30 anos de Islão

11 de Fevereiro de 1979 — Os mullah sucederam aos Pahlevi. A revolução inspirada em Deus baniu 2500 anos de monarquia

Ajudado por um piloto da Air France, o “ayatollah” Khomeini desce as escadas do avião que o trouxe do exílio em Paris até Teerão, a 1 de fevereiro de 1979 WIKIMEDIA COMMONS

KHOMEINI — Justiça de Deus sobre a lei dos homens

Assim que a partir do exílio o ayatollah Khomeini instou os iranianos a expulsarem os ministros do Xá, Shirin Ebadi foi das primeiras a aderir. Mas após irromper pelo Ministério da Justiça, em vez do governante, foi surpreendida por um velho juiz: “Você! Porque está aqui? Não sabe que está a apoiar pessoas que lhe vão tirar o emprego se chegarem ao poder?” Ela respondeu: “Prefiro ser uma iraniana livre do que uma advogada escravizada!”

Em 1978, Shirin Ebadi era já uma figura pública. Tornara-se a primeira mulher-juiz no Irão, mas sonhava com mais liberdade. Traída pelos “vira-casacas”, como escreve no livro “O despertar do Irão”, não só não obteve a liberdade ansiada como acabou por se tornar uma voz crítica ao regime — o Prémio Nobel da Paz que recebeu em 2003 foi o reconhecimento dessa luta.

Mas a adesão de Shirin Ebadi à Revolução atesta o seu carácter singular: não resultou de uma guerra ou da revolta de militares descontentes, mas antes de uma coligação de opositores ao regime do Xá (constitucionalistas, marxistas, islamistas), organizada por um homem carismático: Ruhollah Khomeini.

Ao contrário das Revoluções Russa e Francesa, que dizia serem inspiradas por considerações materiais, Khomeini defendia que a Revolução Iraniana se movia pelo divino. Mais do que um guia espiritual, o profeta do Islão era administrador, justiceiro e líder político. “Ele corta mãos, decepa membros do corpo e apedreja adúlteros até à morte”, explicou no livro “Governo Islâmico”.

Com a Revolução, o povo passa então a obedecer à moral do profeta. Cobrir a cabeça torna-se uma imposição para as mulheres, a que não escapam as estrangeiras que visitam o país. Com frequência, a “polícia de costumes” (os basiji) sai às ruas para repreender as mulheres de aparência fashion ou pares de namorados indiscretos — por respeito, um iraniano só deve tocar nas mulheres da sua família.

Ao denunciarem as imoralidades, os basiji — jovens voluntários de ambos os sexos — agem como guardiães da Revolução, vigiando o cumprimento quotidiano dos códigos de conduta islâmicos e a sua imunidade aos valores “corruptos” do Ocidente. A homossexualidade é punida com a pena capital, mas não a mudança de sexo, aceite por uma fatwa (decreto religioso) de Khomeini.

Outra deliberação do ayatollah instituiu um dos aspectos mais surpreendentes da Revolução: a protecção aos judeus iranianos, confirmada pela Constituição que os reconhece como minoria religiosa e lhes confere o direito a elegerem um deputado. Com Israel, a Revolução tem uma relação hostil, de que as “tiradas” anti-semitas do Presidente Mahmud Ahmadinejad — “Israel devia ser apagado do mapa” — são a frente mais recente. Khomeini declarou a “entidade sionista” um “inimigo do Islão” e colocou-a num “eixo do mal” em que Israel é o Pequeno Satã e os EUA o Grande Satã.

Trinta anos após o corte de relações com os EUA, o Irão não parece ressentir-se desse statu quo. O projecto nuclear, iniciado pelo Xá, desenvolve-se sem contratempos e a evolução política do Médio Oriente tornou o gigante persa um actor crucial para a estabilização do mundo árabe. A teocracia xiita tem um ascendente ideológico sobre o Hezbollah (Líbano) e uma ligação estreita com o Hamas (Palestina), mas é no Iraque que o Irão mais tem a jogar. De 1980 a 1988, os dois países travaram uma guerra sangrenta, mas após a deposição de Saddam e a subida ao poder da maioria xiita, os regimes tornaram-se aliados naturais.

A História diz que foi durante uma bonança bilateral que o ayatollah ganhou estatura internacional. No início da Revolução — vivia ele na cidade santa iraquiana de Najaf, com segurança apertada —, Saddam acedeu ao apelo do Xá e expulsou-o. Khomeini foi para França, onde teve total liberdade para passar a palavra. Nos quatro meses em Neauphle-le-Château, deu 132 entrevistas.

O IRÃO E A SUA SOCIEDADE

38
anos durou o reinado de Mohamed Reza Pahlevi, de 1941 a 1979

50
por cento dos iranianos têm menos de 25 anos. Não conheceram outro regime que não a teocracia islâmica

89
por cento dos 70 milhões de iranianos são muçulmanos xiitas, 8% são sunitas e 3% professam outras religiões

52
por cento dos universitários são mulheres. Em 2007, 502 cineastas iranianas exibiram obras em festivais internacionais e estavam inscritas no Ministério da Educação Física 870 mil atletas. Há oito deputadas no majlis

Artigo publicado no Expresso, a 7 de fevereiro de 2009

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *