O “Euskadi” existe para lá da ETA, mas os espanholistas podem ganhar. Reportagem no País Basco

“Deus só criou uma equipa perfeita — o Athletic Club de Bilbau. Às restantes, encheu-as de estrangeiros”. O quadro pendurado na parede do bar ‘Bizkaia Bi’, no Casco Viejo de Bilbau (Bilbo, em basco), não passa despercebido a quem entra. A época desportiva não está a correr bem ao clube mais popular do País Basco, mas a política de não contratação de jogadores não-bascos, que vigora desde a fundação (1898), não sofre a mínima contestação por parte dos sócios: “A direcção pensou nisso, mas 70% dos adeptos não querem estrangeiros”, diz José, enquanto pica um “pintxo” (a tapa basca). “Para quê, se temos jogadores da terra?”, contrapõe o amigo Ramon, antes de tragar um gole de “txacoli” (uma versão basca de vinho verde).
Não é a fobia aos estrangeiros que norteia a “afición” do Athletic, mas antes a paixão pela cultura basca, um sentimento comum a 2,1 milhões de habitantes da região dotada do estatuto autonómico mais generoso de toda a Espanha.
O País Basco (Euskadi) tem um governo (Eusko Jaurlaritza), presidido por um “lehendakari”, tem um Parlamento (Eusko Legebiltzarra) e uma Polícia (Ertzaintza). Porém, a pedra angular do estatuto — que não tem catalães ou galegos — é o “Concierto Económico”, que permite às autoridades locais redistribuírem os impostos que recolhem.

Durante a campanha eleitoral, os cartazes do Partido Nacionalista Basco (PNV) — que dirige o Governo local desde há 25 anos — fizeram gala da prosperidade económica decorrente desse privilégio: “Somos os quartos da Europa em rendimento per capita”, lia-se num; “Hong Kong, Japão, Islândia, Suíça e Euskadi. Os quintos do mundo em esperança de vida”, dizia outro. Mas a vitória do PNV em terras bascas não é certa amanhã, o que, a acontecer, seria simbólico numa região onde 55% do eleitorado vota, tradicionalmente, em partidos nacionalistas (democráticos ou radicais) e 45% nos espanholistas.
“Nestas eleições, é muito provável que sejam os socialistas a ganhar no País Basco”, diz Gorka Landaburu, director da revista ‘Cambio 16’, sediada em San Sebastián (Donostia). “O PNV tem vindo a baixar eleições atrás de eleições. As pessoas estão cansadas e querem soluções, querem resolver os problemas de trabalho, das casas…”, diz.
Em 2001, este jornalista de 55 anos escapou por milagre à violência da ETA. Sabia que era um alvo, mas não criou resistências a abrir a correspondência que lhe mandavam para casa. Um dia, uma carta com 150 gramas de dinamite explodiu-lhe à frente. “Destroçaram-me as mãos, deixaram-me cego do olho esquerdo, mas cometeram um grande erro: não me cortaram a língua”, diz. “A ETA tem de deixar as armas. Mas não está madura para tomar a decisão mais importante da sua vida”.

É domingo e a Basílica de Santa Maria de Begoña, em Bilbau, enche-se para a missa das 10 horas — rezada em basco (euskera) e em castelhano. A liturgia invoca as rivalidades bíblicas entre judeus e samaritanos e o padre Jesus aproveita para fazer a ponte para a realidade basca: fala de “duas jóias culturais que há que manter, a cultura basca e a castelhana”, e da necessidade de evitar o domínio de uma sobre a outra.
Artigo publicado no “Expresso”, a 8 de março de 2008


