Alemães cantam vitória

Desgastados por um final de presidência inesperadamente turbulento, os germânicos estão satisfeitos com os resultados finais. E estão mesmo convencidos que facilitaram a vida à presidência portuguesa. Reportagem em Berlim 

A escassos dias da transferência para Portugal da presidência da União Europeia, os alemães não disfarçam a sensação do dever cumprido. O Conselho de Bruxelas sobre o futuro tratado da União saldou-se num acordo a 27 e Berlim respirou fundo.

Era claro desde o início que esta presidência iria ser julgada pela questão da Constituição, comentou Hubert Wetzel, jornalista da edição alemã do Financial Times, durante um seminário sobre as conclusões da presidência germânica que decorreu em Berlim.

Verificada a check-list das promessas feitas e dos resultados efectivamente obtidos, a diplomacia alemã estima que 80% dos dossiês fecharam conforme o previsto.

Ao nível dos sucessos, Berlim destaca o reforço do Frontex, sobretudo no campo das fronteiras marítimas, e a adopção do Tratado de Prum, um mecanismo de cooperação policial que, em nome do combate ao crime, prevê o acesso automático a registos de ADN, impressões digitais e registos de veículos.

Também no campo do combate anti-terrorista, e não para espiar ninguém, como refere Thomas Binder, que integrou a task force da presidência do Ministério do Interior, regista-se o lançamento do programa Check the web (Verificar a rede), que visa colocar técnicos europeus a patrulhar a internet em busca de indícios terroristas.

O desenvolvimento desta iniciativa alemã transita agora para a presidência portuguesa.

Com as alterações climáticas na ordem do dia, os alemães elogiam também o acordo obtido ao nível da política ambiental. Angela Merkel foi bem sucedida ao obter um consenso, mas não tão bem sucedida se olharmos ao que temos pela frente, diz Hermann Scheer, deputado pelo SPD e uma autoridade mundial em matéria energética em 1999 recebeu o Prémio Nobel Alternativo e em 2002 foi uma das figuras do ano para a revista Time.

Acérrimo defensor das energias renováveis, o próprio Scheer aconselhou Merkel neste domínio. Ela está num processo de aprendizagem. Ainda não conseguiu alterar a tendência nesta matéria dentro do seu próprio partido (CDU), diz Scheer. Há mais vontade, mas ainda não é suficiente.

À cabeça da lista de frustrações está o malogro na tentativa de negociação de um acordo de parceria e cooperação com a Rússia. Em Berlim, reina a percepção que, pelo menos até às presidenciais de Março de 2008, Moscovo deverá permanecer um parceiro desinteressado em grandes decisões com a UE.

Em estado de graça está Angela Merkel, que se revelou uma negociadora persistente, comentou Daniela Kietz, do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança.

Ela luta pelas coisas sem exagerar, diz. Bem diferente do antecessor, Gerhard Schroeder, que gostava de se pavonear de charuto na mão e de afirmar a sua autoridade dando murros na mesa.

EM OFF

Referendar ou não referendar?, eis a questão

O processo de ratificação do futuro tratado será sempre uma decisão nacional dos 27, mas pelos corredores da presidência alemã prevalece a sensação de que documentos como o Tratado Reformador não são o melhor tipo para serem submetidos a referendo, sobretudo em países que não têm essa tradição política. Na memória está ainda a experiência amarga dos referendos na França e na Holanda que ditaram a morte do Tratado Constitucional na Holanda tratou-se do primeiro referendo de sempre. Por razões constitucionais, a Irlanda irá referendar o tratado. Mas a perspectiva dos referendos serem utilizados como armas de arremesso contra os governos nacionais faz com que essa forma de ratificação não colha muita simpatia em Berlim, mais favorável à aprovação parlamentar.

Portugal, do nervosismo ao brilharete

No início, os alemães sentiam os portugueses nervosos, não fosse a presidência alemã traduzir-se num presente envenenado em matéria de tratado. Durante seis meses, a pressão de Lisboa sobre Berlim para a obtenção de um consenso foi uma constante. No final, obtido o mandato aberto solicitado por Lisboa para a redacção do futuro Tratado Reformador da União Europeia, estão abertas as portas para um brilharete da diplomacia lusa. 90 a 95% do trabalho que Portugal tem agora pela frente é essencialmente técnico. De forma inédita, as querelas políticas foram limadas ainda antes da abertura da Conferência Intergovernamental (CIG), o que, para os alemãs aumenta ainda mais a responsabilidade lusa na conclusão deste dossiê.

Varsóvia não estudou a matéria toda

Em Berlim, há quem esteja convencido que os gémeos Kaczynski, que tantas dores de cabeça deram aos alemães na cimeira de Bruxelas, não estavam conscientes de que a CIG podia ser aberta sem a unanimidade dos 27. Daí que quando Angela Merkel fez tábua rasa das exigências polacas e ameaçou iniciar o processo a 26, só então Varsóvia se apercebeu dessa falha no seu plano. Berlim garante que jogou limpo e que em Abril, em nome da transparência negocial, avisara Varsóvia que, nesta questão, não havia lugar a vetos nacionais. Mas alguém deve ter-se esquecido de alertar os manos Kaczynski que, nos tempos mais próximos, pagarão uma pesada factura ao nível da credibilidade política.

Tony Blair, um enviado polémico

A nomeação do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair como enviado especial do Quarteto para o Médio Oriente não causa particular excitação em Berlim. A presidência alemã tinha na reabilitação do Quarteto (EUA, UE, ONU e Rússia) uma das suas prioridades em matéria de política externa, mas Blair não constava dos planos. Os alemães não escondem inclusive um certo desconforto perante a forma como a nova missão de Blair foi acordada em nome do Quarteto, mas à margem do Quarteto… Daí que em Berlim há quem relembre que o mandato de Blair cinge-se a questões económicas… Não vá Blair, o aliado de George W. Bush na guerra do Iraque, atrever-se a fazer intervenções políticas num Médio Oriente prestes a pegar fogo.

(Imagem: Logotipo da presidência alemã da União Europeia, no primeiro semestre de 2007)

Artigo publicado no Expresso Online, a 28 de junho de 2007. Pode ser consultado aqui