A “marcha dos milhões” saiu à rua com sucesso. Entre os manifestantes, um nome ganha preponderância para suceder a Mubarak — Arm Mousa, Presidente da Liga Árabe. Reportagem no Egito, com fotos de Jorge Simão

A fasquia foi colocada alta — juntar um milhão de pessoas no centro do Cairo — e a prova foi largamente superada. As contas são difíceis de fazer, desde logo porque a praça Tahrir não comporta nem metade do número desejado. Mas com a praça e as ruas adjacentes cheias, com gente a perder de vista, a mensagem passou a plenos pulmões: “O povo quer o fim do regime” foi o grito que mais se ouviu.
Com os comboios paralisados em todo o país e as comunicações fortemente condicionadas — a Internet e os sms continuam sem funcionar —, os manifestantes começaram dirigir-se bem cedo para a praça, onde largas centenas de pessoas tinham passado a noite. A meio da manhã, o ambiente assemelhava-se àquele que antecede os grandes dérbis futebolísticos. Havia uma grande expectativa de que aquele iria ser um dia importante.
Ao início da tarde, pequenos grupos vindos de outros pontos da cidade começaram a entrar na praça, alimentando a massa humana que já enchia o local. “Isto não é uma manifestação, é uma revolução”, exultava Ashraf, um estudante de engenharia de 24 anos. “Da próxima vez, um grupo fica na praça e outro vai até ao palácio presidencial”, em Heliópolis.
Entra e sai permanente
As manifestações na praça Tahrir são volantes. Há pessoas a entrar e a sair constantemente do perímetro da praça — limitado pelos tanques do exército —, como que se entre momentos de protesto fossem a casa ou a outro sítio resolver alguma coisa. Com o dia útil no Cairo reduzido a sete horas — das 15 às 8 horas da manhã está decretado o recolher obrigatório —, as manifestações tornaram-se a única razão para os cairotas saírem de casa.
A partir da varanda do nono andar de um dos prédios circundantes à praça, com vista privilegiada sobre a manifestação, Ahmed, que ora tirava fotografias, ora espreitava a televisão, descaiu-se: “Gamal (filho de Mubarak, apontado como seu sucessor), querias receber o governo deste país como prenda de Natal. Já não a vais ter!”

Os manifestantes não se esquivaram a responder quando perguntamos quem queriam ver no lugar de Mubarak. Mas preferiram dizer que, de momento, a grande prioridade é expulsar “o rais” do poder. Depois, outra frase seguir-se-á.
“Um Presidente como nós”
Das dezenas de testemunhos recolhidos pelo Expresso, todos foram no sentido da opção por um Presidente civil. Várias personalidades egípcias têm perfil para assegurar uma situação transitória até que o país tenha condições para realizar eleições. “Queremos um Presidente que seja um de nós”, ouve-se com frequência. “Um médico, um advogado, um engenheiro… Há muitos egípcios com valor”.
Entre os civis mais vezes referidos está Amr Mousa. Atual Presidente da Liga Árabe, Mousa termina o seu mandato em março e já anunciou que não voltará a candidatar-se ao cargo. “Cumprirei o meu dever em benefício do povo egípcio”, disse Mousa, questionado sobre se estaria disposto a candidatar-se à presidência do país.
À espera que Mubarak os ouça e abandone o cargo que ocupa há 30 anos, os egípcios não dão mostras de querer parar a luta. “Venho amanhã outra vez, depois de amanhã, na próxima semana, no próximo ano — até que Mubarak morra!”, diz Mahmud, de 22 anos, estudante de educação física. Fala devagar e tem um ar cansado. Quando percebe que o Expresso é um jornal português, arregala os olhos e ergue a voz de entusiasmo: “Manuel José (treinador do Al-Aly, clube do Cairo)! Ele está no meu coração!”
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 1 de fevereiro de 2011. Pode ser consultado aqui