Equipas de operações especiais dos EUA estarão secretamente em território iraniano
O sentimento não é consensual, mas há quem considere que a guerra no Irão é já uma realidade. “Silenciosamente, pela calada, escondida das câmaras, a guerra no Irão já começou. Várias fontes confirmam que os Estados Unidos, empenhados na desestabilização da República Islâmica, aumentaram a ajuda a movimentos armados entre as minorias étnicas azeri, baluque, árabe e curda, que correspondem a cerca de 40% da população iraniana” — é assim que Alain Gresh, editor do ‘Le Monde Diplomatique’ e especialista em Médio Oriente, inicia um artigo divulgado esta semana.
Ao Expresso, Gresh explica o raciocínio: “Os planos militares de que ouvimos falar nos EUA não visam a invasão. Os americanos não têm tropas para isso, mas pensam que se bombardearem massivamente as instalações nucleares e os comandos político e militar beneficiarão da impopularidade do regime e da ajuda dos azeris, árabes e curdos e provocarão uma mudança de regime”.
Em Abril, a televisão ABC noticiou que os EUA tinham apoiado o grupo baluque Jund al-Islam (Soldados do Islão), responsável por um ataque que matou guardas revolucionários iranianos. “Este tipo de apoioé perigoso”, diz Gresh. “Pressupõe que no Irão não há nacionalismo persa, que há azeris, curdos e que podemos usá-los. Isto foi feito no Iraque com o resultado que conhecemos…” Acredita-se que equipas de operações especiais e da CIA foram já colocadas no terreno no Irão para assinalar alvos, estudar o território e fomentar a rebelião. Pelo menos desde 2002 que grupos de planeamento da força aérea estão a “listar alvos” e os chefes de estado-maior completaram recentemente planos de contingência que permitiriam a Bush atacar o Irão em 24 horas.
Pelo menos desde 2002 que grupos de planeamento da Força Aérea dos EUA estão no Irão para listar alvos, estudar o território e fomentar a rebelião
O Pentágono tem dois porta-aviões no Golfo Pérsico que dão aos EUA a capacidade de manter uma longa campanha de bombardeamentos. O novo comandante militar regional, almirante William Fallon, é perito na coordenação do tipo de operações combinadas terra-ar.
Rufam os tambores da guerra
No círculo próximo do Presidente dos EUA não falta quem considere que é uma obrigação moral tratar do Irão antes de Bush deixar a Casa Branca. O vice-presidente Dick Cheney disse-o em público e John Bolton, o pouco diplomático ex-embaixador dos EUA na ONU, já começou a rufar os tambores. “Se a escolha é entre um Irão com capacidade nuclear e o uso da força, então temos de usar a força”, disse Bolton ao ‘The London Telegraph’. Para ele, vive-se um momento comparável àquele em que Hitler deveria ter sido parado, após a ocupação alemã dos Sudetas, e o mundo não fez nada.
Vincent Cannistraro, ex-chefe do departamento de contraterrorismo da CIA, disse ao Expresso que “a decisão de atacar o Irão foi adiada e é pouco provável que seja tomada este ano”. Cannistraro, ainda hoje próximo dos corredores da segurança nacional, não duvida que uma decisão para atacar o Irão seja possível, embora informações recentes estimem que as reacções a um tal assalto seriam “terríveis”, pois “destruiria a última hipótese de Bush estabilizar o Iraque”. No palco iraquiano, multiplicam-se entretanto sinais de nervosismo em relação a um conflito iminente: aviões de vigilância americanos sobrevoam o espaço aéreo iraniano; tropas americanas invadiram o consulado persa no Norte do Iraque capturando seis iranianos; os EUA têm açambarcado “stocks” de petróleo; milhares de ‘marines’ têm sido deslocados para a fronteira Iraque-Irão e a aviação é usada com cada vez mais agressividade.
Para Alain Gresh, um grande conflito armado no Irão não é “inevitável”. A situação no Iraque e a contestação interna desaconselham a Administração Bush a uma nova frente de guerra. Mas há motivações para o conflito. “A principal é talvez a forma como Bush vê o mundo. Ele vê-se como o líder de uma nova guerra mundial, à semelhança de Churchill na II Guerra. Bush já deixou claro que a luta é ideológica”. Em pleno Congresso o ex-conselheiro para a Segurança Nacional, Zgbniew Bzrezinski, considera que os EUA estão a caminho de um “pântano que durará 20 anos ou mais e estender-se-á ao longo do Iraque, Irão, Afeganistão e Paquistão”.
Artigo escrito em colaboração com TonyJenkins, correspondente em Nova Iorque
OUTRAS OPERAÇÕES SECRETAS
1953, Irão
A CIA e o MI6 orquestram a deposição do primeiro-ministro, Mohammed Mossadegh, e a subida ao poder do Xá
1961, Cuba
A CIA patrocina a malograda invasão da Baía dos Porcos e várias tentativas para assassinar Fidel Castro
1967, Bolívia
Uma operação militar organizada pela CIA culmina na captura e execução de Che Guevara pelo Exército boliviano
1968, Iraque
A CIA apoia o golpe contra Rahman Arif que coloca o Partido Baas no poder
1975, Angola
EUA começam a apoiar a UNITA
1979, Nicarágua
Início do apoio aos Contras, opositores do Governo sandinista
“DESTRUIR 30 ALVOS IMPLICA CHUVA DE BOMBAS”
Para o israelita Ely Karmon, investigador do Herzlya, centro de contraterrorismo, Irão, Síria, Hamas e Hezbollah formam o “eixo da desestabilização”. Entrevista
Como antevê o desfecho da crise nuclear iraniana?
Não creio que as sanções vão resultar. A Rússia parou de construir a central de Bushehr e de fornecer urânio, mas se calhar é tarde de mais… Outra opção é uma acção militar por parte dos EUA. Uma terceira é permitir que o Irão se nuclearize e depois ser dissuadido, mas não creio que esta seja a melhor solução pois permitirá aos iranianos serem muito mais agressivos.
Israel pode atacar o Irão como fez em 1981 contra o reactor iraquiano de Osirak?
Não é possível. Os peritos militares dizem que para destruir as cerca de 30 instalações nucleares, algumas enterradas a grande profundidade, seriam necessárias pelo menos duas a três semanas de bombardeamentos permanentes, o que é uma missão muito difícil, mesmo para Israel.
Teme uma proliferação nuclear no Médio Oriente?
Já começou, na Jordânia, no Egipto, nos países do Golfo… Na Turquia discute-se o assunto. A Turquia beneficia do chapéu nuclear da NATO mas não sei se o considera suficiente. Acho que a Turquia vai optar pelo nuclear.
Tem havido contactos oficiais entre os EUA e a Síria…
Também os europeus têm tentado tirar a Síria deste ‘eixo’. Os sírios continuam a entregar armas ao Hezbollah e a liderança do Hamas que está a sabotar o processo de paz está em Damasco. O regime sírio tem medo das consequências da paz e prefere correr o risco e continuar…
A alternativa a este regime é a Irmandade Muçulmana?
O problema é exactamente esse. Após a Síria sair do Líbano, houve pressões para mudar o regime. Depois pararam. Israel já declarou ter aconselhado americanos e europeus a não mudar o regime. Por isso a Síria continua a assassinar pessoas no Líbano e a apoiar Hezbollah e Hamas.
A imprensa israelita fala numa guerra contra a Síria.
Não creio que a Síria vá atacar Israel. O Hezbollah pode provocar, mas isso dependerá da decisão do Irão. Israel será reactivo.
Irão e Síria são países-chave para a estabilização do Iraque?
O Irão não quer desestabilizar o Iraque, quer controlar o Governo para poder discutir o processo nuclear. O Irão foi inteligente: em 2003 deixou os EUA atacar o Iraque sem intervir; esteve o tempo todo em contacto com a oposição xiita e pediu-lhe que não cooperasse com os EUA durante a guerra. No fim, saiu vencedor.
Artigos publicados no “Expresso”, a 19 de maio de 2007

