Após reunir-se hoje, separadamente, com Benjamin Netanyahu (Likud) e Tzipi Livni (Kadima), na sua residência em Jerusalém, o Presidente Shimon Peres acabou com o suspense que se vivia em Israel desde as eleições de 10 de Fevereiro e convidou “Bibi” Netanyahu a formar governo.
O Likud foi o segundo partido mais votado nas eleições, mas Peres considerou que reúne mais condições para formar um governo de unidade nacional. Dos 120 lugares no Parlamento (Knesset), Netanyahu conta com o apoio de 65 deputados de seis partidos: Likud, Yisrael Beitenu, Shas, United Torah Judaism, National Union e Habayit Hayehudi. Livni tinha apenas o apoio expresso dos 28 membros do Kadima. O Partido Trabalhista, o Meretz e os partidos árabes não recomendaram qualquer candidato a Shimon Peres.
Netanyahu (que já serviu como primeiro-ministro entre 1996 e 1999) afirmou que convidará o Kadima — o partido mais votado nas eleições — para negociações com vista à adesão ao governo. Mas fontes próximas da antiga agente da Mossad já afirmaram que a não ser que Netanyahu concorde com a rotação no cargo de primeiro-ministro, “não há nada que conversar”.
“Hoje, foram estabelecidos os fundamentos de um governo de extrema direita sob a liderança de Netanyahu”, escreveu Livni num sms enviado a 80 mil membros do Kadima. “O caminho desse governo não é o nosso. Vocês não votaram em nós para providenciarmos um certificado kosher a um governo de direita. Precisamos de providenciar uma alternativa de esperança na oposição”.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 20 de fevereiro de 2009. Pode ser consultado aqui
Entre 1975 e 1979, um quarto da população do Cambodja foi executado pelo regime de Pol Pot. O primeiro acusado começou hoje a ser julgado
FALTA VÍDEO
Começou hoje, em Phnom Penh, o julgamento de um dos principais líderes do genocídio de 1,7 milhões de cambodjanos, perpetrado pelo regime maoísta de Pol Pot (1975-1979). Kaing Guev Eav, um professor de Matemática conhecido por “Duch”, dirigiu o centro de tortura instalado na escola de Tuol Sleng, onde, à sua ordem, terão sido interrogadas, torturadas e executadas pelo menos 15 mil pessoas.
Durante 40 meses, a câmara de tortura de “Duch” exterminou a classe intelectual cambodjana, atingindo diplomatas, monjes budistas, engenheiros, médicos, professores, estudantes e artistas. Só seis saíram de lá com vida.
Numa entrevista ao diário espanhol “El País”, publicada a 10 de Fevereiro de 2008, o genocida explicou o modus operandi: “Os khmeres vermelhos tinham estudado na Sorbonne, em Paris, não eram salvagens incultos. Mas em Tuol Sleng havia uma convicção difundida e tácita, e não eram precisas indicações por escrito. Eu, e todos os outros que lá trabalhavam, sabíamos que quem entrava ali devia ser destruído psicologicamente, eliminado de uma forma progressiva. Não havia escapatória possível. Nenhuma resposta servia para evitar a morte”.
Para além de “Duch”, hoje com 66 anos, mais quatro acusados serão levados à barra deste tribunal patrocinado pelas Nações Unidas: Nuon Chea (82 anos), o número dois da hierarquia khmer liderada por Pol Pot (falecido em Abril de 1998); Ieng Sary (83 anos), vice primeiro-ministro e ministro dos Assuntos Exteriores; a sua esposa Ieng Thirit (76), detentora da pasta de Assuntos Sociais; e Khieu Samphan (77), que foi presidente do Kampuchea Democrático, o nome oficial do país sob a liderança khmer.
Dos cinco acusados, apenas “Duch” admitiu a sua culpabilidade nas atrocidades cometidas em Tuol Sleng.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de fevereiro de 2009. Pode ser consultado aqui
11 de Fevereiro de 1979 — Os mullah sucederam aos Pahlevi. A revolução inspirada em Deus baniu 2500 anos de monarquia
Ajudado por um piloto da Air France, o “ayatollah” Khomeini desce as escadas do avião que o trouxe do exílio em Paris até Teerão, a 1 de fevereiro de 1979 WIKIMEDIA COMMONS
KHOMEINI— Justiça de Deus sobre a lei dos homens
Assim que a partir do exílio o ayatollah Khomeini instou os iranianos a expulsarem os ministros do Xá, Shirin Ebadi foi das primeiras a aderir. Mas após irromper pelo Ministério da Justiça, em vez do governante, foi surpreendida por um velho juiz: “Você! Porque está aqui? Não sabe que está a apoiar pessoas que lhe vão tirar o emprego se chegarem ao poder?” Ela respondeu: “Prefiro ser uma iraniana livre do que uma advogada escravizada!”
Em 1978, Shirin Ebadi era já uma figura pública. Tornara-se a primeira mulher-juiz no Irão, mas sonhava com mais liberdade. Traída pelos “vira-casacas”, como escreve no livro “O despertar do Irão”, não só não obteve a liberdade ansiada como acabou por se tornar uma voz crítica ao regime — o Prémio Nobel da Paz que recebeu em 2003 foi o reconhecimento dessa luta.
Mas a adesão de Shirin Ebadi à Revolução atesta o seu carácter singular: não resultou de uma guerra ou da revolta de militares descontentes, mas antes de uma coligação de opositores ao regime do Xá (constitucionalistas, marxistas, islamistas), organizada por um homem carismático: Ruhollah Khomeini.
Ao contrário das Revoluções Russa e Francesa, que dizia serem inspiradas por considerações materiais, Khomeini defendia que a Revolução Iraniana se movia pelo divino. Mais do que um guia espiritual, o profeta do Islão era administrador, justiceiro e líder político. “Ele corta mãos, decepa membros do corpo e apedreja adúlteros até à morte”, explicou no livro “Governo Islâmico”.
Com a Revolução, o povo passa então a obedecer à moral do profeta. Cobrir a cabeça torna-se uma imposição para as mulheres, a que não escapam as estrangeiras que visitam o país. Com frequência, a “polícia de costumes” (os basiji) sai às ruas para repreender as mulheres de aparência fashion ou pares de namorados indiscretos — por respeito, um iraniano só deve tocar nas mulheres da sua família.
Ao denunciarem as imoralidades, os basiji — jovens voluntários de ambos os sexos — agem como guardiães da Revolução, vigiando o cumprimento quotidiano dos códigos de conduta islâmicos e a sua imunidade aos valores “corruptos” do Ocidente. A homossexualidade é punida com a pena capital, mas não a mudança de sexo, aceite por uma fatwa (decreto religioso) de Khomeini.
Outra deliberação do ayatollah instituiu um dos aspectos mais surpreendentes da Revolução: a protecção aos judeus iranianos, confirmada pela Constituição que os reconhece como minoria religiosa e lhes confere o direito a elegerem um deputado. Com Israel, a Revolução tem uma relação hostil, de que as “tiradas” anti-semitas do Presidente Mahmud Ahmadinejad — “Israel devia ser apagado do mapa” — são a frente mais recente. Khomeini declarou a “entidade sionista” um “inimigo do Islão” e colocou-a num “eixo do mal” em que Israel é o Pequeno Satã e os EUA o Grande Satã.
Trinta anos após o corte de relações com os EUA, o Irão não parece ressentir-se desse statu quo. O projecto nuclear, iniciado pelo Xá, desenvolve-se sem contratempos e a evolução política do Médio Oriente tornou o gigante persa um actor crucial para a estabilização do mundo árabe. A teocracia xiita tem um ascendente ideológico sobre o Hezbollah (Líbano) e uma ligação estreita com o Hamas (Palestina), mas é no Iraque que o Irão mais tem a jogar. De 1980 a 1988, os dois países travaram uma guerra sangrenta, mas após a deposição de Saddam e a subida ao poder da maioria xiita, os regimes tornaram-se aliados naturais.
A História diz que foi durante uma bonança bilateral que o ayatollah ganhou estatura internacional. No início da Revolução — vivia ele na cidade santa iraquiana de Najaf, com segurança apertada —, Saddam acedeu ao apelo do Xá e expulsou-o. Khomeini foi para França, onde teve total liberdade para passar a palavra. Nos quatro meses em Neauphle-le-Château, deu 132 entrevistas.
O IRÃO E A SUA SOCIEDADE
38 anos durou o reinado de Mohamed Reza Pahlevi, de 1941 a 1979
50 por cento dos iranianos têm menos de 25 anos. Não conheceram outro regime que não a teocracia islâmica
89 por cento dos 70 milhões de iranianos são muçulmanos xiitas, 8% são sunitas e 3% professam outras religiões
52 por cento dos universitários são mulheres. Em 2007, 502 cineastas iranianas exibiram obras em festivais internacionais e estavam inscritas no Ministério da Educação Física 870 mil atletas. Há oito deputadas no majlis
Artigo publicado no “Expresso”, a 7 de fevereiro de 2009
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.