Uri Avnery é a voz da paz em Israel. Não poupa Telavive
Uri Avnery, fundador da organização pacifista Gush Shalom, faleceu a 20 de agosto de 2018 WIKIMEDIA COMMONS
Se o movimento pacifista israelita tivesse um rosto simbólico, seria certamente o de Uri Avnery, fundador da organização “Gush Shalom” (“O Bloco da Paz”), em 1993. Aos 80 anos, Uri continua a acreditar num futuro pacífico entre israelitas e palestinianos e a entusiasmar-se perante notícias como as que, recentemente, puseram a nu uma crescente contestação à estratégia bélica de Telavive, por parte de destacadas figuras da hierarquia militar.
“O Exército, que tem sido o elemento mais extremista e que está intimamente relacionado com os colonatos, chegou à conclusão de que não há uma solução militar”, afirmou o pacifista, na quinta-feira, em entrevista ao “Expresso”, momentos antes de intervir na Conferência Internacional de Lisboa, organizada pelo Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais.
Para Uri, outro sintoma de mudança nestas sociedades desavindas é o Acordo de Genebra, elaborado por personalidades israelitas e palestinianas: “Demonstra que o diálogo é possível. O aspecto negativo é que foi elaborado por antigos políticos, com pouca influência, e não por políticos no activo”.
Apesar de considerar que o processo de paz só tem a ganhar com lideranças renovadas (“novas visões”), o pacifista aprecia Yasser Arafat e Ariel Sharon de forma radicalmente oposta. Em relação ao líder palestiniano, realça que “Arafat tem sido a favor da paz desde 1974”.
“Começam a perceber que o preço da paz é menor que o da guerra”
O próprio Uri, entre 1938 e 1942, integrou o Irgun, uma organização “terrorista” judaica que combatia a presença colonial britânica na Palestina. Talvez por isso parece reconhecer a Arafat a legitimidade de ter estado dos dois lados da barricada: do terrorismo e da paz.
Quanto ao primeiro-ministro israelita, não o poupa. “O que Sharon diz não tem importância, o que faz é muito importante.” Sharon sonha com o Grande Israel? “Certamente. Quer transformar toda a Palestina no Estado de Israel, expulsar os palestinianos ou colocá-los em pequenos enclaves, que é o que está a acontecer agora. O muro é um meio para implementar esta visão.”
A longevidade da disputa — “de cada lado, cinco gerações nasceram dentro do conflito” — habituou israelitas e palestinianos à desconfiança mútua. Uri recorre a um exemplo curioso para o justificar: “Por que é que as sondagens em Israel revelam conclusões contrárias? A maioria é favorável à paz e está disposta a concessões, mas sente que a paz é impossível, que os palestinianos não a querem. Então, se estão condenados à guerra, por que não apoiar Sharon, o maior líder da guerra? Do lado palestiniano, a maioria quer a paz e satisfaz-se com 22% da Palestina, mas pensa que sem violência nunca o conseguirá. Logo, defende também os ataques suicidas”.
Para o pacifista israelita, “a violência da ocupação e a violência da resistência são coisas diferentes. Os ‘media’ dão-nos a imagem de que os palestinianos cometem actos terroristas e Israel retalia. É uma imagem completamente falsa. Tudo começou com a ocupação”.
Apesar disso, Uri Avnery transpira optimismo: “A situação está cada vez pior e os dois povos estão a perceber que o preço da paz é menor do que o da guerra — mas não acreditam que a paz seja possível. A longa guerra e as lideranças políticas convenceram-nos de que não têm parceiro para a paz (é um ‘slogan’ dos dois lados) e que estão condenados a viver em guerra para sempre”.
Por isso, a batalha de Uri Avnery pela paz, além de interminável, é traiçoeira: “É muito mais perigoso ser pela paz do que pela guerra. Durante um conflito, nunca é popular falar de paz. Parece que se gosta mais do inimigo do que do próprio povo. Na verdade, para se ser pacifista (‘peaceful’) há que ser louco pela paz (‘peace fool’)”.
CRÍTICAS AOS EUROPEUS
À chegada ao Centro de Congressos de Lisboa, na quinta-feira, Miguel Moratinos, ex-enviado da União Europeia para o Médio Oriente, não escondia a satisfação. Na véspera, o Conselho de Segurança da ONU aprovara o Roteiro: Palestina e Israel independentes em 2005. Mal sabia ele que no painel em que interviria (“Construção do Estado e esforços de paz no Médio Oriente”) teria de erguer a voz para salvar a face de Bruxelas. Ahmad Khalidi, antigo negociador palestiniano, qualificou o Roteiro como “ratoeira punitiva”; o israelita Uri Avnery afirmou que o défice de participação da UE era “escandaloso”, denunciou a subserviência à Casa Branca e vaticinou uma maior influência da UE na região após “uma mudança de regime… nos EUA”.
Artigo publicado no “Expresso”, a 22 de novembro de 2003
A cidade que vai acolher os 128 agentes da Guarda Nacional Republicana — Nassíria — era, desde o fim da guerra (1 de Maio) e até quarta-feira, das mais pacíficas do Iraque. «Apenas» um sargento norte-americano tinha lá morrido, em Julho, na sequência de um acidente de viação.
Mas após o atentado suicida contra o quartel-general das tropas italianas, de que resultaram pelo menos 26 mortos (entre os quais 12 «carabinieri» e cinco soldados), Nassíria tornou-se mais uma cidade «infectada» pela resistência terrorista e mais um ponto no mapa de preocupações da coligação.
O ataque contra os «carabinieri» — o maior e mais mortífero contra as forças da coligação estacionadas na região sob comando britânico (que superintende a força italiana e, no futuro, a portuguesa) — veio demonstrar que a reacção terrorista à presença militar estrangeira está a conquistar todo o Iraque. O sul do país, de maioria xiita, vinha sendo poupado aos ataques perpetrados pela guerrilha, mais frequentes no chamado «triângulo sunita» (Bagdade, Tikrit, Falujah).
A instabilidade no terreno é cada vez mais visível e o ataque em Nassíria culminou essa degradação. A Casa Branca demonstrou ter compreendido o aviso e empreendeu já uma viragem na sua estratégia político-militar, com George W. Bush a anunciar estar em curso a aceleração da transferência do poder para os iraquianos.
Mas até que tal se efective, Washington terá de iludir a crescente degradação da situação no terreno, através de demonstrações de força. Na sequência do atentado em Nassíria, foi lançada a operação «Martelo de Ferro», uma contra-ofensiva em larga escala que representa um retrocesso na decisão dos Estados Unidos de limitar ao máximo as acções ofensivas.
Países revêem decisões
A calma aparente que se vivia em Nassíria no pós-guerra faz definitivamente parte do passado e os países chamados a servir com homens no processo de reconstrução reequacionam os seus planos, cada vez mais desajustados à situação no terreno. O Japão adiou o envio de um contingente, a Coreia do Sul vai mandar menos homens do que o previsto e a Dinamarca congelou o envio suplementar de tropas.
Nassíria parece estar de volta aos dias da guerra, quando foi das cidades que maior resistência ofereceu à passagem das forças anglo-americanas a caminho de Bagdade. Situada na margem norte do rio Eufrates, Nassíria, com mais de meio milhão de habitantes, tinha uma grande importância estratégica para o abastecimento, em homens e equipamento, da capital, 375 quilómetros a noroeste.
Ainda durante a guerra, Nassíria foi palco de um dos episódios mais mediáticos e também mais controversos: o aparatoso resgate da soldado norte-americana Jessica Lynch, de 19 anos, feita prisioneira na sequência de uma emboscada, a 23 de Março, de que resultaram nove soldados mortos. Lynch acusa agora o Pentágono de ter encenado a sua libertação com fins propagandísticos.
É, pois, numa cidade confrontada com a ameaça terrorista que os GNR portugueses irão servir. Por enquanto, e até terem condições para se instalarem em Nassíria, ficarão aquartelados em Bassorá, a maior cidade do sul do Iraque, onde está sediado o comando britânico. Setenta quilómetros para norte, situa-se Qurna, onde se unem os rios Tigre e Eufrates e onde, conta a lenda, terá florido o bíblico Jardim do Éden. Hoje, porém, a região está muito longe de ser um paraíso.
Artigo publicado no “Expresso”, a 15 de novembro de 2003
Uma década depois dos acordos de paz entre Israel e a OLP, o conflito está aceso como nunca, numa região que é disputada desde os tempos bíblicos
Destruição do Segundo Templo de Jerusalém, pelos romanos, no ano 70 da era cristã. Pintura de Francesco Hayez, com data de 1867 WIKIMEDIA COMMONS
Tornou-se quase um lugar-comum afirmar que a solução para o conflito israelo-palestiniano é complicada, senão mesmo impossível. Israelitas e palestinianos vivem uma incompatibilidade quase tão antiga quanto a sua própria existência. E fundamentam-na, com igual firmeza, em factos históricos, crenças religiosas e mitos transformados em verdades.
Aceite pelas três religiões monoteístas (cristianismo, judaismo e islamismo) como o patriarca dos crentes, Abraão, “o Hebreu”, descendente directo de Sem (filho de Noé), terá recebido, de acordo com a Bíblia, ordem divina para abandonar Ur, na Caldeia, e rumar a Canaan. “Deixa a tua terra, a tua família e a casa do teu pai, e vai para a terra que Eu te indicar. Farei de ti um grande povo”.
Em Canaan, por volta do ano 1800 a.C., Abraão testemunha nova revelação divina: “Darei esta terra à tua descendência”. Abraão teria dois filhos: Ismael, o primogénito, nascido de Agar, uma escrava egípcia, e Isaac, o legítimo, filho de Sara, a esposa. Tornava-se assim, simultaneamente, o antepassado de muçulmanos, que reconheceriam Ismael, e de judeus, que seguiriam Isaac. À luz das Escrituras, e por vontade divina, o relacionamento entre muçulmanos e judeus, obrigados à partilha da mesma terra, seria conflituoso para a eternidade.
Após a conquista de Jerusalém por David, cerca do ano 1000 a.C., o povo hebreu organiza-se num reino. Salomão, filho de David, manda então construir o Templo de Jerusalém, conferindo à capital política uma importante dimensão espiritual, ao torná-la um santuário da fé judaica. Após a morte de Salomão, o reino divide-se em dois: dez tribos passam a formar o reino de Israel, duas o de Judá.
A Terra Santa é o berço das três religiões monoteístas e judeus e muçulmanos têm o mesmo “pai”, Abraão
Com a expansão romana pelo Mediterrâneo e a conquista de Jerusalém no ano de 70 da era cristã, a região torna-se uma província do Império, que a baptiza de “Palaestina”, a expressão greco-latina usada primeiramente por Heródoto para se referir à terra dos filisteus. A designação sobrevive à dominação otomana, bem como ao nascimento do islamismo, no século VII. Subordinada à cultura árabe e à fé muçulmana, a Palestina assim permaneceria até inícios do século XX, altura em que, por força das perseguições aos judeus na Rússia e do efeito sedutor que o movimento sionista começa a gerar, a Palestina torna-se o destino eleito por milhares de judeus.
Em 1896, o jornalista judeu Theodor Herzl publicara “O Estado dos Judeus”, onde defendia o regresso a Sion (Jerusalém), a Terra Prometida, e a formação de um Estado. A realização do I Congresso Sionista, no ano seguinte, e a criação do Banco Colonial Judeu, para financiar a compra de terras na Palestina, eram provas evidentes que as ideias de Herzl tinham germinado e que a empresa sionista estava em marcha.
Quando, em 1914, rebenta a I Guerra Mundial, a Palestina é habitada por 85 mil judeus e cerca de 700 mil árabes, muçulmanos e cristãos. Trinta anos antes, os judeus não chegavam aos 25 mil.
Com a I Guerra Mundial, a questão palestiniana torna-se refém dos interesses da diplomacia britânica, apostada em jogar nos dois tabuleiros do complexo xadrez judaico- palestiniano. Na perspectiva de lucrar com o desmembramento do Império Otomano, aliado das potências do Eixo, a Grã-Bretanha incita os árabes à rebelião contra Constantinopla (que era então a capital otomana), prometendo-lhes, em troca, a independência.
Paralelamente, e face aos “pogrom” de que os judeus eram alvo na Rússia e noutras paragens do leste europeu, declara-se favorável ao “estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu”, como diz a famosa Declaração Balfour, a carta que o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, Lord Balfour, enviou em 1917 ao barão Edmond de Rothschild. Além de ser um dos magnatas mais ricos e influentes do império britânico, o barão, um judeu, notabilizara-se também pelo resgate de judeus perseguidos e por financiar a compra de terras na Palestina.
Com a derrota do Eixo e dos otomanos na I Guerra Mundial, a Sociedade das Nações, que reconhece “a histórica ligação do povo judeu à Palestina”, dá a tutela do território da Palestina aos britânicos, que a governam de 1922 a 1948.
Apesar das limitações impostas por Londres à imigração judaica para a região (Livro Branco, 1922), as vagas de judeus não cessam. A criação, em 1929, da Agência Judaica para a Imigração dá um cunho mais institucional ao fenómeno e transforma o lema da diáspora — “No próximo ano em Jerusalém” — numa espécie de pilar do futuro Estado.
Junto dos palestinianos, a frustração perante a crescente afirmação da nação judaica degenera em violência. Em 1929, confrontos em Jerusalém e em Hebron provocam 133 mortos entre os judeus e 67 entre os árabes. Em 1936, uma longa greve árabe de seis meses e um boicote declarado ao aparelho de Estado britânico ameaça a autoridade de Londres na região.
A II Guerra Mundial e a “solução final” proposta pelo regime nazi para o povo judeu alteraria por completo os contornos da questão. Em 1945, após a capitulação da Alemanha, seis milhões de judeus tinham sido exterminados nos campos de concentração e mais de um milhão deambulava pela Europa sem rumo nem destino.
A 29 de Novembro de 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprova o Plano de Partilha da Palestina (Resolução 181): o Estado judeu ficaria com 56,47% da Palestina e englobaria 498 mil judeus e 325 mil árabes; o Estado árabe ficaria com 43,53% e uma população de 807 mil árabes e 10 mil judeus. Os judeus ficavam com mais território, mas, no mínimo, 6o% correspondia ao deserto do Negev. Jerusalém, onde habitavam 100 mil judeus e 105 mil árabes ficaria sob jurisdição internacional.
Os árabes rejeitam o projecto e empenham-se na defesa das cidades, promovem uma greve geral e desencadeiam atentados contra os judeus. A sorte das armas parece-lhes favorável, ao ponto de os EUA questionarem a viabilidade do Estado judeu. A 19 de Março de 1948, Washington exige na ONU a suspensão do Plano: os árabes aceitam a trégua, os judeus recusam e lançam-se à conquista da Palestina.
Com o fim do Império Otomano, a Palestina passou para a tutela britânica. Em 1947, foi proposta a partilha
A 13 de Maio de 1948 finda o mandato britânico na Palestina. No dia seguinte, no Museu de Telavive, David Ben Gurion proclama a independência do Estado de Israel, imediatamente reconhecido pelas duas superpotências, Estados Unidos e União Soviética. Vinte e quatro horas depois, Síria, Iraque, Transjordânia, Egipto e Líbano lançam os seus Exércitos em socorro dos “irmãos” palestinianos.
Começava a primeira guerra israelo-árabe e, com ela, acentuava-se o êxodo palestiniano — “AI Naqba”, a catástrofe —, com mais de 350 mil pessoas a abandonarem as suas casas em quinze dias. Em Novembro, aquando do primeiro recenseamento em Israel, a inversão demográfica era já uma realidade: 712 mil judeus e 169 mil árabes.
Em Janeiro de 1949, a ONU impõe o cessar-fogo. Para os palestinianos, era a hora do desencanto e da constatação de que a Palestina independente permanecia um sonho. Para os israelitas, era o momento de celebrar a sobrevivência e a conquista de um Estado há muito desejado.
Guerras e terrorismo
À Guerra da Independência, outras guerras se seguiriam, opondo Israel aos vizinhos árabes. Em todas elas, nos planos de guerra, a superioridade árabe, em homens e material, era sempre esmagadora, mas a unidade de comando israelita, a qualidade táctica e, sobretudo, um moral a toda a prova acabariam por prevalecer.
Em 1956, com a operação-relâmpago na península do Sinai, após o anúncio da nacionalização do canal do Suez pelo Egipto, nasce o mito da invencibilidade do Exército judeu (Tsahal).
Onze anos depois, numa jornada militar memorável (Guerra dos Seis Dias), Israel conquista o Sinai e a Faixa de Gaza ao Egipto, Jerusalém Oriental e a Cisjordânia à Jordânia e os montes Golã à Síria. Na ONU, a comunidade internacional exige a devolução dos territórios ocupados na Resolução 242 (ver no fim), que multiplicavam por quatro a anterior dimensão do território israelita.
O “status quo” territorial mantém-se com a Guerra do Yom Kippur, em Outubro de 1973, na sequência da qual o Conselho de Segurança da ONU aprovaria mais uma Resolução condenatória de Israel (338). (ver no fim)
Por essa altura já a resistência palestiniana à ocupação se tinha radicalizado e infligido danos inéditos na fortaleza israelita, recorrendo ao terrorismo. No ano anterior, durante os Jogos Olímpicos de Munique, um “comando” palestiniano, da organização Setembro Negro, tinha assassinado 11 atletas israelitas.
Institucionalizada em Outubro de 1959, com a fundação, na clandestinidade, da organização Fatah, a luta pela libertação da Palestina tinha-se afirmado pela via da violência. Rosto visível desse combate, Yasser Arafat, na qualidade de chefe da Organização de Libertação da Palestina (OLP), faria a sua primeira alocução “histórica” ao mundo na Assembleia Geral das Nações Unidas, a 13 de Novembro de 1974: “Hoje trouxe um ramo de oliveira e uma espingarda de combatente pela liberdade. Não permitam que o ramo caia da minha mão”. Na ONU, a OLP recebia o estatuto de observador, a Comissão dos Direitos Humanos condenava Telavive e era reconhecido o direito dos palestinianos à autodeterminação.
O fim do conflito depende, em primeiro lugar, do cumprimento das resoluções das Nações Unidas
Fustigado pelas operações militares palestinianas lançadas a partir das suas bases no Líbano — onde a OLP criara um verdadeiro Estado dentro do Estado e de onde lançava também as acções terroristas —, Israel invade o sul deste país em Junho de 1982 (Operação Paz na Galileia), por iniciativa do ministro da Defesa, Ariel Sharon. Data de então o início do confronto pessoal entre Sharon e Arafat, que comandava a guerrilha palestiniana no Líbano.
As tropas israelitas avançam até às portas de Beirute, a guerrilha palestiniana resiste, a guerra parece interminável. Os americanos forçam um acordo: paragem das hostilidades, saída do país de Arafat e seus combatentes, que partem para o exílio, em Tunes. Na capital tunisina, Yasser Arafat acabaria por recriar o quartel-general da OLP.
Intifada e Guerra do Golfo
O capítulo seguinte da resistência palestiniana seria escrito pelos jovens da Cisjordânia e da Faixa de Gaza. Em Dezembro de 1987, precisamente vinte anos após o início da ocupação israelita, começa uma revolta popular (“Intifada”) contra a ocupação. Popularmente conhecida como “Guerra das Pedras”, surgiu como uma contestação quase à margem dos grupos políticos palestinianos, para depressa ser “enquadrada” pela Fatah e, sobretudo, pela organização islâmica Hamas, que então emergia. Durante seis anos, mais de um milhar de palestinianos e algumas dezenas de israelitas morreram na confrontação que ficaria conhecida como a 1ª Intifada.
No virar da década de 90, a geopolítica internacional sofre um abalo, com a desagregação da União Soviética e a Guerra do Golfo, durante a qual Saddam Hussein recolocara a questão palestiniana no centro da actualidade. Vencido o Iraque, a coligação vencedora pensa estarem criadas as condições para resolver de uma vez por todas o conflito do Médio Oriente, em cujo centro está o eterno dossiê israelo-palestiniano. Afinal de contas — e apesar da Intifada e do apoio de Arafat a Saddam Hussein —, os palestinianos tinham cumprido algumas exigências consideradas fundamentais para o início do diálogo: a 15 de Novembro de 1988, em Argel, Arafat autoproclamara a criação de um Estado palestiniano independente, com Jerusalém por capital, e aceitara as Resoluções 242 e 338 (reconhecendo assim Israel implicitamente); um mês depois, perante a Assembleia Geral da ONU, em Genebra, renunciaria ao terrorismo; em Maio seguinte, consideraria “caduca” a Carta da OLP, cujo “leitmotiv” era a “libertação da Palestina” e a “eliminação do sionismo”.
É assim que, apadrinhados pelos EUA e pela Rússia, os vários protagonistas do conflito do Médio Oriente (palestinianos, israelitas, sírios, libaneses, jordanos) se reúnem na Conferência de Madrid, em Outubro de 1991, em Madrid. A negociação israelo-palestiniana pouco avançou publicamente. Mas, a 13 de Setembro de 1993, são assinados os chamados Acordos de Oslo, negociados em segredo pelas duas partes na capital norueguesa. Palestinianos e israelitas reconhecem -se mutuamente e aceitam a partilha do território, com vista à coexistência de dois Estados independentes.
Nova Intifada e novo muro
Ainda que hesitante, o aperto de mão entre Itzhak Rabin e Yasser Arafat, nos jardins da Casa Branca, simbolizava o derrube de um muro psicológico, de incerteza e desconfiança. Dez anos volvidos, um novo muro — este de betão —, a separar Israel da Cisjordânia, volta a mergulhar a região na descrença em relação a um futuro pacífico.
O longo muro, iniciado a 16 de junho de 2002, visa impedir a infiltração de terroristas palestinianos, para assim tentar refrear a dinâmica sangrenta que tem caracterizado a 2ª Intifada, a “Intifada Al Aqsa”. Desde o seu início, a 28 de Setembro de 2000, já foram mortos mais de 2600 palestinianos e 800 israelitas.
Em 1993, Rabin e Arafat derrubaram um muro psicológico. Dez anos depois, Israel constrói um físico
A frequência com que atentados suicidas palestinianos e bombardeamentos israelitas indiscriminados se sucedem, numa espiral de violência cada vez mais irracional, transformou o conflito num diálogo de surdos.
Quase quatro mil anos após a revelação divina a Abraão, o conflito israelo-palestiniano permanece de resolução difícil. Os palestinianos continuam sem Estado, os israelitas sem segurança. Ambos sem paz. E sempre inimigos, apesar de irmãos — ou não fossem ambos descendentes de Sem e, por isso, semitas.
A PEDRA DE TOQUE
RESOLUÇÃO 242 (22.11.1967) Aprovada, por unanimidade, após a Guerra dos Seis Dias (Junho de 1967), exige a retirada israelita dos territórios então conquistados. Mas a interpretação da Resolução não está isenta de discórdia. Na versão inglesa, o texto refere-se à “retirada das forças armadas israelitas de territórios ocupados” (“withdrawal of Israel armed forces from territories occupied”), enquanto a versão francesa fala da “retirada das forças armadas israelitas dos territórios ocupados” (“la retraite des forces israeliennes des territoires occupés”).
RESOLUÇÃO 338 (22.10.1973) Adoptada no rescaldo da Guerra do Yom Kippur (Outubro de 1973), insta as partes envolvidas a cumprirem a Resolução 242. Apela também ao início de negociações com vista ao estabelecimento de “uma paz justa e duradoura no Médio Oriente”. É a base formal do processo de paz que se seguiria, primeiro em Camp David (1978, tratado de paz israelo-egípcio depois da retirada israelita do Sinai) e em Madrid (1991, lançamento da Conferência de Paz para o Médio Oriente).
AS QUESTÕES MAIS QUENTES
JERUSALÉM Cidade santa para as três grandes religiões monoteístas (cristianismo, judaismo e islamismo), Jerusalém está no centro da disputa israelo-palestiniana. Israelitas e palestinianos reclamam a soberania sobre Jerusalém e já a consagraram capital dos respectivos Estados: os israelitas, em 1980, quando o Parlamento ratificou a anexação da parte leste e decretou a cidade como “capital una e indivisível de Israel”; os palestinianos quando da autoproclamação do seu Estado, em 1988. Os Acordos de Oslo remetem a resolução do problema para negociações finais.
COLONATOS A implantação de colonatos nos territórios ocupados começou logo após a guerra de 1967 e não parou com os Acordos de Oslo. Presentemente, há cerca de 390 mil colonos na Cisjordânia, 7500 na Faixa de Gaza, entre 220 e 250 mil em Jerusalém Oriental e cerca de 17 mil nos montes Golã. Para os palestinianos, os colonatos impedem a formação de um Estado palestiniano viável.
REFUGIADOS O direito de regresso dos refugiados palestinianos da guerra de 1948 é uma reivindicação fundamental dos palestinianos. Segundo a ONU, há 3,6 milhões de refugiados palestinianos, dispersos por Jordânia, Síria, Líbano, Cisjordânia e Gaza, e com estatutos que diferem de caso para caso. Na Jordânia, por exemplo, podem dispor de um passaporte nacional, mas no Líbano não podem aceder aos sistemas públicos de Saúde e de Educação. O direito de regresso foi reconhecido pela ONU, através da Resolução 194, de 11 de Dezembro de 1948.
Artigo publicado na revista Única do “Expresso”, a 1 de novembro de 2003
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.