“Temos infraestruturas, falta cultura desportiva”

Num debate sobre “100 anos de olimpismo em Portugal”, falou-se de feitos desportivos e de dificuldades organizativas. Carlos Lopes recordou como, há 25 anos, sabia que a vitória na maratona em Los Angeles não lhe ia escapar…

ILUSTRAÇÃO DEVANATH / PIXABAY

Durante dois anos e meio Carlos Lopes não pensou noutra coisa… “Fui para Los Angeles para ganhar a maratona. Tinha-a preparado ao detalhe durante dois anos e meio, observado os adversários… No ano anterior aos Jogos, corri 12 mil quilómetros. O meu grande objectivo era ser campeão olímpico!”, recorda.

A 12 de Agosto de 1984, desde que soou o tiro de partida para a corrida mais longa do atletismo, o maratonista nascido em Vildemoinhos (Viseu) limitou-se a fazer a sua corrida. Concluiu o percurso em 2h09m21s. “Se tivesse tido necessidade de fazer menos tempo, teria feito!”, continua a relembrar.

Na segunda-feira à noite, Carlos Lopes falou dessa determinação na palestra “100 anos do olimpismo em Portugal”, organizada pelo curso de Administração e Gestão Desportiva da Universidade Autónoma de Lisboa.

Marco histórico alterou filosofia

Essa vitória foi um marco da história olímpica portuguesa — pela primeira vez, um atleta luso ganhava uma medalha de ouro — e da própria filosofia das participações do país nos Jogos. Se até então o objectivo era participar — fazendo jus aos ideais do barão Pierre de Coubertin, fundador dos Jogos Olímpicos da era moderna —, a partir dos anos 1980 começou a ser imposto um limite qualitativo mínimo à participação dos atletas.

As condições melhoraram a partir dos Jogos de Barcelona de 1992, quando passou a haver um apoio directo a atletas e treinadores. Mas devido à proximidade geográfica com Barcelona, Portugal quis deslumbrar…

“Barcelona era aqui ao lado, tínhamos de nos mostrar. Levámos quase 100 atletas mas não trouxemos uma única medalha. Foram desistências atrás de desistências…”, recordou Vicente Moura, presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), outro participante no encontro.

 

Dentro do avião, durante a viagem de regresso a Lisboa, Vicente Moura foi confrontado com um pedido insólito por parte da equipa olímpica. “Pediram-me que os autorizasse a despir a farda oficial. Estavam envergonhados e queriam passar incógnitos no aeroporto…” E assim foi.

Preparação custa dinheiro

A cumprir o seu quinto mandato à frente do COP, Vicente de Moura referiu que a gestão diária do COP é difícil, mas disse ter “excelentes relações com todas as federações, sem excepção”. O grande obstáculo ao funcionamento do COP prende-se com a questão do financiamento.

Recusada que foi, no passado, a possibilidade de o Comité ter uma fonte de financiamento fixa proveniente das receitas do Totoloto, a estrutura fica mais dependente de patrocinadores. ” À velha maneira portuguesa, os sponsors aparecem mais nos anos próximos aos Jogos…” — quando, na realidade, os apoios são necessários durante toda a fase de preparação dos atletas. “‘Ainda falta muito para os Jogos’, costumo ouvir. ‘Volte a falar quando lá chegarmos…'”, lamentou-se Vicente de Moura.

Orçado em 14,6 milhões de euros, o projecto olímpico Londres/2012 — envolvendo 90 atletas — está já em desenvolvimento. Todos os meses, o COP distribui uma verba entre 170 e 180 mil euros por atletas e federações.

“Receber o dinheiro a tempo e horas cria estabilidade para os atletas. Todas as condições que lhes dermos nunca são demais”, disse o presidente do COP. O comandante referiu ainda que a isentação de IRS da bolsa dos atletas foi uma conquista importante e que, apesar da crise, o financiamento ao programa olímpico tem-se mantido.

Suar ou jogar playstation?

Porém, o desporto escolar é insuficiente: “Em Portugal, não consigo sequer compreender que percentagem do PIB o Estado dedica ao desporto. Fiz uns cálculos… julgo andar à volta dos 0,8%. É pouco”, insistiu.

O Brasil, por exemplo, tem um programa de “detecção de talentos” da responsabilidade do Ministério da Educação. “Os talentos estão nas aulas de Educação Física”, concordou o judoca Nuno Delgado (medalha de bronze nos Jogos de Sydney/2000), também presente no debate. “Mas a maioria dos miúdos prefere ir jogar Playstation…”

Nuno Barreto (medalha de bronze, com Hugo Rocha, nos Jogos de Atlanta/1996, em vela) e presidente da Comissão de Atletas Olímpicos, estabeleceu um paralelismo entre o seu próprio percurso e a realidade que hoje observa: “Eu só comecei a sair para o mar acompanhado de treinador três anos antes dos Jogos. Durante muitos anos, fui para o mar sozinho. Hoje, os miúdos não querem ir para dentro de água sem treinador, ao frio, à chuva… Preferem ficar em casa”.

A falta de “cultura desportiva” é, porventura, um dos maiores obstáculos à obtenção de mais e melhores resultados desportivos. Nuno Delgado defendeu que não faltam boas infraestruturas desportivas em Portugal. “O problema é que não estão bem distribuídas. Não são rentabilizadas até ao limite”, disse o judoca, que dirige a sua própria escola de judo.

Conclusão de Vicente de Moura: “O desporto evoluiu. Portugal progrediu. O drama é que os outros também progridem…”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 24 de novembro de 2009. Pode ser consultado aqui

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