Vaga de investidas de ‘ilegais’ às portas de Ceuta e Melilla

Vedação metálica que serve de fronteira entre Marrocos e Espanha, no território espanhol de Melilla ONGAYO / WIKIMEDIA COMMONS

O exército espanhol está desde quinta-feira a apoiar a Guarda Civil em acções de vigilância nas fronteiras de Ceuta e Melilla — duas cidades espanholas autónomas encravadas na costa mediterrânica de Marrocos. A ordem de destacamento de 480 soldados foi dada na sequência de várias tentativas de infiltração ilegal, esta semana, por parte de cidadãos africanos.

Na terça-feira, 500 pessoas tentaram escalar a vedação metálica que funciona como fronteira entre Marrocos e Melilla — com a ajuda de escadas feitas de paus que eles próprios improvisam — e assim vencer a distância entre a vida de miséria que têm e o mundo da abundância com que sonham. Na madrugada de quarta para quinta-feira, outras 600 arriscaram a vida para entrar ilegalmente em Ceuta.

Cinco pessoas morreram — duas caíram em solo espanhol e três para o lado marroquino — e várias dezenas ficaram feridas. De imediato, Espanha e Marrocos anunciaram a abertura de uma investigação conjunta”, designadamente para averiguar a origem dos tiros disparados.

Na manhã de quinta-feira, as autoridades marroquinas abortavam nova tentativa de assalto por parte de cerca de 300 pessoas, desta feita em Melilla. Estava dado o sinal de que a fonte de pessoas desejosas por tentar a sua sorte — muro acima — parece inesgotável.

Tradicionalmente, Melilla tem sido o território mais problemático no que ao tráfico ilegal de imigrantes diz respeito. Mas o facto do cenário dos trágicos acontecimentos desta semana ter sido Ceuta revela a crescente adaptação das máfias às novas realidades e a sua sobrevivência ao cerco cada vez mais apertado às “pateras” — os barcos carregados de gente que atravessam Gibraltar e tentam desembarcar clandestinamente na costa espanhola.

Qualquer pessoa em situação ilegal não pode ser expulsa de Espanha sem que seja atestada a sua identidade e origem

Em Espanha, há quem denuncie que estas avalanchas de “ilegais” são consentidas pelas autoridades de Rabat, ao serviço de uma estratégia política de recuperação de Ceuta e Melilla, que Marrocos reivindica como parte integrante do território.

Para a vice-presidente do Governo espanhol, María Teresa Fernández de la Vega, estes assaltos não resultam de qualquer “efeito sedutor” exercido pela legislação espanhola sobre os candidatos a imigrantes. Porém, qualquer pessoa em situação ilegal não pode ser expulsa de Espanha sem que seja atestada a sua identidade e origem.

A “vantagem” de não ter BI

Assim sendo, quando um “indocumentado” é detido ao tentar entrar em território espanhol, é internado durante 40 dias num centro “ad hoc” e só depois apresentado a um juiz, que, dada a impossibilidade de provar a identidade e origem, não tem outro remédio senão deixá-lo em liberdade.

Com os acontecimentos de Ceuta a quente, o presidente daquela cidade, Juan Jesús Vivas, apelou a alterações legislativas no sentido de tornar possível que “os imigrantes que violem a fronteira possam ser repatriados imediatamente para Marrocos”.

No mesmo dia em que Ceuta era notícia, os chefes de Governo de Espanha e de Marrocos, José Luis Rodriguez Zapatero e Driss Jettu, reuniam-se em Sevilha para uma cimeira bilateral. Tal como acontece em relação à questão do Sara Ocidental, a imigração ilegal é um tema recorrente na agenda de trabalhos entre os dois países.

Os marroquinos dizem que não são suficientemente ajudados por Espanha e pela União Europeia e apelam à conclusão de acordos de repatriamento directo com os países de origem dos “ilegais”.

Por seu turno, os espanhóis querem rever um acordo bilateral sobre os menores marroquinos que entram clandestinamente em Espanha, datado de 2003 e que se tem revelado um verdadeiro filão para as máfias: se não for localizada a família dos menores, o seu repatriamento é interdito.

Enquanto Espanha e Marrocos não afinam a legislação, o combate ao flagelo vai-se fazendo através de medidas cirúrgicas de consequências a curto prazo. Rabat anunciou o envio de mais mil agentes para Melilla e outros 600 para Ceuta para tentar conter novas investidas, enquanto Madrid, para além dos militares já enviados, anunciou melhorias nos centros temporários de internamento dos imigrantes e medidas de carácter social.

Artigo escrito com o contributo de Ángel Luis de la Calle, correspondente do “Expresso” em Madrid e publicado no Expresso, a 1 de outubro de 2015

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