E se Espanha acabasse?

A desagregação do país vizinho seria um péssimo cenário para Portugal

Podia ter sido uma entrevista discreta. Mas diante do microfone da agência Lusa, Josep-Lluís Carod Rovira, o número dois do Governo da Catalunha, não rejeitou a ocasião para pôr o dedo na ferida: “Espanha ainda não assumiu a independência de Portugal”, disse o líder da Esquerda Republicana da Catalunha. “O que menos interessa a Portugal é uma Espanha unitária”.

Perante a polémica, o Expresso confrontou três personalidades portuguesas com um cenário hipotético: se, após sucessivas independências das suas regiões, a Espanha desaparecesse, tal seria benéfico para Portugal?

“Seria péssimo”, diz João Rosa Lã, que foi embaixador em Madrid entre 2002 e 2004. “O facto de nos inserirmos em espaços cada vez mais amplos, como o europeu, diminui a conflitualidade entre países. A divisão da Espanha em entidades pequenas colocaria Portugal ao mesmo nível e num caldeirão de problemas que não nos diz respeito”.

Acresce que, “em termos económicos, Portugal beneficia em estar ao lado do mercado espanhol, que é cinco vezes maior”, diz. “Hoje negociamos com Madrid de igual para igual. Se tivermos de negociar com Vigo, Mérida ou Sevilha será mais complicado. Estes pequenos imperialismos tentarão estender os tentáculos a Portugal”, conclui.

Também para José Medeiros Ferreira, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, “se esse cenário se verificar num quadro de consenso entre as partes, quanto às alterações ao modo de administração dos territórios, é possível que Portugal também venha a ser afectado”. No entanto, “é pouco provável que tal aconteça na nossa geração. Temos de estar atentos a essa evolução, mas havendo soluções separadas para a Catalunha ou País Basco, não sei se depois haverá muitas mais soluções”, diz.

Há ainda que tirar lições da História: “A desagregação da Espanha é o pior cenário para Portugal, mesmo se se fizesse de forma pacífica e democrática”, diz Carlos Gaspar, membro do Instituto Português de Relações Internacionais. “Na Península Ibérica, Portugal seria um entre vários pequenos Estados, enquanto que, na fórmula estabilizada desde o século XV e confirmada após o interregno da união pessoal, Portugal é o outro Estado peninsular. A dualidade peninsular é um traço fundamental da posição de Portugal na Europa e na comunidade transatlântica”.

Em qualquer circunstância, conclui Medeiros Ferreira, “um cenário destes não depende de Portugal. E o que não depende nunca se sabe se convém”.

Artigo publicado no Expresso, a 24 de maio de 2008

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