Ao aproximar-se mais um Dia Mundial da Água, multiplicam-se os alertas sobre a escassez do «ouro azul». A sobreexploração dos recursos e o aumento de 40% do consumo até 2025 levam os especialistas a falar em crise — quando um quinto da humanidade não tem acesso a água potável
A escassez de água será um problema cada vez mais grave a nível mundial, que se agudizará com o crescimento demográfico e a urbanização. O facto de os recursos hídricos já serem sobreexplorados e de se prever um aumento de 40% do consumo de água até 2025 leva alguns especialistas a alertar, já, para uma crise mundial do «ouro azul».
Segundo o relatório «Visão 21» — elaborado pela Comissão Mundial da Água e que está a ser discutido no II Fórum Mundial da Água, que decorre, desde ontem e até quarta-feira, em Haia —, um quinto dos habitantes do planeta não dispõe de água potável para consumo, enquanto metade não tem acesso às condições mínimas de higiene e saneamento (ver infografia).
Segundo o documento, o combate a esta miséria passa pela implementação de projectos locais, que impliquem e responsabilizem directamente as comunidades e cada cidadão.
Mulheres são essenciais
A este nível local, o papel da mulher é incontornável, pois a gestão da água doméstica passa pelas suas mãos.
Paralelamente, é rejeitada a habitual política de os Estados responderem aos desafios da água construindo megaprojectos hidráulicos, economicamente dispendiosos e ecologicamente polémicos.
Um dos projectos locais em marcha envolve os 44 milhões de habitantes do estado indiano de Gujarat. Quando foi solicitado às autoridades locais que elaborassem um plano prático no sentido de melhorar os padrões higiénicos da população, a prioridade foi dada à educação: noções de higiene e saneamento nos planos curriculares e a construção de lavabos em todas as escolas.
Os países do Sul da Ásia — a Índia, o Paquistão, o Bangladesh e o Nepal — registam os piores índices mundiais ao nível dos serviços sanitários, só sendo ultrapassados pela África subsariana. Nessas latitudes, a falta de infra-estruturas «instituiu» a regra da defecação a céu aberto, pelo que doenças como a cólera, a difteria, o tifo e a hepatite proliferam a grande velocidade.
Em 1998, segundo a Organização Mundial de Saúde, morreram 3,4 milhões de pessoas — 2 milhões das quais eram crianças —, na sequência de doenças associadas a água contaminada, a maior parte das quais de diarreias e de malária. Em média, terão, pois, morrido quase 10 mil pessoas por dia, o equivalente à lotação de 24 aviões Boeing 747.
Até 2025, segundo as contas da Comissão Mundial da Água, o investimento global com a água — actualmente calculado em cerca de 80 mil milhões de dólares por ano (16 mil milhões de contos) — deverá ascender até aos 180 mil milhões (36 mil milhões de contos: 17% para a agricultura, 41% para a indústria, ambiente e energia e 42% para o fornecimento de água e saneamento básico.
É que, paralelamente às previsões segundo as quais o consumo de água aumentará cerca de 40%, é um dado adquirido que a população continuará a aumentar e, o mais preocupante, a concentrar-se junto às grandes bacias hídricas.
Nas vésperas de se celebrar mais um Dia Mundial da Água, na próxima quarta-feira, Brian Appleton, um perito da ONU em questões da água, não se mostra muito optimista: «Estamos a perder a batalha».
Artigo publicado no “Expresso”, a 18 de março de 2000. Pode ser consultado aqui
