Reconciliadora como Mandela ou alvo a abater como Benazir?

Recém-libertada, Aung San Suu Kyi quer reconciliar o país. Fortalecido pelas eleições, o regime está vigilante

Citação atribuída a Aung San Suu Kyi WIKIQUOTE

Aclamada pelo povo da Birmânia, temida pelos ditadores que governam o país, admirada por todo o mundo — Aung San Suu Kyi está novamente em liberdade, após sete anos em prisão domiciliária. Impõe-se perceber o que simboliza hoje a Dama de Rangum: Terá ela a capacidade e as condições de Nelson Mandela para promover a reconciliação nacional? Ou será mais — à semelhança da paquistanesa Benazir Bhutto — uma filha do destino com a cabeça a prémio, como aconteceu com o pai, herói da independência birmanesa assassinado em 1947?

“Enquanto prisioneiros, Suu Kyi e Mandela têm semelhanças. Mas o enquadramento político é totalmente diferente. O Congresso Nacional Africano (ANC), de Mandela, e a Liga Nacional para a Democracia, de Suu Kyi, são partidos com abordagens diferentes. Quando foi libertada, ela disse que acreditava na abordagem não-violenta para alcançar uma reconciliação nacional. O ANC agiu de forma diferente”, comentou ao Expresso Kyaw Zwa Moe, editor do jornal “The Irrawaddy”, que cobre a atualidade noticiosa birmanesa a partir da Tailândia.

Quando a líder da oposição pró-democracia se assomou à multidão, há uma semana, aproveitou para levantar o véu sobre os seus planos futuros: “Vou trabalhar para a reconciliação nacional. Estou preparada para conversar com qualquer pessoa. Não guardo ressentimentos pessoais em relação a ninguém”.

O jornalista birmanês não acredita, porém, num encontro — cara a cara e a breve prazo —, entre a Nobel da Paz, de 65 anos, e a principal figura do regime, o general Than Shwe de 77 anos. “Ela vai tentar, mas não me parece que isso venha a acontecer. Os generais não querem falar com ninguém do movimento pró-democracia.”

Aung San Suu Kyi e o regime dos generais parecem empenhados numa espécie de jogo do gato e do rato

A libertação de Suu Kyi aconteceu escassos seis dias após as eleições gerais — as primeiras dos últimos 20 anos. Kyaw Zwa Moe não vê qualquer simbolismo na quase sobreposição dos dois acontecimentos. “A detenção de Suu Kyi expirou a 13 de novembro. Eles não tinham qualquer outra desculpa para mantê-la detida.”

Há quem defenda que, ao ser libertada, a líder da oposição foi colocada numa “prisão” maior do que aquela em que se encontrava anteriormente — por força do contexto político adverso que veio encontrar: o partido apoiado pela junta militar (Partido da Solidariedade e do Desenvolvimento da União) reclama uns improváveis 80% dos votos, nas eleições de 7 de novembro.

“Politicamente, os generais sentem-se muito seguros. Têm tudo o que precisam para continuar a governar. Não a libertaram num gesto de boa vontade”, continua o jornalista.

“Eu não tenho medo”, diz a Nobel da Paz. “Não deixo de fazer isto ou de dizer aquilo com medo que me prendam novamente. Nem me passa pela cabeça. Mas sei que há sempre a possibilidade de voltar a ser presa.”

Aung San Suu Kyi e o regime dos generais parecem constantemente empenhados numa espécie de jogo do gato e do rato. “É bem possível que ela volte a ser presa. As pessoas reagiram à sua libertação de uma forma que não tinham reagido no dia das eleições. É possível que os militares comecem a sentir algum tipo de ameaça…”

Suu Kyi — que passou 15 dos últimos 21 anos em prisão domiciliária — diz que quer escutar as aspirações do povo. Por isso, é pouco provável que se mantenha calada. Sem segurança especial, é um alvo vulnerável, quer para ser presa, quer alvejada. “Altos responsáveis do partido dela estão muito preocupados”, diz Kyaw Zwa Moe. “Dizem que ela pode ser assassinada, como Benazir Bhutto. É provável que isso aconteça se Aung San Suu Kyi forçar a situação.”

SEIS BATALHAS A TRAVAR

  1. Diálogo com a Junta
    Aung San Suu Kyi quer encetar um diálogo político com os militares que leve à reconciliação nacional. A Junta está, desde 2003, empenhada na aplicação do Roteiro para a Democracia composto por sete etapas — as eleições foram a quinta.
  2. Libertação de presos
    Cerca de 2200 birmaneses são presos políticos. Quando foi libertada, Suu Kyi evocou-os dizendo estarem eles, em prisões de todo o país, numa situação bem pior do que ela. Presa em casa, ao ver a BBC, mantinha-se informada e nunca se sentia só.
  3. Divisões políticas
    Nas últimas eleições, as forças democráticas dividiram-se em dois campos: a Liga Nacional para a Democracia, de Suu Kyi, boicotou; a Força Nacional Democrática (dissidente da LND) contestou. Tida como líder da oposição, Suu Kyi tem de reconciliar as partes.
  4. Unidade étnica
    A Nobel da Paz demonstrou vontade de promover a segunda Conferência de Panglong — a primeira realizou-se em 1947, antes da independência e foi liderada pelo seu pai — para restaurar a unidade entre os diferentes grupos étnicos birmaneses. Não é certo que o regime autorize o evento.
  5. Constituição de 2008
    Pilar do Roteiro para a Democracia da Junta, a Constituição de 2008 é rejeitada pelo partido de Suu Kyi, que a considera antidemocrática. As eleições de 7 de novembro decorrem da nova Lei Fundamental.
  6. Fraude eleitoral
    A vitória esmagadora do Partido da União para a Solidariedade e Desenvolvimento, apoiado pelos militares — que reclama 80% dos lugares do Parlamento —, lançou suspeitas de fraude sobre o sufrágio de 7 de novembro, realizado longe dos olhares de jornalistas e de observadores internacionais. Irá a Dama de Rangum reclamar?

Artigo publicado no Expresso, a 20 de novembro de 2010

Educação derrota ameaça do terror

O sultanato omanita é “a estrela” do Índice de Desenvolvimento Humano de 2010 das Nações Unidas. Foi o país que mais melhorias registou

Crianças omanitas, em Mascate MARGARIDA MOTA

Omã foi, num universo de 135 países, aquele que mais progressos registou no Índice de Desenvolvimento Humano de 2010 — um barómetro encomendado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que avalia os países em matéria de saúde, educação e dos padrões de vida básicos — apresentado na semana passada.

O pequeno sultanato da região do Golfo — pequeno comparativamente ao vizinho e gigante saudita porque, na verdade, Omã é três vezes maior do que Portugal — vê, assim, consagrado o investimento feito na educação através dos ganhos do petróleo.

A educação formal em Omã começou apenas em 1970, ano em que Qaboos bin Said subiu ao trono do sultanato. “Mesmo que não tenhamos edifícios, temos de educar as nossas crianças, ainda que à sombra das árvores”, passou a ser o lema. Omã tinha apenas três escolas, frequentadas por 900 crianças — todas do sexo masculino —, não havia currículos nacionais e os professores eram contratados nos países vizinhos. Qaboos elegeu os recursos humanos como o maior recurso e o maior ativo de Omã e encetou um programa de modernização e abertura ao exterior — o seu pai e antecessor, Said bin Taimur, de uma forma paranoica, fechara o país ao mundo. Hoje, o sultanato tem à volta de 1300 escolas (públicas e privadas) e as crianças começam a aprender inglês e informática na escola primária. Rapazes e raparigas têm as mesmas oportunidades no acesso à educação e, nos últimos anos, as raparigas têm-se evidenciado com desempenhos superiores aos alunos do sexo oposto.

A aposta na educação é, paralelamente, um dos pilares do programa de omanização das estruturas produtiva e administrativa, em vigor desde 1988. Se há 40 anos, Omã necessitava de importar mão de obra qualificada para o país funcionar, hoje os omanitas conquistam cada vez mais postos de trabalho aos expatriados.

Num artigo publicado, há cerca de um mês, no “The New York Times” — intitulado “O que Omã nos pode ensinar” —, o colunista Nicholas Kristof, após visitar o país, escreveu: “Ao mesmo tempo que os EUA recorrem ao poder das armas para tentar esmagar o extremismo no Afeganistão, Paquistão e Iémen, poderiam, antes, considerar a lição do notável país árabe que é Omã”.

Geograficamente contíguos, Omã e Iémen — país que, como diz Kristof, “tornou-se uma incubadora para terroristas aliados da Al-Qaeda” — vivem realidades contrastantes em matéria de ameaça terrorista. Kristof conclui: “Uma das lições de Omã é que uma das melhores e mais eficazes formas para subjugar o extremismo é promover a educação para todos”.

Salalah, cidade portuária no sul de Omã onde teve início a revolução social e económica do país MARGARIDA MOTA

RELATÓRIO DO PNUD

76,1
anos é a esperança média de vida a que um recém-nascido omanita pode aspirar, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano 2010. O resultado de Omã é superior ao do Brasil (72,9) e à da comunitária Polónia (76). A média de Portugal é de 79,1. No capítulo da educação, as crianças omanitas têm 11,1 anos de escolaridade esperados

Artigo publicado no Expresso, a 13 de novembro de 2010

Lapidação de Sakineh Ashtiani pode estar iminente

Iraniana acusada de adultério poderá ser executada amanhã. Denúncia é feita pelo Comité Internacional contra a Lapidação

A execução da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani, por apedrejamento, poderá estar iminente. Segundo o Comité Internacional contra a Lapidação, “as autoridades de Teerão deram luz verde à prisão de Tabriz [onde a iraniana de 43 anos está detida] para que realize a execução”.

No comunicado, a organização refere que a execução está prevista para quarta-feira de manhã.

O Comité apela à participação na manifestação em frente à embaixada do Irão em Paris, prevista para terça-feira à tarde. E solicita ainda à libertação imediata e incondicional de Sajjad Ghaderzadeh, o filho mais velho da iraniana, de Hutan Kian, o seu advogado, bem como de dois jornalistas alemães que foram detidos quando os entrevistavam.

Caso ganhou visibilidade em julho

Viúva desde 2003, Sakineh Mohammadi Ashtiani havia sido previamente julgada por “relações ilícitas” (relações sexuais fora do casamento) e condenada a 99 chicotadas. Foi apenas durante o julgamento pelo assassinato do marido (processo no qual Sakineh não estava implicada) que um juiz suscitou a possibilidade de essas “relações ilícitas” terem acontecido antes da morte do marido. 

Em 2006, Sakineh Mohammadi Ashtiani foi condenada por “adultério”, punível, pelo código penal iraniano com pena de lapidação. Após esgotar todos os recursos, o então advogado Mohammad Mostafei, tornou o caso público, em julho passado, atraindo a atenção mundial.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 2 de novembro de 2010. Pode ser consultado aqui