O adeus de Besseisso

O decano dos representantes diplomáticos em Portugal vai regressar finalmente à sua terra natal

Durante mais de vinte anos, Issam Besseisso foi o rosto da causa palestiniana em Portugal. Agora cessa funções como delegado-geral da Palestina em Lisboa e prepara-se para regressar à pátria. Em Portugal, deixa “raízes fortes de amizade”, “muitos amigos” e os três filhos, dois deles nascidos cá. Por isso, não encara a sua partida como um “adeus”, antes um “até já”.

Corria o ano de 1984 quando Issam Besseisso aterrou em Portugal como representante oficial da Organização de Libertação da Palestina (OLP). “Terrorista palestiniano chegou a Lisboa”, noticiou então o jornal “O Dia”. No ano anterior, o assassínio de Issam Sartawi — fundador da OLP e conselheiro de Arafat —, em Montechoro, precipitara a abertura de uma representação palestiniana em Portugal. “Depois daquele acontecimento, sentimos a importância de abrir uma missão diplomática aqui”, recorda Besseisso.

As lutas intrapalestinianas passavam também por Portugal, ainda que o nosso país há muito tivesse aberto as portas aos palestinianos. Em 1976, o Presidente Costa Gomes declarara o reconhecimento oficial da OLP e o ministro dos Negócios Estrangeiros Medeiros Ferreira mandara uma carta a Yasser Arafat oferecendo uma embaixada em Lisboa.

Facto elucidativo do tipo de influência que caracterizava Portugal internacionalmente ocorreria em 1979. “O General Ramalho Eanes foi o primeiro Presidente europeu a receber Arafat. Depois desse encontro, todas as portas da Europa Ocidental se abriram. Este é o papel de Portugal na história.”

Até 1988, Issam Besseisso foi o representante da OLP. Após o Conselho Nacional Palestiniano ter autoproclamado a independência da Palestina, a 15 de Novembro de 1988, em Argel, a missão ascendeu à categoria de Delegação-Geral. Os primeiros apoios oficiais portugueses chegaram após a Guerra do Golfo de 1991 e do consequente congelamento das verbas que Saddam Hussein destinava à OLP. Nesse ano, o Governo de Cavaco Silva atribuiu à delegação palestiniana 23 mil contos (115 mil euros) e no ano seguinte 59 mil (295 mil euros).

Mas mais delicadas do que as contribuições financeiras eram as ajudas políticas. Aquando da Expo-98, o Governo de António Guterres apoiou a criação do Pavilhão da Palestina. “A embaixada de Israel levantou problemas. Queria que se chamasse pavilhão da Autoridade Palestiniana ou pavilhão da Cisjordânia e Gaza”, recorda Besseisso. No Médio Oriente, palestinianos e israelitas viviam tempos de acalmia, mas na gráfica lisboeta onde se imprimiam os boletins da Expo havia grande turbulência à volta das nuances linguísticas. “Houve uma guerra informática…”, diz.

Para o diplomata palestiniano, Mário Soares foi o político português que mais o sensibilizou: “É uma figura internacional muito importante”. Soares cativou-o pela “coragem” com que em 1982, em plena guerra do Líbano, se “disfarçou de pescador para tentar entrar, de barco, nos territórios palestinianos”. E depois quando, durante o bombardeamento israelita a Beirute, acompanhou Arafat, de abrigo em abrigo.

Em Portugal, só não aprendeu a gostar de bacalhau porque, como os portugueses, também os palestinianos já lhe conhecem o gosto. “Nas semanas a seguir à Naqba (expulsão dos palestinianos após a criação de Israel), os refugiados não tinham que comer. Recebemos bacalhau do Governo de Salazar, em resposta a um apelo da ONU. Para os refugiados, bacalhau era só para ricos. Então, vendiam o bacalhau a palestinianos ricos para comprarem arroz, pão, azeite, açúcar… coisas mais importantes para eles”. Quando Besseisso chegou a Portugal, a iguaria não escapou à sua mesa de refeições — ainda que “à moda palestiniana”.

Artigo publicado na revista Única do Expresso, a 10 de dezembro de 2005