Cerco silencioso ameaça judeus

O tempo corre contra o Estado judaico: as populações árabes vizinhas crescem mais depressa. Mas uma Palestina independente ajudaria

Alunos de uma “yeshiva”, escola religiosa especializada no estudo dos textos sagrados dos judeus, na Cidade Velha de Jerusalém, a 3 de setembro de 2008 MARGARIDA MOTA

O Presidente do Irão quer ‘varrer’ Israel do mapa. Hizbullah e Hamas dispõem de capacidade bélica para atingir território israelita assim que o entendam. No Médio Oriente, o ódio a Israel é generalizado e motivador de atitudes violentas contra os judeus. As ameaças à existência de Israel são múltiplas, mas a sentença de morte do Estado judaico, tal como hoje o conhecemos, pode ser ditada por algo mais discreto — a demografia.

Estará Israel a caminho de se transformar num Estado árabe? A manterem-se a tendência demográfica e o impasse na resolução do conflito israelo-palestiniano a possibilidade é real. Entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo, há hoje praticamente uma paridade entre árabes e judeus. “Em Israel, somos cerca de seis milhões de judeus. E há outros seis milhões de não-judeus, a maioria árabes, a viver na Cisjordânia, na Faixa de Gaza e em Israel”, explica ao Expresso Arnon Soffer, que dirige o departamento de Geografia da Universidade de Haifa.

Há décadas que o professor tem vindo a alertar as autoridades israelitas para o desafio que o país enfrenta. Em 1987, publicou uma análise prevendo uma revolução demográfica para 2010, ano em que, em Israel e nos territórios ocupados, o número de árabes superaria o de judeus. “O ventre da mulher árabe é a minha arma mais forte”, dizia, então, o líder palestiniano Yasser Arafat.

Chegados a 2010, a previsão de Soffer fica aquém do projetado por uma única razão: com a retirada dos colonos da Faixa de Gaza (2005), Israel reduziu a sua área de envolvimento, que hoje se circunscreve ao seu território e à Cisjordânia, onde vivem cerca de 300 mil colonos judeus e 2,5 milhões de árabes.

Ilha judia num oceano islâmico

Rodeado por 200 milhões de árabes, o desafio de Israel começa dentro de portas — cerca de 20% da população israelita são árabes. “Há uma grande maioria de judeus, mas o ritmo de crescimento das populações não-judias que falam árabe é o dobro das judias: as árabes crescem 2,5% ao ano e as judias 1,3%. A atual maioria populacional de judeus tende a sofrer uma erosão todos os anos”, explica ao Expresso Sergio DellaPergola, da Universidade Hebraica de Jerusalém.

Uns crescem 1,3% por ano; outros 2,5%

Desde a sua fundação, em 1948, Israel tem consolidado a sua existência com base numa população maioritariamente judia. Arnon Soffer sugere três medidas para inverter a atual tendência demográfica, desfavorável a esse statu quo: “Encorajar a imigração de judeus para Israel; investir na educação das mulheres muçulmanas, porque uma mulher com formação terá menos filhos; e não permitir a anexação de territórios. Sim, temos de falar sobre a solução de dois Estados (para dois povos)!”

Dois Estados: a solução

O conflito israelo-palestiniano arrasta-se sem fim à vista e uma Palestina independente tarda em concretizar-se. DellaPergola é igualmente partidário desta solução — por contraponto à opção de um Estado binacional (um Estado para dois povos).

Dada a existência, por um lado, de 300 mil colonos judeus na Cisjordânia e, por outro, de 250 mil árabes em Jerusalém Oriental e de bolsas de maioria árabe em Israel — adjacentes à Linha Verde e implantadas na região do chamado Pequeno Triângulo, a norte —, o professor propõe um intercâmbio territorial: “A divisão não deverá recuar até aos limites anteriores à Guerra dos Seis Dias (1967), como muitos defendem. As fronteiras devem ser reavaliadas dos dois lados para que, tanto quanto possível, os judeus fiquem no Estado de Israel e o maior número possível de árabes e palestinianos fiquem do lado do Estado palestiniano”.

7,5 milhões de pessoas habitam o Estado de Israel: 75% são judeus, 20% árabes

300 mil colonos vivem na Cisjordânia

2,5 milhões de palestinianos vivem na Cisjordânia e 1,5 milhões em Gaza

4,6 milhões são refugiados palestinianos e querem voltar

Em Israel, porém, a solução de dois Estados está longe de gerar consenso. Milhares de judeus religiosos ultraortodoxos continuam a sonhar com o grande Israel. “Dizem que o berço da Bíblia é Nablus e Hebron (na Cisjordânia) e Jerusalém Oriental — e não Telavive. Por isso, lutam pela anexação da Cisjordânia (a bíblica Judeia e Samaria)”, explica Soffer. “Num cenário destes, a demografia está contra as suas pretensões. Se Israel anexar a Cisjordânia será o fim do sonho judeu sionista. Isto é pura demografia”, diz. “Tal situação seria o fim do Estado de Israel”, acrescenta DellaPergola. “A maioria dos israelitas não quer ter um Estado que inclua todos os árabes e todos os territórios palestinianos. Se o fizermos, o Estado de Israel ficará em perigo e deixará de existir. Seria uma perda não só para Israel, mas também para a democracia.”

O professor Soffer refere que o crescimento populacional dos judeus religiosos fundamentalistas está em alta. “Neste momento, tenho menos medo dos árabes do que dos judeus fanáticos”, admite. “Não sei o que vai acontecer aos meus netos… Se depender da vontade do avô, não viveremos num Estado religioso típico da Idade Média. Vamos para Portugal, para gozarmos a vida. Seria a minha solução num caso desses!”

ISRAELITAS DE CULTURA ÁRABE

Um quinto da população israelita é árabe — trata-se de cidadãos de pleno direito que, culturalmente, têm uma identidade árabe. Descendem das populações que aqui residiam antes da criação de Israel (1948) e optaram por ficar apesar do êxodo de milhões de árabes aquando da Guerra da Independência — hoje, mais de 4,6 milhões de refugiados palestinianos reclamam o retorno à sua terra ancestral. Contrariamente aos cidadãos judeus, os árabes não são obrigados a cumprir o serviço militar. Nas últimas legislativas, elegeram quatro deputados, agrupados na Lista Árabe Unida — defensora da solução de dois Estados e de Jerusalém Leste como capital de uma Palestina independente. Apontados, por vezes, como uma ‘quinta coluna’ ao serviço do interesse palestiniano no interior de Israel, vários israelitas árabes venceram o estigma e ganharam notoriedade. O futebolista Salim Tuama — cidadão israelita, de cultura árabe e religião cristã — joga na seleção nacional. Oriunda de uma família muçulmana de Nazaré, Lucy Arish tornou-se, há três anos, a primeira jornalista de origem árabe a apresentar notícias em prime-time. Em 2009, Mira Awad foi a primeira artista israelita árabe a representar o país na Eurovisão. Num dueto com a judia Noa, interpretou “There must be another way”. Algumas estrofes da canção foram cantadas… em árabe.

Artigo publicado no Expresso, a 17 de julho de 2010

MNE iraniano responde a embaixador israelita

O embaixador de Israel criticou a visita do ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão a Lisboa. O governante iraniano acusou-o de “falta de educação”

“É uma falta de educação do embaixador para com o país que o acolhe!” Foi desta forma que, ao início da manhã, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão, Manoutchehr Mottaki, reagiu ao diplomata israelita acreditado em Lisboa que ontem criticou a decisão de Portugal de receber o governante iraniano, considerando-a “surpreendente e dececionante”.

“Os países são independentes e não têm de pedir permissão a ninguém para desenvolverem as suas relações externas”, continuou Manuchehr Mottaki. “Os israelitas pensam que mandam em todos os pontos do mundo”, afirmou durante um pequeno-almoço com jornalistas. “Devemos lutar contra esta ambição gananciosa deste regime sionista.”

O embaixador israelita, Ehud Gol, criticara a visita, argumentando ser contrária à posição europeia de condenação do regime de Teerão.

Neste capítulo, o ministro iraniano mostrou-se esperançado em que o conselho da UE ao nível dos chefes da diplomacia, previsto para o final do mês, “não repita o mesmo erro do Conselho de Segurança da ONU [que a 9 de Junho aprovou o quarto pacote de sanções contra o Irão] e que mostre vontade em continuar as negociações”.

(MAPA TORSTEN / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 14 de julho de 2010. Pode ser consultado aqui