Turquia já está na Europa

Cavaco Silva acredita na adesão do país à União Europeia. Reportagem na Turquia

Maria e Cavaco Silva recebidos pelo Presidente turco, Abdullah Gul, e esposa, Hayrunnisa Gul, no palácio presidencial em Ancara, a 12 de maio de 2009 MARGARIDA MOTA

A expectativa é grande e a confiança maior ainda. Os turcos esperam que, logo à noite, a Europa se renda à sua canção no Eurofestival. Se tal acontecer, até perdoam a Hadise, a vistosa intérprete, a escolha da indumentária. “Os turcos não gostam do vestido. É demasiado oriental e pouco europeu”, diz uma jornalista da Fox turca. “Teve mais importância nos jornais do que a visita do vosso Presidente. Nós já sabemos que Portugal apoia a Turquia. Diferente seria se fosse Merkel ou Sarkozy a dizê-lo…”

França, Alemanha, Áustria e Holanda são os que mais reticências colocam à entrada da Turquia na União Europeia. O país é enorme e, em breve, será também o mais populoso. Para os turcos, esta rejeição é incompreensível: com uma taxa de crescimento anual de 7%, eles têm a 15.ª economia do mundo. Só uma pequena parte do território turco se situa na Europa, mas os turcos dizem sentir-se europeus. A Turquia já tem uma união aduaneira com a UE, disputa as competições da UEFA e integra o programa Erasmus, ao abrigo do qual 185 turcos estudam em universidades portuguesas. Em 2010, Istambul será Capital Europeia da Cultura.

Se o medo é o Islão — a Turquia é um Estado laico, com população maioritariamente muçulmana e um partido islâmico no poder —, há aspectos que nem um governo islâmico consegue erradicar. A bebida nacional é o raki, que tem 45% de álcool, e o fim-de-semana observa-se ao sábado e domingo. E o facto da primeira-dama ser acérrima defensora do véu, não faz lei. Entre as 250 pessoas que assistiram à conferência de Cavaco na Universidade do Bósforo, havia uma única aluna velada.

Cavaco Silva mantém a certeza: “Margaret Thatcher, que se sentava ao meu lado nos Conselhos da UE, costumava dizer: ‘Uma moeda única, nunca! Usarei o veto!’ Como vêem, não conseguiu. Nem sempre os países grandes levam a sua avante”.

Artigo publicado no Expresso, a 16 de maio de 2009

Todos os gasodutos vão dar à Turquia

Em jeito de balanço, Cavaco Silva afirmou que as suas expectativas em relação à viagem à Turquia foram superadas e discorreu sobre o papel estratégico da Turquia na segurança energética da Europa. Reportagem na Turquia

“Fomos recebidos verdadeiramente como amigos”, disse Cavaco Silva sobre a visita à Turquia, numa conferência de imprensa com os jornalistas portugueses que acompanharam a viagem MARGARIDA MOTA

A menos de 24 horas de terminar a sua visita oficial à Turquia, o Presidente da República antecipou o balanço final, numa conferência de imprensa realizada, na tarde de quinta-feira, em Istambul.

O Expresso quis saber se Cavaco Silva tinha recebido garantias das autoridades turcas em como o Projecto Nabuco não será usado como arma política se o processo negocial com a União Europeia não evoluir favoravelmente para os turcos. 

“Encontrei aqui um espírito muito mais positivo do que aquele que eu trazia. Não posso dizer que me foi dada uma segurança muito forte de que se avançará rapidamente numa decisão que permita a construção desse gasoduto”, disse o Presidente. “Mas isto é a demonstração de que a Turquia tem uma mais valia que a Europa não pode ignorar”.

O Nabuco é um “pipeline” que visa o transporte de gás natural desde o Cáucaso até à Europa Central. O projecto, ainda em fase de negociação, visa acabar com a dependência da Europa em relação ao gás natural proveniente da Rússia. “Parece que tudo converge para um gasoduto central, aqui na Turquia”, disse o Presidente.

No encontro com os jornalistas portugueses, o Presidente fez um balanço da sua deslocação à Turquia. “Esta visita excedeu claramente as minhas expectativas. Fomos recebidos verdadeiramente como amigos”. Para Cavaco Silva, houve gestos por parte das autoridades turcas “que Portugal deve saber capitalizar”.

Em primeiro lugar, o Presidente destacou o convite que lhe foi feito para discursar na Grande Assembleia Nacional – uma honraria que nos últimos 20 anos só foi concedida a quatro chefes de Estado.

Em segundo, a condecoração com que foi agraciado – Devlet Nisani – e que é a mais alta do Estado turco. E, por último, o facto do Presidente da Turquia, Abdullah Gul, ter viajado propositadamente desde Ancara até Istambul para estar presente na inauguração de uma exposição de pintura portuguesa.

No seu último dia de visita, o Presidente da República desloca-se à Capadócia. A chegada a Lisboa está prevista para cerca das 18 horas de sexta-feira.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de maio de 2009. Pode ser consultado aqui

Istambul: Uma antiga paixão de Cavaco

O Presidente chegou a Istambul para cumprir dois dias de visita. Com o Estreito do Bósforo no horizonte, Cavaco continuou a lançar pontes entre Portugal e a Turquia. Reportagem na Turquia

Cavaco Silva entre populares, durante a visita à Mesquita Azul, em Istambul MARGARIDA MOTA

“Já esteve em Istambul? Vai adorar!” No único momento em que Cavaco Silva teve a iniciativa de vir ao encontro dos jornalistas que o acompanham na viagem oficial à Turquia, ainda durante a ligação aérea Lisboa-Ancara, foi desta forma que saudou o Expresso. Cavaco estivera na Turquia pela última vez há seis anos, a título particular, e ficara maravilhado com a riqueza do património histórico desta mega-cidade com cerca de 12 milhões de habitantes.

Ontem, a agenda da visita poupou Cavaco a encontros políticos e proporcionou-lhe uma visita à cidade pela qual se apaixonou. Na companhia da mulher — e em grande parte do tempo de mão dada com ela —, Cavaco visitou o Palácio Topkapi (que foi, durante 400 anos, a residência oficial dos sultões), seguiu para Haya Sofia (uma mesquita construída sobre duas igrejas) e descalçou os sapatos para entrar na Mesquita Azul, a única em todo o mundo com seis minaretes.

Escutou atentamente as explicações que lhe foram sendo dadas, fez muitas perguntas e despertou a curiosidade a milhares de turistas com que a comitiva se foi cruzando.

De permeio, apreciou a vista sobre o Estreito do Bósforo — um canal de 34 quilómetros que é a única via de acesso ao Mar Negro e onde é possível observar barcos de recreio, embarcações de pesca, grandes cargueiros, petroleiros e… submarinos.

Apontando para uma das duas pontes que ligam a parte europeia à parte asiática de Istambul, Cavaco afirmou: “É a demonstração de que a Turquia é a ponte entre dois continentes, a Europa e a Ásia. E nesse aspecto há uma certa ligação a Portugal, que também é ponta para a África e para a América. Este é um lugar simbólico que mostra a importância estratégica da Turquia”.

Desde o primeiro dia em solo turco que Cavaco ainda não parou de estabelecer paralelismos e afinidades entre a Turquia e Portugal, entre os turcos e os portugueses. À tarde, na Fundação Sabanci — propriedade de uma das famílias mais ricas da Turquia —, o Presidente inaugurou a exposição “Lisboa, Memórias de outra cidade”.

Pela terceira vez, o chefe de Estado turco, Abdullah Gul, esteve lado a lado com o Presidente português. Cavaco estabeleceu, então, mais uma ponte: “Lisboa e Istambul, duas cidades nos extremos ocidental e oriental do continente europeu, partilham paisagens e ambientes. A luz, a água, o cosmopolitismo, a cidade enquanto porto (e ponto) de cruzamento de culturas, civilizações, religiões e continentes, tudo isto Lisboa tem em comum com Istambul”. Na Turquia, Cavaco diz sentir-se “em casa”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 14 de maio de 2099. Pode ser consultado aqui

As alfinetadas do Presidente turco

Abdullah Gul desvaloriza as objecções da França e da Alemanha em relação à adesão da Turquia à União Europeia. E ouviu de Cavaco Silva o “apoio inequívoco” português. Reportagem na Turquia

Abdullah Gul no uso da palavra, na conferência de imprensa conjunta com o homólogo português, em Ancara MARGARIDA MOTA

Por estes dias, Angela Merkel e Nicolas Sarkozy são dos rostos mais odiados pelos europeístas turcos. Por motivos eleitoralistas, denuncia a imprensa turca, fazendo alusão às eleições de 7 de Junho para o Parlamento Europeu, “os líderes da Alemanha e da França permanecem unidos contra a Turquia”, noticia hoje o “Today’s Zaman”.

Na conferência de imprensa que se seguiu ao encontro que manteve, esta manhã, com Cavaco Silva, o Presidente da Turquia, Abdullah Gul, comentou as objecções franco-alemãs à plena adesão turca à União: “A Turquia começou as negociações para a entrada na UE e os líderes que assinaram esse acordo ainda estão lá… A Turquia só depende da decisão jurídica da Comissão e do Conselho. Os políticos chegam, passam, falam e, às vezes, por falta de visão dizem coisas diferentes, mas a Turquia não vai depender disso. Vamos continuar com as nossas reformas”, referiu.

Por sua vez, Cavaco Silva salientou, mais uma vez, “o apoio inequívoco” de Portugal à adesão turca. E mostrou-se esperançado quanto a uma evolução positiva da questão: “Nos últimos dias, surgiram notícias muito positivas. A próxima presidência da União Europeia, a Suécia, produziu uma declaração de apoio inequívoco à adesão plena da Turquia. Por outro lado, o Senado checo aprovou o Tratado de Lisboa [dos 27 Estados membros, falta apenas a Irlanda ratificar]. E este tratado cria condições mais favoráveis para o alargamento da União”, disse.

Na Turquia, não passa despercebido o facto de Cavaco Silva ser o sobrevivente dos líderes europeus que, a 7 de Fevereiro de 1992, assinaram o Tratado de Maastricht — que instituiu a União Europeia. Em reconhecimento a essa estatura política, o Presidente discursará esta tarde, e em português, na Grande Assembleia Nacional.

Nos últimos 20 anos, só quatro chefes de Estado mereceram esta honraria — o último dos quais Barack Obama, no mês passado.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de maio de 2009. Pode ser consultado aqui

Professora por paixão, primeira-dama por incidente

Maria Cavaco Silva participou numa aula de português na Universidade de Ancara. Fez rir os alunos e incentivou-os a aprenderem o idioma. Na Turquia, quem fala a língua de Camões tem emprego na certa. Reportagem na Turquia

Maria Cavaco Silva assistiu a uma aula de português para alunos turcos, na Faculdade de Línguas, História e Geografia da Universidade de Ancara MARGARIDA MOTA

Tiago Paixão iniciara a aula de português há escassos segundos quando Maria Cavaco Silva o interrompeu pela primeira vez: “Posso ir para junto de si? Nunca dei uma aula sentada”. De seguida, levantou-se do lugar que lhe tinham destinado, perto da secretária do professor, despiu o casaco e não mais parou. Diante de si, cerca de 30 jovens turcos, estudantes de português desde o início do ano lectivo, seguiam-lhe os gestos e tentavam acompanhar-lhe as palavras.

Apesar de falar pausadamente, nem sempre a primeira-dama se fazia entender. Para agarrar a turma, socorria-se então de um inglês perfeito. Com o decorrer da aula, deixou vir ao de cima toda a experiência ganha em cerca de 40 anos a leccionar. Paralelamente, não perdia uma oportunidade para gracejar: “Eu sou professora, mulher do Presidente só por incidente”, disse após ser apresentado o seu currículo.

Durante a aula, aproximou-se dos alunos para melhor escutar a sua pronúncia, recitou “De Repente” do poeta turco Orhan Veli e solicitou a um aluno que lesse o mesmo poema em língua turca. Enquanto Cavaco Silva se desdobrava em contactos políticos em Ancara, a primeira-dama esbanjava simpatia na Faculdade de Línguas, História e Geografia da Universidade de Ancara, onde são leccionadas 30 línguas, incluindo o português, desde há três anos.

Tiago Paixão, um lisboeta de 27 anos, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas: Estudos Portugueses, é o responsável pelos leitorados do Instituto Camões nas cidades de Ancara e Esmirna. Em declarações ao Expresso, explicou que os seus 45 alunos são estudantes das licenciaturas de espanhol, francês e italiano, que têm no português uma disciplina de opção. Por estarem a aprender línguas latinas, convencem-se de que é mais fácil aprender o português. Mas, segundo Tiago Paixão, há um outro motivo de peso: “A língua é vista como um instrumento de trabalho. Eles sabem que toda a gente que fala português na Turquia — e não estou a exagerar — tem emprego. E um bom emprego! Trabalham para multinacionais, por exemplo, e como tradutores para jogadores de futebol”.

À margem da aula, o Instituto Camões e a Universidade de Ancara assinaram um Protocolo de Cooperação com o objectivo de criar de um Minor em Estudos Portugueses e assegurar a manutenção de um Leitorado de Língua e Cultura Portuguesa. Tiago Paixão mostra-se confiante: “Neste momento, só estamos a ensinar Língua Portuguesa. No próximo ano, teremos Cultura e Literatura”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de maio de 2009. Pode ser consultado aqui