Para Riad Malki, director do Centro Panorama, de Ramallah, os bons resultados do Hamas nas eleições podem encorajá-lo a depor as armas e a aderir ao sistema político. Entrevista

Mahmud Abbas toma hoje posse como presidente da Autoridade Palestiniana. “Há obrigações mútuas no Roteiro para a Paz e nós queremos começar a respeitar imediatamente as nossas obrigações”, afirmou na quinta-feira o sucessor de Yasser Arafat. “Esperamos que os israelitas respeitem as suas também”.
Na segunda-feira, no mesmo dia em que o Parlamento israelita aprovava um novo Governo liderado por Ariel Sharon — com a participação do Partido Trabalhista —, o primeiro-ministro israelita telefonava a Mahmud Abbas felicitando-o pela vitória. Nos Estados Unidos, o Presidente George W. Bush afirmava-se “impaciente” para receber o líder palestiniano na Casa Branca.
O rescaldo da eleição de Abbas — no domingo, com 62,3% dos votos — foi fértil em reacções eufóricas quanto ao futuro do diálogo israelo-palestiniano. “A expectativa é enorme”, afirmou ao “Expresso”, a partir de Ramallah (Cisjordânia), Riad Malki, director do Centro Panorama, vocacionado para a promoção da democracia e do desenvolvimento comunitário entre os palestinianos.
Na quinta-feira, no final de um encontro com o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, Sylvan Shalom, o Alto Representante da Política Externa e Segurança Comum da União Europeia, Javier Solana, não podia estar mais de acordo: “As eleições palestinianas converteram uma janela de oportunidades numa avenida em direcção à paz”. Mas, no terreno, qualquer esperança de paz sucumbia às fragilidades. Na véspera, um colono judeu era morto e três soldados israelitas ficavam feridos, durante uma emboscada de activistas da Jihad Islâmica, em Gaza.
Pressionado pela necessidade de corresponder às expectativas de mudança decorrentes da sua eleição, Mahmud Abbas tem pela frente uma tarefa gigantesca. Para Riad Malki, director do Centro Panorama, de Ramallah, a sociedade civil tem um papel crucial a desempenhar na sua orientação.
EXPRESSO — O que esperam os palestinianos de Mahmud Abbas?
RIAD MALKI — Prioritariamente, uma melhoria das condições económicas e garantias de segurança. Depois, que ele imponha a lei e a ordem nos territórios, que trabalhe nas reformas e que leve os corruptos a tribunal. Esperam que as relações com os países vizinhos árabes melhorem e que chegue a acordo com Sharon no sentido de travar a construção do Muro, o confisco de terras, a expansão dos colonatos, a demolição de casas, o assassínio de activistas e de libertar prisioneiros políticos. Abbas terá de hierarquizar prioridades e precisa de tempo.
EXP. — Está refém da segurança? A cada ataque, a sua autoridade será posta em causa…
R. M. — Claro. Durante a campanha, disse que os ataques a Israel são um erro porque não trazem resultados palpáveis. E apelou à desmilitarização da Intifada, através de manifestações, da desobediência civil e de acções populares que podem minimizar a superioridade militar israelita.
EXP. — Que argumentos pode usar para que Hamas e Jihad Islâmica renunciem às armas?
R. M. — O Hamas participou nas eleições municipais de Dezembro e, na primeira fase, obteve entre 35 e 40%, o que é impressionante. Este resultado pode encorajá-lo a aderir ao sistema político, considerando que pode beneficiar mais no processo eleitoral do que estar à margem e recorrer à resistência armada. Acredito que o Hamas se vá transformar. Se participar nas legislativas de 17 de Julho é um bom indício. E se o fizer, a Jihad Islâmica segui-lo-á.
EXP. — Quanto às reformas, por onde deverá começar?
R. M. — Abbas disse que iria cumprir as obrigações decorrentes do Roteiro para a Paz, que prevê reformas. Já tomou medidas para concentrar os vários serviços de segurança e colocá-los sob a liderança do primeiro-ministro, e não do Presidente. Nos primeiros 100 dias, vai tentar melhorar a situação económica, garantir segurança aos cidadãos e promover reformas. Essas apostas permitirão a consolidação do seu poder, para depois avançar para a fase de negociações com Sharon.
EXP. — A sociedade civil palestiniana é suficientemente forte para o orientar?
R. M. — É a mais forte do Médio-Oriente. Estamos a discutir, colectiva e individualmente, que tipo de agenda adoptar e conceitos como a “transparência” e a “responsabilidade”. Vamos ter um acesso fácil a Abbas. Agora mais do que nunca, temos condições de sucesso. Temos de agarrar a oportunidade.
EXP. — A agenda de reformas palestiniana difere da agenda internacional?
R. M. — Há muito que a sociedade civil palestiniana apela a reformas na Autoridade Palestiniana. Ficamos surpreendidos quando a comunidade internacional em vez de adoptar a nossa agenda de reformas a reduziu a três tópicos: segurança, administração e finanças. Um processo de reformas tem de ser amplo e não selectivo. Como activista, considero a reforma do aparelho judicial a mais importante, porque é a que garante os direitos. Também o sistema educativo carece de reformas. A maior parte dos livros escolares são jordanos e egípcios, os mesmos usados antes de 1967.
EXP. — Este período eleitoral (municipais, presidenciais e legislativas) é o início de um processo democrático como os palestinianos nunca tiveram?
R. M. — Sem dúvida, e essa é que é a ironia. Vivemos tantos anos impedidos de votar e, de repente, fomos invadidos por um carnaval de eleições! Claro que prefiro ter três eleições num ano do que estar 20 anos sem votar.
EXP. — Nesse sentido, Arafat era um obstáculo?
R. M. — Sim e não. Indirectamente, ele encorajou a corrupção, permitindo que corruptos permanecessem nos lugares. Mas não pode ser culpado de tudo, porque vivíamos sob uma ocupação militar.
EXP. — Aparentemente, há uma conjuntura favorável à retoma do diálogo com Israel: Telavive viabilizou as eleições, os trabalhistas entraram no governo, Bush quer receber Abu Mazen… Está optimista?
R. M. — Estou cautelosamente optimista. Há bons indicadores, mas ainda não se reflectiram positivamente no terreno. Não vi Israel levantar os bloqueios nas ruas ou dizer que vai parar a construção do Muro. Cruzo os dedos a toda a hora, temendo que algo de mau possa acontecer, como um ataque suicida do Hamas em Telavive. Seria voltar à estaca zero.
Artigo publicado no “Expresso”, a 15 de janeiro de 2005

