Europa prepara dia ‘anti-automóvel’

Preocupada com a poluição do ar, a União Europeia está a preparar um «Dia Europeu Livre de Automóveis»

Para «atacar» um dos maiores problemas das grandes cidades neste virar de século — o da poluição atmosférica, gerada em grande parte por um trânsito infernal —, a Comissão Europeia está a preparar um «Dia Europeu Livre de Automóveis».

A mega-operação — que pretende ser a mais ampla e mais mobilizadora iniciativa do género realizada desde sempre — será levada a cabo apenas no dia 22 de Setembro, mas os seus contornos deverão ser divulgados na próxima sexta-feira, em Bruxelas, pela Comissária Europeia para o Ambiente, Margot Wallstrom, a ministra francesa do Ambiente, Dominique Voynet, e o seu homólogo italiano, Edo Ronchi.

Ministros de bicicleta

A campanha surge na sequência de uma edição pioneira («En ville, sans ma voiture»), lançada pelo Governo francês, a 22 de Setembro de 1998, em 34 cidades de França.

No ano seguinte, a iniciativa estendeu-se a mais 31 cidades francesas e contagiou algumas metrópoles dos países vizinhos: 92 italianas e 6 suíças. Nesse dia, mais de 20 milhões de pessoas colaboraram, activamente, com a iniciativa (que se prolongou das 7 às 21 horas), 85% das quais manifestaram o desejo de a ver repetida com mais frequência. E nem mesmo Dominique Voynet se absteve de participar, ao partir, de manhã, para o Conselho de Ministros, acompanhada por alguns colegas de Governo… de bicicleta.

O objectivo da edição 2000 — pela amplitude pan-europeia que os organizadores desejam —, é, seguramente, o mais ambicioso de sempre. França, Itália, Bélgica, Áustria, Dinamarca e Finlândia já se comprometeram com o evento.

O ministro português do Ambiente, José Sócrates, também deverá confirmar a participação de Portugal no evento.

Segundo estudos recentes — efectuados conjuntamente por franceses, alemães e britânicos —, 50% dos europeus não hesitam em recorrer ao seu automóvel quando têm de percorrer uma distância inferior a 3 quilómetros, 25% fazem-no para andar menos de um quilómetro e mais de 10% para percorrer 500 metros.

A necessidade de alterar o comportamento das populações citadinas no que respeita aos hábitos de mobilidade e a urgência em recuperar alguma da qualidade de vida que a grande maioria das cidades perdeu desencadeou, ao longo da década de 90, várias iniciativas, em outros tantos países.

São precisamente estas acções que são designadas, genericamente, «car free day» («dia sem carro», numa tradução livre), e que consistem na delimitação de algumas zonas urbanas, cujo acesso é fortemente condicionado, senão mesmo proibido, aos veículos motorizados.

Muitas medidas, pouca publicidade

O caso mais recente data do passado dia 16, quando a cidade italiana de Milão encerrou o centro histórico ao trânsito. As autoridades justificaram a medida com o recente recorde dos níveis de poluição do ar registado na cidade, a segunda maior de Itália.

Além de simbólicas, acções como esta têm uma forte componente pedagógica, constituindo ao mesmo tempo ocasiões excelentes para as autarquias promoverem formas de mobilidade menos poluentes (circuitos pedestres e vias para ciclistas, por exemplo) e experimentarem novos transportes públicos.

Medidas deste género têm proliferado um pouco por toda a Europa, mas o seu carácter pontual e isolado não proporciona a esta «causa» uma grande repercussão mediática e, consequentemente, uma sensibilização eficaz junto dos cidadãos.

O MODELO FRANCÊS

No velho continente, a França — além da campanha «En ville, sans ma voiture» (Na cidade, sem o meu carro) — tem-se destacado ao nível da luta pela melhoria da qualidade do ar. Governo e autarquias cooperam na execução de um programa global de combate à poluição atmosférica, sobretudo nos espaços urbanos.

Essa intervenção assume contornos curiosos nos dias em que os índices de poluição atingem o «pico», ou seja, o correspondente ao nível 3 do procedimento de alerta.

Nesses dias, as autoridades locais delimitam uma «área de intervenção» dentro da qual os transportes públicos são gratuitos e a circulação automóvel é fortemente condicionada. Neste perímetro, só podem circular…

♦ os automóveis particulares autorizados pelo mecanismo de circulação alternada: nos dias pares, somente podem circular os veículos cujo último número antes das letras da matrícula sejam pares; nos dias ímpares, só os carros cujos mesmos números sejam ímpares. Ou seja, se, esta semana, as cidades francesas vivessem em estado de alerta, ao automóvel com a matrícula 749 HDA 81 poderia circular hoje (dia 29), enquanto o carro com a matrícula 750 HDA 81 só o poderia fazer amanhã (dia 30);

♦ os automóveis com a «pastilha verde», um dispositivo gratuito, colado no canto inferior direito do pára-brisas, que identifica as viaturas particulares menos poluentes — a gasolina ou a diesel, equipados com um catalizador ou outro sistema equivalente, a gás ou eléctricos — e lhe conferem facilidades de circulação e de estacionamento;

♦ as viaturas que transportam, pelo menos, duas pessoas além do condutor (o chamado sistema de «co-voiturage», algo como «partilha do carro»);

♦ os transportes públicos, que, nesses dias, são gratuitos;

♦ os veículos de duas rodas;

♦ os camiões, embora sujeitos a algumas restrições, nomeadamente a observância de percursos alternativos;

♦ os veículos de deficientes, de urgência e pertencentes a certas categorias profissionais;

Artigo publicado no “Expresso”, a 29 de janeiro de 2000