António José Rodrigues está colocado na NATO, onde é conselheiro para assuntos árabes e islâmicos
Sou militar há 21 anos. Após o terramoto no Paquistão, no Inverno de 2005, integrei a missão humanitária da NATO. Trabalhava no gabinete de Informação Pública do Joint Command Lisbon e parti com funções de acompanhamento da imprensa e de aconselhamento cultural ao chefe de Estado-Maior da missão. Estive lá 90 dias.
Sou fluente em árabe, que, oralmente, é semelhante ao urdu, a língua-mãe no Paquistão. Nas longas viagens por estrada, conversava com os motoristas sobre a vida do Profeta e o Islão. Se passávamos por um cemitério, acompanhava-os nas orações. Eles, que viam o ocidental como um estranho que menospreza a cultura islâmica, admiravam-se por eu conhecer a cultura deles.
Fui “coleccionando” conhecimento ao longo de mais de 20 anos de estudo. Frequentei cursos de Filologia Árabe, Ciências do Islão e História do Islão. Publiquei a minha tese, traduzi-a para árabe e ganhei uma bolsa na Arábia Saudita. Em toda a região, só não conheço Omã.
Num país islâmico, há cuidados a ter nas relações sociais. Quando o chefe de Estado-Maior tinha reuniões com entidades paquistanesas, eu dizia-lhe, por exemplo, para ter cuidado ao cruzar a perna: apontar a sola do sapato é ofensivo para os muçulmanos.
Se uma mulher ferida fosse tratada por um médico, isso poderia desonrar o clã. Vi mulheres assomarem-se à entrada da planície para pedir ajuda, mas assim que viam homens e fardas recuavam com medo de represálias da tribo. Os anciãos resistiam à evacuação de membros da comunidade. Tinham medo que as crianças fossem adoptadas ou que recebessem outros valores.
Abracei esta missão num misto de sentimentos. Sentia o orgulho de ostentar ao peito a minha mui amada bandeira portuguesa e de transportar a nossa afabilidade, espírito de solidariedade e vontade de bem-fazer.
Lidei com órgãos de informação de todo o mundo. Tinha uma ideia pré-concebida, que os jornalistas só queriam desgraça e dor. Um dia, acompanhei um fotojornalista até Arja, onde se removiam os escombros de uma escola feminina. Quando uma retro-escavadora pôs a descoberto muitos corpos de meninas, ele olhou-me emocionado: “Daqui a meia hora, esta foto estaria a circular mundo. Mas tenho duas filhas desta idade…” E não fotografou.
BIOGRAFIA
1.º Sargento do Exército, está destacado no quartel-general da NATO em Madrid. Na Organização Atlântica é também, desde 2003, professor de Informação Pública em Ambientes Islâmicos, na Alemanha. Arabista e investigador, é autor de um manual enciclopédico sobre o mundo árabe.
Artigo publicado na revista Única do “Expresso”, a 20 de setembro de 2008



