Cimeira em dia de… “noite seca”

Na passagem de ano islâmica, seis países ribeirinhos ao Golfo Pérsico reuniram-se em Abu Dhabi. Querem fazer da região um exemplo de desenvolvimento. Reportagem nos Emirados Árabes Unidos

Sala da cimeira, no Hotel Intercontinental, em Abu Dhabi MARGARIDA MOTA

Sempre que se realiza uma cimeira destas, fala-se destes assuntos todos. No entanto, a situação não pára de piorar, sofremos com a crise, a pobreza está a aumentar… Na conferência de imprensa que assinalou o fim da 31ª cimeira do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), um jornalista árabe expressou-se nestes termos para questionar a quantidade de assuntos que constavam da Declaração de Abu Dhabi.

Do Irão às redes de transportes, da segurança alimentar aos direitos aduaneiros, da água ao terrorismo, as conclusões finais da reunião do CGG foram férteis e diversificadas. (ver caixa no fim do texto) Todos estes assuntos são discutidos a pensar nos cidadãos, respondeu-lhe o ministro dos Negócios Estrangeiros dos Emirados Árabes Unidos (EAU), sheikh Abdullah bin Zayed Al-Nahyan. Os países do CCG têm grandes conquistas nestes domínios. Se não tivesse confiado no Qatar, acham que a FIFA lhe teria atribuído o Mundial de 2020?

Durante pouco mais de 24 horas, o sumptuoso Emirates Palace foi a residência de quatro monarcas da região do Golfo (Arábia Saudita, Bahrain, Qatar e EAU). Faltaram ao encontro o sultão Qaboos de Omã e o monarca saudita, Abdullah, a recuperar de uma intervenção cirúrgica em Nova Iorque, que se fizeram representar.

“Lei seca” chega por email

Coincidente coma a passagem da realeza árabe por Abu Dhabi, os restaurantes emiratis estavam proibidos de vender álcool aos clientes. Num restaurante brasileiro, um empregado explica que, em três, quatro vezes ao ano, os bares e restaurantes têm de observar a noite seca, não podendo nesses dias servir álcool.

Desta vez, ele não sabia qual era a razão para a proibição (desde as 18 horas de segunda-feira até às 18 horas de ontem). Seria por causa da cimeira? Seria uma forma de não ferir a suscetibilidade religiosa dos monarcas visitantes? Perante a curiosidade, o empregado predispõe-se a consultar o computador de serviço para ler o email que as autoridades municipais enviaram para o restaurante. Já sei, é por causa do Ano Novo islâmico!, explica depois.

Esta terça-feira, os Emirados — e todo o mundo muçulmano — celebraram o primeiro dia do ano 1432 do calendário da Hégira: a fuga do Profeta Maomé de Meca para Medina. Não fosse o tal email municipal e, porventura, o empregado nem teria dado pela entrada do novo ano. O evento é assinalado com um feriado, mas não é celebrado. Não há fogo de artifício, iluminações públicas a preceito, animações populares nem desejos para o novo ano. E mesmo nos bares e restaurantes, os hábitos rapidamente retomam a normalidade. Ontem à noite, se algum restaurante de Abu Dhabi se recusasse a servir cerveja, vinho ou whisky, só podia ser por rutura de stock.

“Líderes unidos na estabilidade, titula o jornal emirati de língua inglesa The National” MARGARIDA MOTA

TRÊS ASSUNTOS EM DESTAQUE 

Água — Os países do Golfo são ricos em petróleo e gás, mas pobres em recursos hídricos. Ainda assim, os EAU possuem um dos mais altos consumos per capita de água, com uma média de 550 litros por dia. De Abu Dhabi, saiu um apelo à necessidade de consumos moderados e de colocar a tecnologia ao serviço de projetos de reciclagem e de dessalinização.

Irão — O CCG reconhece o direito do Irão desenvolver um programa nuclear para fins pacíficos, desejo que eles próprios, por várias ocasiões, também já o expressaram. Exigem, porém, que o vizinho persa cumpra com as suas obrigações no âmbito da Agência Internacional de Energia Atómica, bem como das Resoluções do Conselho de Segurança da ONU.

Mercado Comum — Enquanto organização de integração regional, o CCG estuda os passos a dar para a sua concretização. Em 2011, as empresas oriundas de qualquer um dos seis Estados membros deverá beneficiar de igualdade de tratamento comparativamente às empresas nacionais. Num encontro com Sultan bin Nasser al-Suwaidi, governador do Banco Central dos EAU, à margem da cimeira, este reafirmou duas ideias fortes do atual momento económico dos EAU e da região. Primeiro: O dólar americano ainda é a melhor escolha para o nosso país. (O dirham emirati está indexado ao dólar.) Segundo: Uma moeda única deve ser o último passo. Há que esperar, pois tudo tem o seu tempo! É uma lição que estamos a aprender o que se passa na Europa.

Artigo publicado no Expresso Online, a 7 de dezembro de 2010. Pode ser consultado aqui