Os protestos anti-Mubarak transbordaram a praça Tahrir e chegaram ao Parlamento. O vice-Presidente Omar Suleiman advertiu para o perigo de um golpe de Estado. Reportagem no Egito, com fotos de Jorge Simão
Ao 16º dia de protestos, os manifestantes que exigem a demissão de Hosni Mubarak rumaram até ao edifício do Parlamento, não muito longe da praça, gritando “fora Mubarak”. Pretendiam exigir a dissolução da Assembleia e mostrarem-se solidários com os manifestantes que, ontem à noite, acamparam em frente ao Parlamento.
A praça continua cheia, mas o epicentro da contestação transferiu-se, assim, para junto de uma das sedes do poder. O edifício do Parlamento está protegido por um dispositivo do exército, que não interveio. Da mesma forma, o exército não impediu que os manifestantes saíssem da praça em direção ao Parlamento.
A praça Tahrir continua cheia, mas o epicentro da contestação transferiu-se para junto de uma das sedes do poder JORGE SIMÃO
Pela primeira vez, os manifestantes reclamaram o julgamento de Mubarak, responsabilizando-o pela repressão exercida pelo seu regime nos últimos há 30 anos.
Tudo isto acontece um dia após a praça Tahrir ter acolhido a maior manifestação contra o regime. Acontece também após o vice-Presidente Omar Suleiman ter afirmado que o Egito não está preparado para a democracia e ter advertido para o perigo de um golpe de Estado se o diálogo com a oposição falhar. “Não queremos lidar com a sociedade egípcia com meios policiais”, disse.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de fevereiro de 2011. Pode ser consultado aqui
A praça Tahrir registou hoje a sua maior manifestação desde o início dos protestos contra Mubarak. De um espaço de contestação, a praça transformou-se num local de celebração. Reportagem no Egito, com fotos de Jorge Simão
A praça Tahrir encheu hoje para aquela que foi a maior manifestação anti-Mubarak desde o início dos protestos, a 25 de janeiro. Desde a manhã, longas filas de pessoas estendiam-se pelas ruas circundantes à praça e pela Qasr al-Nil, a ponte sobre o rio Nilo mais próxima da praça. Projetava-se uma jornada de luta memorável.
A entrada na praça foi mais demorada do que o habitual e, pela primeira vez, os jornalistas — a quem habitualmente os manifestantes concediam prioridade no acesso à praça — tiveram dificuldade em entrar, bloqueados na massa humana que avançava compacta.
Ultrapassados os controlos de segurança — do exército e dos manifestantes —, um ambiente de grande festa aguardava quem chegava, como que se a praça (um local de contestação) se tivesse transformado num espaço de celebração. A circulação fazia-se com dificuldade, mas os manifestantes não perdiam o sorriso. A praça transpirava confiança.
Muitas mulheres na praça
Comparativamente aos dias anteriores, era flagrante a presença de muitas mais mulheres. Os voluntários cantavam enquanto ofereciam comidas e bebidas. A meio da tarde, um cortejo de cerca de 30 homens entrava na praça carregando à cabeça pacotes de cobertores embalados em plástico, destinados a dar conforto a quem optasse por passar lá a noite.
A rotunda central — anteriormente, um espaço verde — estava transformada num campo de campismo, com coberturas de plástico a darem algum conforto a quem por lá dormitava.
Comparativamente aos dias anteriores, era flagrante a presença de muitas mais mulheres JORGE SIMÃO
Os manifestantes deixavam-se ficar junto a pequenos palcos improvisados onde, ora se repetiam slogans anti-Mubarak, ora surgiam pequenos momentos musicais. Um jovem carregava nos braços uma resma de folhas A3.
As pessoas aproximavam-se e outro jovem ia escrevendo nas folhas as palavras de ordem que as pessoas pediam. Uma longa bandeira do Egito, carregada por dezenas de pessoas percorria a praça.
Abdallah, de 31 anos, explica que as terças, as sextas e os domingos serão os dias do “protesto do milhão”, para que Mubarak não esqueça que a principal exigência da multidão continua por cumprir — a sua retirada do poder.
Desconfiados de Mubarak
Apesar do Presidente ter dito que não se recandidataria, os manifestantes não confiam nas suas promessas. “Na semana passada, Mubarak discursou na televisão e, a dada altura, afirmou que queria morrer e ser enterrado no Egito. As pessoas ficaram muito emocionadas, eu inclusive. Mas depois, no dia seguinte, ele manda homens montados em cavalos e em camelos , pela praça dentro, para bater nas pessoas. Como é que ele quer que as pessoas acreditem nele?”
Abdallah é médico. Tem uma clínica no Cairo. Na semana passada, não trabalhou e, esta semana, trabalha dia sim, dia não. “Nos dias em que não trabalho, venho para a praça. Temos uma missão a cumprir.”
Ultrapassados os dias mais complicados, a praça parece ter recuperado energia. Os manifestantes sabem que a demissão de Mubarak pode ser demorada. Até lá, não arredam pé.
Com o cair da noite, a praça ficava tomada pelo “efeito pirilampo” provocado pelos telemóveis levantados, sempre a filmar e a fotografar. Às cavalitas dos pais, muitas crianças gritam palavras de ordem que a multidão em redor, divertida pelo desembaraço dos miúdos, repete.
“As crianças são a nossa segurança”, comenta Hisham, um jornalista que, por estes dias, tem-se recusado a trabalhar em protesto contra a linha editorial da sua rádio, que não cobre as manifestações na praça. “É muito bom vê-las por aqui. Significa que estão a captar a mensagem.”
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de fevereiro de 2011. Pode ser consultado aqui
Governo e oposição começaram a dialogar no Egito. Mas na praça Tahrir, milhares continuam sem arredar pé. Ao fim do dia, o exército disparou… Reportagem no Egito, com fotos de Jorge Simão
O dia fora festivo na praça Tahrir até que, cerca das oito da noite, soaram rajadas de fogo, disparadas pelos militares.
Na chamada ‘linha da frente’ — a área junto ao Museu Egípcio que, esta semana, foi palco dos violentos confrontos entre manifestantes anti-Mubarak e apoiantes do Presidente Mubarak —, um tanque do exército queria movimentar-se. Os manifestantes não libertaram o espaço necessário e os militares — que continuam posicionados à entrada da praça — dispararam para mostrar quem era a autoridade ali.
Este episódio acontece num dia em que Governo e oposição começaram a dialogar com vista ao fim do impasse político em que se encontra o país. O Governo egípcio e a oposição concordaram na criação de um comité de trabalho para estudar as possíveis reformas à Constituição, designadamente o fim do estado de emergência (em vigor desde 1981), a limitação dos mandatos presidenciais a dois períodos e mudanças nos requisitos para um candidato se apresentar às eleições.
Os manifestantes gostaram de saber que Gamal Mubarak não poderá candidatar-se para suceder ao pai JORGE SIMÃO
Irmandade: ilegais mas presentes
Paralelamente à reforma constitucional, a oposição exige a saída de Mubarak do poder, um Governo de transição e eleições livres. A reunião foi liderada pelo vice-Presidente Omar Suleiman e, entre os grupos da oposição representados, esteve a Irmandade Muçulmana (ilegalizada).
O arranque das conversações coincide com o início do regresso do país à normalidade. Hoje, os bancos abriram, as caixas de multibanco começaram a disponibilizar dinheiro e os negócios começaram a abrir as portas. Nas ruas do Cairo, voltaram os engarrafamentos, as buzinadelas e o caos na circulação.
Milhares de pessoas continuam a ocupar a praça Tahrir e a pedir a partida de Hosni Mubarak. Hoje, o dia foi festivo. Os manifestantes gostaram de saber que Gamal Mubarak não poderá candidatar-se para suceder ao pai. “Estamos muito próximos da libertação”, diz Tariq, de 50 anos. “Mubarak está quase a ir embora.” Houve muita música e pequenas bancas a vender tudo e mais alguma coisa, de porta-chaves a tremoços.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 6 de fevereiro de 2011. Pode ser consultado aqui
Joana é uma “bellydancer” portuguesa que vive no Cairo há quatro anos. Com a agenda preenchida, espera que a turbulência passe para voltar a brilhar nos palcos egípcios. Reportagem no Egito, com fotos de Jorge Simão
Joana é uma apaixonada por aquilo que faz. Mas com o Cairo transformado num campo de batalha, esta “bellydancer” lisboeta de 30 anos – a viver na capital egípcia há quatro anos – viu-se confinada ao seu apartamento na ilha Zamalek, sem poder cumprir a sua agenda artística. “Tenho espetáculos marcados praticamente todas as noites. Mas está tudo fechado. É muito frustrante.”
Joana decidiu-se a ir para o Cairo movida por dois objetivos: escrever um livro sobre dança oriental, com base na sua própria vivência em solo egípcio, e procurar melhores condições para desenvolver a sua arte.
“O trabalho que estou a fazer aqui, jamais, em 1000 anos, poderia desenvolver em qualquer outro país do mundo. Tenho uma equipa de músicos dos melhores do Egito a trabalharem para mim. Com muito esforço e luta, tenho construído o meu nome” – Joana Saahirah, assim batizada pelo seu primeiro professor.
Desde que começou a trabalhar no Cairo – como bailarina, coreógrafa e professora de dança e folclore egípcios -, recebeu convites para trabalhar no mundo inteiro. “O Egito foi o palco que me projetou para o mundo. Em Buenos Aires, dei ‘workshops’ para mais de 1000 alunos.”
Joana aprendeu o dialeto egípcio com os músicos JORGE SIMÃO
A polícia das bailarinas
Diz que os egípcios são tolerantes face a outras religiões, mas, “por exemplo, muitas vezes, vou a uma loja levantar material que encomendei para os meus espetáculos e a pessoa que está encarregue disso está a rezar”. A religião primeiro, o trabalho depois.
Quando chegou ao Cairo, vigorava uma lei que proibia as bailarinas estrangeiras de fazerem, profissionalmente, dança oriental e folclore egípcio. Felizmente para ela, a lei foi revogada. “Tive de assinar documentação em que me comprometia a não usar roupas que fossem contra a religião muçulmana. Como é que é possível?”
A polícia tem um departamento especial que fiscaliza o que as bailarinas vestem — Joana chama-lhe “a Polícia das Bailarinas”. “Nunca aconteceu comigo, mas sei de muitas bailarinas que foram levadas. Não é nada agradável. São tratadas como prostitutas. E depois são levadas para a esquadra exatamente como estão, com roupa de dança.”
Criar pontes entre Lisboa e o Cairo
Por força da sua vivência no Egito e das suas deslocações pelo Médio Oriente, Joana tem uma percepção das motivações que leva os povos — como o egípcio — a questionarem os respetivos regimes: “Existe uma abertura àquilo que eles consideram que é a qualidade de vida do ocidente. Nós sabemos que nem sempre essa imagem corresponde à realidade, mas eles não”, diz.
“Assim como nós sentimos um fascínio e um interesse pelo Médio Oriente, neste região — sobretudo após o advento da Internet, que veio abrir janelas —, começou a haver uma vontade de usufruir da qualidade de vida que eles projetam no ocidente. Há um desejo de liberdade de expressão e de esperança no futuro que é básico no ser humano.”
Joana Saahirah é já um nome reconhecido no Egito. A Portugal, já só vai de vez em quando, para ver a família. “Aqui, tenho os holofotes virados para mim. Quando saio do Egito é para atuar para milhares de pessoas, com condições que não existem em Portugal. Seria fantástico que, através do meu trabalho, eu pudesse criar uma ponte entre o Egito e Portugal.”
Com o Egito num impasse, os planos de Joana estão, por agora, hipotecados. À espera de dias melhores, a “bellydancer” viajou até Portugal. Em Lisboa, não consegue desligar de tudo o que se passa no Cairo: “Sofre-se mais à distância…”
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 6 de fevereiro de 2011. Pode ser consultado aqui
O filho mais novo de Hosni Mubarak, Gamal, demitiu-se da direcção do partido no poder. Não poderá candidatar-se à presidência do Egito. Reportagem no Egito, com fotos de Jorge Simão
A televisão estatal egípcia anunciou hoje que Gamal Mubarak, filho do chefe de Estado e apontado como seu sucessor na presidência do país, demitiu-se da direção do Partido Nacional Democrático.
Esta demissão inviabiliza uma eventual candidatura à presidência, nas eleições previstas para setembro. A saída de cena de Gamal era uma das exigências dos manifestantes anti-Mubarak, que continuam reunidos na praça Tahrir.
O secretário-geral Safwat al-Sharif também deixou a liderança partidária. “Os membros do comité executivo demitiram-se. Foi decidido nomear Hossam Badrawi secretário-geral do partido”, anunciou a televisão. Hossam Badrawi é considerado um reformista.
Hosni Mubarak continua líder do partido. Esta semana, num discurso à nação, anunciou que não se recandidatará à presidência. Os manifestantes exigem que ele abandone o país imediatamente e que saia do país.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 5 de fevereiro de 2011. Pode ser consultado aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.