Jeff Halper luta contra a demolição de casas. Quiseram dar-lhe o Prémio Nobel da Paz

Sempre que se recolhe para uma noite de descanso, Jeff Halper não sabe a que horas será o despertar. “Às vezes, o telefone toca às cinco da manhã. Os palestinianos sabem que nós existimos e quando vêem os ‘bulldozers’ aproximarem-se das suas casas, telefonam-nos. Vamos até lá, pomo-nos à frente das máquinas ou acorrentamo-nos dentro das casas. Empatamos tempo e impedimos que aqueles ‘bulldozers’ se dirijam para outras casas. Enquanto isso, chamamos jornalistas e diplomatas e transformamos a situação num espectáculo público. Como Israel quer destruir as casas sem que ninguém veja, os ‘bulldozers’ retiram-se”.
É um israelita que assim fala. Jeff Halper nasceu há 63 anos nos Estados Unidos, mas nos anos 1970, em busca da sua identidade judaica, instalou-se em Israel. Em 1997, fundou o Comité Israelita Contra a Demolição de Casas (ICAHD) — um grupo apolítico, não-violento, que luta contra a ocupação israelita dos territórios palestinianos — e com esse activismo foi proposto para Prémio Nobel da Paz, em 2006.
Recentemente, usufruiu de uns dias de descanso em Lisboa e conversou com o “Expresso” sobre o que considera ser “a essência do conflito” no Médio Oriente: a destruição de casas palestinianas pelas forças israelitas. E porquê? “Um povo diz para o outro: ‘Não têm o direito de estar aqui! Este não é o vosso país! Saiam!”, justifica o antropólogo.
Sem luz, há 60 anos
Segundo o ICAHD, desde 1967 Israel já demoliu mais de 24 mil casas nos territórios palestinianos. O problema é, todavia, bem mais antigo. “Em 1948, nem todos os palestinianos deixaram Israel”, conta Jeff. “Alguns desceram o vale ou foram para o monte ao lado para se esconderem. Fugiram para se proteger dos combates (Guerra da Independência, após a criação de Israel). Mas quando a guerra acabou, Israel não permitiu que regressassem às suas casas. Hoje, continuam a viver encurralados nos sítios onde, há 60 anos, encontraram refúgio”.
Cerca de 150 mil palestinianos e beduínos vivem, hoje, nestas “aldeias não reconhecidas”, sem direito a água, electricidade, ruas ou escolas. Sobre cada casa recai uma ordem demolição, por ilegalidade. É quando os “bulldozers” israelitas se aproximam que muitos palestinianos lançam o alerta a Jeff Halper.
Com um staff reduzido de cinco pessoas (dois pagos pelos Governos espanhol e austríaco), cerca de dez activistas permanentes e muitos voluntários, o ICAHD já recuperou mais de 160 casas. “Sempre que reconstruímos uma casa, reafirmamos: Esta terra pertence a dois povos e temos de viver juntos aqui!”, diz.
Jeff admite que, nas acções de resistência em que participa, o facto de ser israelita e judeu é, para ele, uma vantagem. “Sou preso a toda a hora e, às vezes, eles intimidam-me, mas não me magoam. Se fosse palestiniano, disparavam. Estou completamente protegido”. Mas nem sempre a cidadania israelita é, por si só, um porto-seguro. Um quinto da população de Israel é israelita-árabe. Segundo Jeff, “em 2009, Israel está a demolir casas de cidadãos israelitas que são árabes. Entre 20 e 40 mil casas estão identificadas para serem demolidas”.
Por outro lado, continua, “Israel não dá autorizações de construção a israelitas árabes. Eles possuem terras, mas não podem construir”. Jeff diz tratar-se de uma medida de “judaização de Israel”. E defende que a demolição de casas, nos territórios ocupados e em Israel, empurra os árabes para enclaves. “Isto é apartheid!”, acusa.
Boicote à Caterpillar
Até não há muito tempo, Israel também utilizava a demolição de casas como táctica de guerra. Se suspeitava que um palestiniano estivesse envolvido em actividades terroristas, destruía a casa da sua família — “punição colectiva”. Mas desde há quatro anos que o Exército deixou de o fazer. A estratégia era contraproducente: em vez de travar os militantes, as demolições dispersavam o ódio a Israel.
Porém, o boicote internacional à Caterpillar — a fabricante dos “bulldozers” blindados utilizados nas demolições — mantém-se. E só a Igreja de Inglaterra retirou da empresa investimentos no valor de 64 milhões de libras (quase 70 milhões de euros).
Jeff faz pelos palestinianos o que lhes é vedado. Ainda assim, não deixa de se surpreender pelos meandros palestinianos… A 23 de Agosto de 2008, o israelita foi um dos passageiros do primeiro barco “Free Gaza” (Libertem Gaza) a furar o bloqueio à Faixa de Gaza. Em terra, o Governo do Hamas, que governa o território, apressou-se a conceder a cidadania palestiniana aos tripulantes do barco. Em contactos posteriores com altos representantes da Fatah — a facção rival, que governa a Cisjordânia —, disseram-lhe que, por ter sido dada pelo Hamas, a sua cidadania palestiniana… não era oficial. “Mas eu recebi a cidadania do Governo eleito!”, reclama.

ACTIVISTAS LUSAS
No último Acampamento de Verão do ICAHD, à boleia da ONG espanhola Paz Ahora, duas portuguesas viveram, durante 15 dias, em Anata, perto de Jerusalém. “Foi uma experiência muito feliz, pois a ajuda do Governo espanhol possibilitou a construção de duas casas”, diz a mestranda em Antropologia Daniela Nunes, de 26 anos. “O Governo português devia ser mais activo quanto a esta questão”, refere a ilustradora Edna Costa, de 23 anos, autora de uma pintura num troço do muro junto ao campo de refugiados de Aida, em Belém. “Sabia o que se passava na Palestina, mas nada me preparou para tanta desigualdade e injustiça”, diz Andreia. Ainda assim, Daniela não hesita: “Voltar? Não pensava duas vezes. Partia ainda hoje!”
Artigo publicado no “Expresso”, a 14 de março de 2009
