Nacionalismo estafado

O Euskadi existe para lá da ETA, mas os espanholistas podem ganhar. Reportagem no País Basco

Quadro pendurado no bar ‘Bizkaia Bi’, no Casco Viejo de Bilbau MARGARIDA MOTA

“Deus só criou uma equipa perfeita — o Athletic Club de Bilbau. Às restantes, encheu-as de estrangeiros”. O quadro pendurado na parede do bar ‘Bizkaia Bi’, no Casco Viejo de Bilbau (Bilbo, em basco), não passa despercebido a quem entra. A época desportiva não está a correr bem ao clube mais popular do País Basco, mas a política de não contratação de jogadores não-bascos, que vigora desde a fundação (1898), não sofre a mínima contestação por parte dos sócios: “A direcção pensou nisso, mas 70% dos adeptos não querem estrangeiros”, diz José, enquanto pica um pintxo” (a tapa basca). “Para quê, se temos jogadores da terra?”, contrapõe o amigo Ramon, antes de tragar um gole de txacoli” (uma versão basca de vinho verde).

Não é a fobia aos estrangeiros que norteia a afición” do Athletic, mas antes a paixão pela cultura basca, um sentimento comum a 2,1 milhões de habitantes da região dotada do estatuto autonómico mais generoso de toda a Espanha.

O País Basco (Euskadi) tem um governo (Eusko Jaurlaritza), presidido por um lehendakari”, tem um Parlamento (Eusko Legebiltzarra) e uma Polícia (Ertzaintza). Porém, a pedra angular do estatuto — que não tem catalães ou galegos — é o Concierto Económico”, que permite às autoridades locais redistribuírem os impostos que recolhem.

Cartaz de campanha do Partido Nacionalista Basco MARGARIDA MOTA

Durante a campanha eleitoral, os cartazes do Partido Nacionalista Basco (PNV) — que dirige o Governo local desde há 25 anos — fizeram gala da prosperidade económica decorrente desse privilégio: “Somos os quartos da Europa em rendimento per capita”, lia-se num; “Hong Kong, Japão, Islândia, Suíça e Euskadi. Os quintos do mundo em esperança de vida”, dizia outro. Mas a vitória do PNV em terras bascas não é certa amanhã, o que, a acontecer, seria simbólico numa região onde 55% do eleitorado vota, tradicionalmente, em partidos nacionalistas (democráticos ou radicais) e 45% nos espanholistas.

“Nestas eleições, é muito provável que sejam os socialistas a ganhar no País Basco”, diz Gorka Landaburu, director da revista ‘Cambio 16’, sediada em San Sebastián (Donostia). “O PNV tem vindo a baixar eleições atrás de eleições. As pessoas estão cansadas e querem soluções, querem resolver os problemas de trabalho, das casas…”, diz.

Em 2001, este jornalista de 55 anos escapou por milagre à violência da ETA. Sabia que era um alvo, mas não criou resistências a abrir a correspondência que lhe mandavam para casa. Um dia, uma carta com 150 gramas de dinamite explodiu-lhe à frente. “Destroçaram-me as mãos, deixaram-me cego do olho esquerdo, mas cometeram um grande erro: não me cortaram a língua”, diz. “A ETA tem de deixar as armas. Mas não está madura para tomar a decisão mais importante da sua vida”.

Missa na Basílica de Santa Maria de Begoña, em Bilbau MARGARIDA MOTA

É domingo e a Basílica de Santa Maria de Begoña, em Bilbau, enche-se para a missa das 10 horas — rezada em basco (euskera) e em castelhano. A liturgia invoca as rivalidades bíblicas entre judeus e samaritanos e o padre Jesus aproveita para fazer a ponte para a realidade basca: fala de “duas jóias culturais que há que manter, a cultura basca e a castelhana”, e da necessidade de evitar o domínio de uma sobre a outra.

Artigo publicado no Expresso, a 8 de março de 2008

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