Um ano após a «declaração de guerra» ao tabaco nos EUA, aperta-se o cerco às tabaqueiras e aos fumadores. Ponto da situação, por ocasião de mais um Dia Mundial Sem Tabaco
Em Agosto do ano passado, a família de David McLean — o famoso «cowboy Marlboro», que morreu de cancro do pulmão — processou várias tabaqueiras norte-americanas, acusadas de terem ocultado, voluntariamente, os malefícios da nicotina.
A ironia patente neste episódio é elucidativa do cerco a que, desde então, as tabaqueiras norte-americanas têm sido submetidas.
A «declaração de guerra» ao tabaco tinha sido proferida em Julho do ano passado, quando 500 mil norte-americanos interpuseram uma acção colectiva — a primeira a chegar a julgamento —, sentando no banco dos réus de um tribunal da Florida as cinco maiores tabaqueiras dos EUA.
No mês passado, saiu a sentença: Philip Morris, R. J. Reynolds, Brown & Williamson, Lorillard Tobacco Co. e Liggett Group Inc. foram condenadas pela venda e promoção de produtos nocivos à saúde bem como pela manipulação dos níveis de nicotina, que acentuam a dependência. Contudo, as indemnizações serão estudadas individualmente.
Em causa, está um pacote de indemnizações que poderá atingir os 100 mil milhões de dólares (22 mil milhões de contos), não deixarando às tabaqueiras qualquer alternativa à bancarrota.
«Não conseguiremos pagar esse dinheiro», afirmou, na segunda-feira, Michael Szymanczyk, da Philip Morris, empresa que se arrisca a ter de pagar, só por si, metade da verba.
Mas se nos EUA este tipo de acções já é uma prática corrente — com acções interpostas também por hospitais —, na Europa ainda é algo de inédito. Em Dezembro de 1999, um tribunal francês condenou, parcialmente, a tabaqueira francesa (Seita), naquilo que foi o primeiro caso de condenação de uma tabaqueira europeia. Em Abril deste ano foi a vez de um tribunal espanhol fazer história, apreciando, pela primeira vez, uma acção contra a Tabacalera.
7 mortes por minuto
Estima-se que, em todo o mundo, perto de 1200 mil milhões de pessoas sejam fumadores — um sexto da população do globo. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), morrem anualmente cerca de 4 milhões de fumadores e as previsões apontam para que, em 2030, o número ascenda aos 10 milhões (70% dos quais nos países em desenvolvimento). Se hoje, o tabaco mata em média 7 pessoas por minuto, em 2030 matará 20.
Ainda segundo a OMS, o tabaco está intrinsecamente associado a 25 causas de morte, entre as quais um grande número de cancros, problemas respiratórios e cardiovasculares.
Presentemente, a mortalidade derivada do consumo do tabaco é superior à soma das mortes por malária, tuberculose, diarreias e pneumonia. Segundo o Banco Mundial, em 2030 deverá mesmo ser a principal causa de morte no mundo.
As mulheres são o grande motor deste crescimento, mas também os jovens protagonizam índices preocupantes. Os números da OMS apontam para que entre 82 mil e 99 mil jovens comecem a fumar todos os dias.
Governos hesitantes
O combate ao tabagismo foi sempre um problema que os Governos encararam com muita hesitação. No prato da balança oposto ao da saúde pública está o impacte económico, nomeadamente a perda de postos de trabalho, o crescimento do mercado negro e, sobretudo, a diminuição dos rendimentos fiscais. Contudo, os contornos epidémicos que o problema está a assumir poderão obrigar a uma inversão das prioridades.
IMAGEM PXHERE
Artigo publicado no “Expresso”, a 27 de maio de 2000
