Trabalhar no Afeganistão? E porque não?

É portuguesa, tem 30 anos e não pensou duas vezes quando lhe ofereceram trabalho no Afeganistão. Para quem opera na área do desenvolvimento, é dos países mais interessantes. Reportagem no Afeganistão

Quando lhe acenaram com uma proposta de trabalho no Afeganistão, Ana Carina, 30 anos, natural de Torres Vedras, não se deixou vencer pelo medo. Tinha acabado de trabalhar em Madagáscar, na área do desenvolvimento, e a vontade de continuar mundo fora falou mais alto do que os receios de viver num país em guerra.

“Não pensei muito, para ser sincera. Já tinha tentado vir duas vezes para o Afeganistão. Na área do desenvolvimento é dos países mais interessantes para se trabalhar. Há muito para fazer aqui”, diz.

Licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova, Ana Carina é funcionária da ONG francesa MADERA (Missão de Ajuda ao Desenvolvimento das Economias Rurais do Afeganistão). “Implementamos projetos nas áreas do desenvolvimento rural, florestas, ambiente, artesanato e desenvolvimento comunitário.”

A organização está presente no território desde 1988 e Carina, que partilha uma “guest-house” com outros expatriados, vive em Cabul desde há nove meses. Na MADERA, é responsável pela gestão de contratos, preparação de propostas de projetos e relatórios para os doadores.

Chegar onde o Governo não consegue

“A minha organização está muito bem infiltrada nas comunidades. Mesmo nas alturas mais difíceis, em que não há produção de atividade, arranjamos forma de continuar a pagar salários a essa rede de funcionários. Desta forma, temos acesso a locais onde o Governo, os militares e muitas outras ONG não conseguem ir, sobretudo nas montanhas do leste.”

Em Cabul, Ana Carina trabalha para a ONG francesa MADERA MARGARIDA MOTA

Um dos mais recentes projetos desenvolvidos pela MADERA foi uma campanha de vacinação de animais. A organização vendeu vacinas a preços subsidiados a comerciantes locais que, ao fim de algum tempo de atividade, começaram a ter lucro. Depois, apareceu na região uma outra organização que distribuiu vacinas gratuitamente. “As pessoas deixaram de ter necessidade de ir comprar e o mercado deixou de existir…”

A MADERA tem mais de 600 funcionários e apenas 15 são expatriados. “Os ‘managers’ são expatriados. E embora queiramos afeganizar os nossos quadros é extremamente difícil encontrar pessoas qualificadas com capacidade de gestão. Já encontrei alguns afegãos excelentes, mas são muito poucos e geralmente vão trabalhar para ONG que pagam muito melhor. As ditas ‘empresas humanitárias’, pagam mais a um afegão do que a Madera a um expatriado. Torna-se difícil manter as pessoas.”

Vida dupla para enganar os talibãs

Ana Carina encontrou-se com o Expresso no “Flower Street Cafe”, um restaurante frequentado por funcionários internacionais — e onde no menu não consta comida afegã —, situado na área de Taimani, em Cabul. Terminado o almoço, instintivamente, colocou o lenço na cabeça para voltar à rua.

Para qualquer estrangeira, manda o bom senso (e a insegurança no país) que se ande sempre acompanhada, preferencialmente, na companhia de alguém conhecedor do terreno, que garanta um mínimo de segurança.

Carina tem à espera o motorista. “Só me posso movimentar com motoristas e em carros da organização, quer vá para o trabalho e no caso de saídas pessoais, à noite e ao fim-de-semana. Não posso andar sozinha na rua, não tanto por causa das bombas mas mais pelo risco de rapto.”

O Expresso regressou a Camp Warehouse na companhia de um dos tradutores em serviço para o contingente português. Enaiatollah (nome fictício) trabalha para os militares portugueses desde 2006. A mulher sabe o que faz para ganhar a vida e a sogra também, mas o resto da família e os vizinhos pensam que ele é médico. “Se os talibãs descobrem que eu trabalho para a ISAF (coligação internacional) cortam-me a cabeça!”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de abril de 2011. Pode ser consultado aqui

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