Estigmatizados, os albinos não têm vida fácil. Na Tanzânia, são mortos e amputados para rituais de feitiçaria

Em nome da sua própria sobrevivência, os albinos passam a vida a proteger-se do Sol. Nos últimos tempos, em várias regiões da África Austral, muitos albinos começaram também a refugiar-se das próprias comunidades, com medo que o seu tom de pele lhes sentencie a morte.
A Tanzânia, em particular, é hoje um verdadeiro calvário para os albinos. No último ano, foram assassinados pelo menos 26 indivíduos. Num dos últimos casos, um bebé de sete meses foi morto à catanada. Feiticeiros e curandeiros promovem a chacina de albinos para usarem a sua pele, os ossos ou o cabelo — que acreditam ter propriedades mágicas — em poções e amuletos para atrair riqueza.
As pernas são as partes do corpo mais valiosas para os mineiros, que acreditam que elas lhe trarão boa sorte, enquanto fios de cabelo de albino presos a redes de pesca são um talismã para uma boa faina.
Para tentar combater o estigma, o Presidente Jakaya Kikwete nomeou uma albina para trabalhar no Parlamento em campanhas antidiscriminatórias. Paralelamente, ordenou a realização de um censo aos albinos e providenciou escolta a crianças albinas durante o trajecto escolar. Pelo menos 173 pessoas acusadas de participar na morte de albinos foram detidas.
Muitos casais sentem-se amaldiçoados quando têm um filho albino. Há histórias de bebés abandonados junto a rios
Em África, estima-se que uma em cada 4000 pessoas seja albina. O Expresso visitou Veronica Bvumavaranda, uma albina zimbabweana de 36 anos. “No início, foi difícil lidar com esta condição. Na escola, era horrível enfrentar os olhares desconfiados. Com determinação, consegui fazer amigos. Mas não tem sido fácil encontrar o amor…”.
Solteira, Veronica parece conformada com esse infortúnio. Tem a sorte de contar com o apoio da família, o que nem sempre acontece. Muitos casais sentem-se amaldiçoados quando lhes nasce um filho albino. Contam-se histórias de bebés albinos abandonados junto a cursos de água e de crianças negligenciadas em situações de doença. “Se alguém tem uma criança com albinismo pode aproveitar um momento de doença para a deixar morrer”, diz ao Expresso Ian Van Maanen, um holandês radicado há 30 anos na Guiné, onde é cônsul do Reino Unido.
Mitos rurais
Fundos angariados por este holandês tornaram possível o recenseamento dos albinos guineenses. “São 79. Se compararmos com as estatísticas do Senegal, Gâmbia, Mali, Guiné-Conacri, concluímos que, na Guiné-Bissau, a maioria dos albinos morre cedo, provavelmente ainda em criança. Suspeito que os deixem morrer…”, diz.
Sobretudo nas zonas rurais, os albinos são objecto dos mais variados mitos. Em Angola, onde se estima que correspondam a 1% da população, diz-se que os “quilombos” não são humanos, que vêem à noite e que têm uma má relação com gémeos.
Com trabalho de campo efectuado no Sul de Moçambique, Paulo Granjo, professor no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, disserta sobre as razões de discriminação de gémeos e albinos. “São ambos desafios à identidade: uns pela estranheza de cor, os outros por serem duas pessoas iguais”, explica ao Expresso. “É suposto que os gémeos e os albinos tenham uma origem cósmica comum: foram atingidos por um raio no útero da mãe. Os gémeos partiram-se em dois e os albinos resistiram, mas ficaram queimados, perdendo a cor”, explica o antropólogo. Então, ambos passam a constituir um perigo para a harmonia social. “De acordo com estas crenças, o albino é a pessoa com mais poderes disruptores e a maior ameaça de secar as terra, a fertilidade e a sobrevivência colectiva”, continua Paulo Granjo.
No Zimbabwe, há relatos de mulheres albinas violadas por indivíduos infectados com o vírus da sida que, dessa forma, procuravam ‘limpar’ o corpo desse mal. “Essa crença generalizou-se inicialmente em relação às virgens, em particular na África do Sul”, diz o antropólogo. Neste caso, os seropositivos procuram que o poder atribuído aos albinos lhes seque a doença.
O QUE É O ALBINISMO?
Oriundo do latim — “albus” significa ‘branco’ —, o albinismo é uma desordem congénita caracterizada pela ausência (total ou parcial) de melanina nos olhos, pele e cabelo. Não se transmite através de contacto nem de transfusão sanguínea e manifesta-se em seres humanos, animais e plantas. Estima-se que, em todo o mundo, uma em cada 17 mil pessoas seja albina. Sensíveis ao Sol, os albinos cumprem rigorosos cuidados de protecção corporal, para evitarem contrair cancro da pele. Na sua maioria, têm também problemas de visão. Em Portugal, os albinos são representados pela Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras, onde estão registados apenas dois casos de albinismo. “Não dispomos de dados quanto ao número de pessoas afectadas pela patologia, É uma das batalhas da Raríssimas”, disse ao Expresso a presidente da associação, Paula Brito e Costa.
Artigo publicado no “Expresso”, a 18 de outubro de 2008. Contributo de Guthrie Munyuki, correspondente do “Expresso” em Harare, Zimbabwe



