, surgiu pela primeira vez em 2014, numa escadaria junto a um complexo de edifícios governamentais, durante os protestos pró-democracia (Revolução dos guarda-chuvas).

A primeira “parede Lennon” em Hong Kong, erguida durante a Revolução dos guarda-chuvas, em 2014 CHRIS MCGRATH / GETTY IMAGES

Porém, a “parede Lennon” original, que batizaria todas as que se seguiriam, foi erguida na década de 1980, em Praga, República Checa, no âmbito de um protesto contra o regime comunista de Gustáv Husák.

Coberto por graffitis inspirados em John Lennon e nas músicas dos Beatles, o mural foi, com o tempo, transformando-se e ganhando as cores de outras causas. Mas conservou o mesmo espírito: ser um monumento a valores e a sonhos globais como a paz e o amor.

Parte do muro de Praga, numa foto de 1993, onde é visível uma pintura de John Lennon INFROGMATION / WIKIMEDIA COMMONS

Em Hong Kong, as paredes atraem a curiosidade de locais, desejosos de aí expressarem o que lhes vai na alma, e de forasteiros, que não resistem a fotografar o local como uma atração turística.

Por razões inversas, chamam também a atenção das autoridades. Na quarta-feira, cerca de 100 polícias fizeram uma rusga à “parede Lennon” existente numa passagem subterrânea na zona de Tai Po, junto a uma das mais movimentadas estações de metro de Hong Kong.

Identificaram “post-its” que continham informação pessoal de alguns agentes envolvidos em confrontos verbais com manifestantes, fotografaram-nos e retiraram-nos da parede, deixando ficar todos os outros.

A operação decorreu sem resistência dos transeuntes. Como cantou John Lennon: “Imagine all the people living life in peace” (“Imagina toda a gente a viver a vida em paz”).

Ainda que não pareça, há sempre lugar para mais um “post-it”, na “parede Lennon” de Hong Kong VIVEK PRAKASH / AFP / GETTY IMAGES
Uma mulher deixa a sua mensagem num subterrâneo da zona de Tai Po CHAN LONG HEI / GETTY IMAGES
Colados na parede, ao lado de um saco do lixo, um copo com canetas e blocos de “post-its” garantem que ninguém fica privado de material para deixar o seu recado TYRONE SIU / REUTERS
Em 2014, foi neste local que foi erguida a primeira “parede Lennon” de Hong Kong. Cinco anos depois, a iniciativa repete-se VIVEK PRAKASH / AFP / GETTY IMAGES
“Somos um só!”, “Nunca desistir!!”, “Lutar pela nossa liberdade!!!!!!!” CARL COURT / GETTY IMAGES
Uma atração turística a céu aberto ISAAC LAWRENCE / AFP / GETTY IMAGES
Algumas paredes foram plastificadas, para que as mensagens perdurem TYRONE SIU / REUTERS
Desejos coloridos para o futuro de Hong Kong VERNON YUEN / GETTY IMAGES
Uma iniciativa aberta a todas as idades VERNON YUEN / GETTY IMAGES
Mensagens, desenhos e jogos de palavras, como “Home Kong” CHAN LONG HEI / GETTY IMAGES
Um protesto que se transformou numa exposição temporária, em vários pontos do território TYRONE SIU / REUTERS
Uma presença colorida a que os cidadãos de Hong Kong se vão habituando nas suas rotinas quotidianas ANTHONY KWAN / GETTY IMAGES
Escrever com a concentração, e a convicção, de que a mensagem vai chegar ao seu destino VERNON YUEN / GETTY IMAGES
Reflexão em grupo sobre preocupações comuns CHAN LONG HEI / GETTY IMAGES
“We are back”. Cinco anos depois, os “post-its” com mensagens de protesto estão de volta às paredes de Hong Kong ANTHONY WALLACE / AFP / GETTY IMAGES
Recados ao longo de uma escadaria perto do Conselho Legislativo, onde a discussão da contestada lei da extradição foi suspensa CARL COURT / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de julho de 2019. Pode ser consultado aqui

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