O país que desapareceu por um dia

As marés vivas são uma crescente ameaça à vida no Tuvalu, que corre o risco de desaparecer de vez do mapa

Vista aérea sobre Funafuti, a capital do Tuvalu LILY-ANNE HOMASI / DFAT / WIKIMEDIA COMMONS

Há países que só em circunstâncias muito excepcionais conquistam espaço no noticiário internacional. É o caso do Tuvalu, um arquipélago perdido no Pacífico, a meio caminho entre a Austrália e o Havai, que, uma vez por ano, se vê na iminência de ser engolido pelo mar. Estamos só dois ou três metros acima do nível do mar, tão espalmados como uma omeleta. Não temos para onde subir, diz Mataio Tekinene, do Ministério do Ambiente local.

Na semana passada, o Tuvalu — 26 quilómetros quadrados dispersos por nove atóis, nenhum deles a mais de 4,5 metros acima do nível do mar —esteve parcialmente submerso pelo Pacífico, após ondulações três metros mais altas do que o habitual terem inundado casas, escritórios e parte do aeroporto de Funafuti, a capital.

É assim todos os anos, e os 11.500 habitantes do arquipélago parecem já estar habituados ao fenómeno. “Já não se preocupam com o que vai acontecer. Acomodam-se à mesma situação que já viveram em anos anteriores. Ficam em casa durante as marés vivas e desfrutam da enchente no exterior das suas casas”, afirma Tekinene.

Em 2001, a água chegou aos 3,3 metros, e o susto foi valente. “Temos marés cada vez mais altas e alagamentos maiores”, declara Hilia Vavae, meteorologista local. Em 1997, as marés levaram ao desaparecimento da ilha de Tepukasavalivili. “Pode-se olhar para dentro de água e ver o contorno da ilha”, acrescenta.

Com maior ou menor contratempo, a vida vai sendo possível no Tuvalu, embora as condições de sobrevivência estejam cada vez mais comprometidas: o avanço da água salgada contamina as reservas de água potável, provoca a erosão dos solos e inviabiliza as plantações.

Em 1997, as marés levaram ao desaparecimento da ilha de Tepukasavalivili. Pode-se olhar para dentro de água e ver o contorno da ilha

Para algumas correntes científicas, o afundamento das ilhas é uma consequência directa do uso indevido da terra e da pressão populacional. Em territórios exíguos como o Tuvalu, o destino a dar ao lixo ou os exageros cometidos pela construção civil ganham a dimensão de verdadeiras questões de Estado. Mas as autoridades locais preferem responsabilizar o aquecimento do planeta pelo “mergulho” do arquipélago.

Durante as negociações do Protocolo de Quioto, não se cansaram de chamar a atenção para o perigo de os habitantes se tornarem a primeira legião de refugiados ambientais, “vítimas mundiais das alterações climáticas”. Então, o secretário-geral da ONU alertou para a existência de “problemas no paraíso”. O Tuvalu aproveitou o tempo de antena que Kofi Annan lhe concedeu e tentou convencer os vizinhos australianos e neo-zelandeses a conceder aos seus cidadãos um regime especial de emigração para as ocasiões em que o país se torne inabitável.

Mas ninguém parece interessado em encarnar o papel de salvador de nações alagadas. Por isso, 12 anos após Quioto, o paraíso continua ameaçado e corre o risco de desaparecer do mapa.

Artigo publicado na revista Única do Expresso, a 28 de fevereiro de 2004