Ontem, em mais de 100 cidades de todo o mundo, milhares de pessoas saíram à rua em solidariedade para com o povo do Irão. Em Lisboa foi assim…

“Podemos dizer ‘Allahu akbar’ (“Deus é grande”)?”, interrogou-se um manifestante português.
“Não queremos nada com a religião”, respondeu-lhe prontamente uma iraniana, de rosto escondido por uma máscara e uns óculos de sol.
“Mas, no Irão, eles gritam ‘Allahu Akbar’…”, insistiu o homem.
“Não queremos nada com a religião”, repetiu a iraniana.
“E o verde? Não é a cor do Islão?”, continuou o homem.
“Não tem nada a ver com religião. É a cor deste movimento”, contrariou a iraniana.
“Desculpe, mas o verde é a cor do Islão”, insistiu o homem para, logo a seguir, dar por encerrada a troca de argumentos.

Eram cerca de seis da tarde de sábado e a manifestação de solidariedade para com o povo do Irão, no Largo Camões, em Lisboa, já levava uma hora de rua. A iniciativa inseriu-se no Dia Global de Acção que, ontem, se assinalou um pouco por todo o mundo. Cerca de 8000 pessoas reuniram-se em Paris, 4000 em Estocolmo, 3000 em Amesterdão, mais de 2500 em Washington DC e Nova Iorque, 2000 em Londres e… cerca de 30 em Lisboa.
Concentrados junto à estátua de Camões, meia dúzia de organizadores (entre os quais duas iranianas) tentavam sensibilizar os transeuntes para as razões desta manifestação. “Pedimos que te juntes a nós no apoio ao povo do Irão e na condenação dos graves abusos aos direitos humanos que estão a ser cometidos pelo governo iraniano”, lia-se no folheto que iam distribuindo. Mas o pedido só muito raramente era atendido.
Algumas pessoas paravam para ouvir a mensagem pacientemente, outros acediam a colocar no pulso a fita verde usada nas manifestações no Irão, outros ainda assinavam a petição elaborada pela Prémio Nobel da Paz iraniana, Shirin Ebadi, em que pede ao secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, que “viaje imediatamente até ao Irão e investigue a presente situação antes da escalada de violência e antes que o povo do Irão perca toda a paciência”.
Foi o caso do actor Nuno Lopes que, interceptado por Luís Pedro Nunes — um dos comentadores do programa da SIC “Eixo do Mal” que foi a única figura pública a marcar presença na manifestação —, enquanto atravessava o Largo Camões, de pronto colocou a sua assinatura no manifesto.

Perto das 19 horas, a hora anunciada para o fim da manifestação, a porta-voz Glória Martins — que, sob o pseudónimo “dputamadre” tem mais de 25 mil seguidores no “twitter” — leu uma mensagem enviada por um cidadão iraniano, via “Facebook”: “Os países ocidentais têm tido uma política de apaziguamento, de diálogo, com o Irão, nestes últimos 30 anos, política essa que, para o povo iraniano, tem sido desastrosa! As armas e os instrumentos que o regime iraniano usa hoje para perseguir, prender, torturar e matar os jovens iranianos têm sido comprados no mundo ocidental”, ouve-se. “Neda morreu com os olhos abertos. Seria vergonhoso se vivêssemos com os olhos fechados!”
No Largo Camões, o rosto de Neda — a jovem morta durante as manifestações em Teerão, que se tornou um ícone deste movimento após as imagens da sua agonia terem sido divulgadas no “Youtube” — figurava no centro de um cartaz em que se pedia: “Free Iran” (Liberdade para o Irão).
De seguida, a porta-voz justificou porque os portugueses não devem ficar indiferentes à realidade iraniana: “Portugal tem 139 anos de justiça sem pena de morte. No Irão, uma menina de 9 anos é considerada adulta e, por conseguinte, pode ser condenada à morte; um menino de 13 anos é considerado adulto e, por conseguinte, pode ser condenado à morte. O nosso silêncio pode significar a corda da forca de uma dessas crianças. Quem tem filhos que pense nisto e dê a cara. Obama não o pode fazer, porque vive num país onde muitos estados têm a pena de morte. Nós, portugueses, podemos”, disse.
Ouvidas as palavras de ordem, a manifestação desmobilizou-se calmamente. Alguns deixaram-se ficar, sentando-se nas escadas no sopé da estátua. O jovem Carlos, um dos activistas mais empenhados, mostrava-se desanimado pela fraca adesão à manifestação: “Os portugueses são incríveis… Os meus amigos dizem-se informados sobre este assunto, vêem os noticiários na televisão, mas dizem que não sentem nada”.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 26 de julho de 2009. Pode ser consultado aqui