Um ano após o início da Intifada, Ariel Sharon e Yasser Arafat convergem para um cessar-fogo inesperado. É o primeiro grande efeito dos atentados nos EUA
Os efeitos do pior ataque terrorista aos EUA atingiram em cheio o Médio-Oriente. Uma semana após a tragédia, o primeiro-ministro israelita, Ariel Sharon, ordenou a suspensão da ofensiva militar contra os palestinianos e a retirada dos tanques de Jericó e Jenin – duas cidades tipo A (de soberania palestiniana) na Cisjordânia.
Se dúvidas havia quanto à preponderância dos EUA na dinâmica de avanços e recuos do processo de paz, elas dissiparam-se com esta decisão de Sharon. Há precisamente duas semanas, Hani Al-Hassan, responsável pelo Departamento de Relações Internacionais da Fatah – a facção da Organização de Libertação da Palestina liderada por Arafat -, afirmava ao EXPRESSO: «A responsabilidade pela ausência de um fim pacífico para a Intifada (revolta palestiniana) e pela falta de uma solução é dos EUA. Por razões internas, eles não são um intermediário honesto, eles estão com Israel»
Horas antes do anúncio de Sharon, já o presidente da Autoridade Palestiniana, Yasser Arafat, apelara ao fim das hostilidades e decretara um cessar-fogo. Arafat aprendeu a lição e não quer repetir o erro de 1991, quando expressou simpatia por Saddam Hussein, após o Iraque ter invadido o Kuwait.
Quase um ano após o início da Intifada Al-Aqsa, que se assinala na próxima sexta-feira, Sharon e Arafat convergem, assim, numa trégua inesperada. Ainda na semana passada, em conversa telefónica com o secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, Sharon afirmara: «Todos têm o seu Bin Laden. O nosso chama-se Arafat…»
Só que os países árabes são fundamentais para a ampla coligação internacional antiterrorista que o Presidente norte-americano, George W. Bush, se esforça por congregar em torno dos Estados Unidos.
Israel não participa
Exceptuando o Iraque, todo o mundo árabe condenou, firmemente, o ataque. Colin Powell ouviu e «piscou o olho»: «Há muitos países árabes que devem fazer parte desta campanha, porque sofreram com o terrorismo durante muitos anos», afirmou.
Para o secretário-geral da Liga Árabe, o egípcio Amr Moussa, a questão não é tão linear, preferindo questionar uma eventual participação de Israel numa operação militar: «Há muitos países árabes que se recusarão integrar a coligação porque Israel é um país que pratica a ocupação».
Powell não tardou a tranquilizar os países árabes: «Não estou a ver Israel a participar numa operação do género».
Paralelamente às conjecturas estratégicas, os cidadãos israelitas já iniciaram os preparativos para a guerra. Rafael Coslovsky, um médico de 56 anos que vive em Rishon Letzion (a 20 minutos de Telavive), é um dos milhares de israelitas que já foram a um dos postos de defesa civil verificar a validade das suas máscaras antigás.
Os israelitas acreditam que os EUA vão atacar o Iraque o que, a acontecer, poderá originar uma retaliação contra Israel. «Durante a Guerra do Golfo, em 1991, caíram dois mísseis Scud bem próximo da minha casa. Agora a possibilidade de isso voltar a acontecer é muito concreta», diz o médico.
Todos os israelitas, incluindo bebés, possuem um «kit» com uma máscara antigás, uma injecção contra a intoxicação e comprimidos contra certos tipos de envenenamento. O Governo mantém um controlo computorizado de toda a distribuição e pouco antes do fim do prazo de validade do filtro da máscara convoca o cidadão para a substituição.
E as instruções são claras: no caso de bombardeamento, a injecção e os comprimidos só devem ser usados se forem dadas indicações via rádio ou televisão.
Sem fé num acordo
Os preparativos para a guerra fazem já parte do quotidiano dos israelitas, mas estes têm a particularidade de coincidir com uma Intifada em curso. Por isso, predomina o pessimismo quanto ao futuro. Coslovsky sempre votou no Partido Trabalhista, apoiou os acordos de paz e não seguiu a corrente que, actualmente, arrasta milhares de liberais e alguns esquerdistas para o campo da direita, esvaziando movimentos pacifistas como o «Paz Agora».
Porém, Coslovsky diz não ter ilusões quanto a um acordo de paz definitivo com os palestinianos: «Não tenho dúvidas de que Arafat jamais fará um acordo definitivo connosco. Enquanto ele não sair do palco da história, o máximo que poderemos obter é um cessar-fogo para ser respeitado durante alguns meses», diz.
Do lado palestiniano, os tempos também não são de optimismo. Em Ramallah (Cisjordânia), o aniversário da Intifada, que coincide com uma nova tentativa de reaproximação, também é visto com cautela. A actriz Ihsan Turkieh, de 43 anos, apoia as conversações de paz, mas não esconde o seu pessimismo: «Com Sharon no poder não há esperança. Perdemos muito nesta guerra, muitos morreram e as nossas infra-estruturas estão destruídas. Se voltarmos a conversar, o primeiro assunto na agenda deve ser o fim da ocupação e o desmantelamento dos colonatos».
A trégua decretada por Sharon e Arafat é um passo indispensável para acabar com a violência, mas o fim da Intifada está dependente da retoma das negociações.
Um ano de Intifada
Foi a polémica visita de Ariel Sharon à Esplanada das Mesquitas, a 28 de Setembro de 2000, que desencadeou a Intifada Al-Aqsa. Até ao momento, já morreram mais de 685 palestinianos – 30% dos quais com menos de 18 anos – e mais de 175 israelitas.
Os últimos doze meses de violência praticamente destruíram a confiança mútua que, lentamente, vinha sendo construída desde o Acordo de Oslo (1993). Para Hani Al-Hassan, que, curiosamente, votou contra esse acordo, «Oslo não morreu, mas acabaram as fases de negociação. Temos que estabelecer os nossos objectivos e insistir na sua aplicação», afirmou ao EXPRESSO.
O diálogo está prisioneiro do sucesso do cessar-fogo, cada vez mais frágil, a cada dia que passa.
Inversamente, e quando ainda se choram os milhares de mortos e desaparecidos sob os escombros do World Trade Center e do Pentágono, redobram de importância as palavras do monarca jordano, Abdallah II: «Os atentados nunca teriam ocorrido se já se tivesse resolvido o conflito no Médio-Oriente».
Texto escrito com Ariel Finguerman, correspondente em Telavive.
«A INTIFADA NÃO VAI PARAR»
HANI Al-Hassan é o responsável pelas Relações Internacionais da Fatah e membro do Comité Central daquela organização liderada por Yasser Arafat. Em entrevista ao EXPRESSO, faz o balanço do primeiro ano da Intifada Al Aqsa, que se assinala na próxima sexta-feira.
EXPRESSO – O que é que os palestinianos ganharam com esta Intifada?
HANI AL-HASSAN – Primeiro, os israelitas sabem que a sua segurança não está nas mãos do Exército, mas do povo palestiniano, isto é, está dependente de um processo de paz. Em segundo lugar, toda a gente aceita a ideia de um Estado palestiniano e, em terceiro, se os colonatos fossem desmantelados a fronteira do Estado seria a de 4 de Junho de 1967.
EXP. – Mas já morreram mais de 685 palestinianos. É um preço justo?
H.H. – Sim. E teremos de pagar ainda mais pela nossa liberdade. Não temos alternativa. Esta é a Intifada da Independência e não vai parar até termos a certeza de que Israel se retira da Cisjordânia e de Gaza.
EXP. – Israel já admitiu que a Intifada pode prolongar-se até 2006…
H.H. – Israel não aguenta até 2006, por razões económicas. Israel tem 186 mil desempregados, o crescimento económico, que já foi de 6%, é agora de 2,5%. Israel já começou a contrair empréstimos. O Exército era composto por 72 mil soldados, agora são 182 mil. Por outro lado, os EUA não têm condições para injectar os mil milhões de dólares habituais.
EXP. – Não acha que a Intifada uniu os israelitas em torno de um líder tão controverso quanto Ariel Sharon?
H.H. – Não. O que se passa é que os israelitas não sabem o que fazer. Levaram ao poder o homem que prometeu uma solução em 100 dias e desiludiram-se. O apoio a Sharon caiu de 72% para 54%.
EXP. – E Yasser Arafat é o líder em quem os palestinianos confiam para fazer a paz com os israelitas?
H.H. – Sim, sobretudo com a Intifada.
Artigo publicado no “Expresso”, a 22 de setembro de 2001

