Antes da missa… há ensaio!

Aos domingos, às 18h, há missa na capela adstrita ao contingente português, em Camp Warehouse. Um coro de militares anima a celebração. Reportagem no Afeganistão

A noite caiu fria e, no céu, relâmpagos aparatosos ameaçavam com uma carga de água sobre Cabul. À saída do refeitório português, o sargento-chefe Botelho não podia ser mais sincero: “Hoje, não me apetecia muito ir ao ensaio, mas o Capelão já me viu no refeitório…”

O contingente português tem um coro que anima a missa aos domingos na capela de Camp Warehouse. “Devia ter-nos ouvido há umas semanas… Éramos muitos e já cantávamos a várias vozes. Mas, entretanto, mais de metade do coro já se foi embora…”

Capela do contingente português, em Camp Warehouse MARGARIDA MOTA

Quando o Botelho entra na Capela, já alguns elementos do coro estão de cancioneiro na mão a escolher os cânticos para a próxima missa. O Capelão Silva dá liberdade de escolha, preocupado apenas em verificar se as músicas preferidas são adequadas ao tempo da Quaresma.

Guitarristas novatos 

Começa o ensaio e é notório que os coralistas — seis vozes no total, duas delas femininas — têm a maioria dos cânticos sabidos. A maior dificuldade passa por sincronizar as vozes com as três guitarras, duas delas acabadas de chegar ao grupo.

Teixeira, em início de missão como chefe da oficina portuguesa do Campo, empenha-se a marcar acordes nas partituras. Gato, que costuma fazer uma perninha como DJ no bar português — o mais concorrido de Camp Warehouse — não engata com as repetições dos cânticos. “É preciso eu pegar na guitarra para tocar isso em condições?”, ameaça o Reis. “Cheguei a ter aulas. Aprendi cinco notas…”

Lopes, que tem conhecimentos musicais e participa no grupo tocando flauta de bisel, sugere introduções musicais para os cânticos. E assume o papel de maestro quando vozes e guitarras não se entendem no andamento.

Dono de uma voz forte e afinada, Botelho quase desespera: “E pensava eu que isto ia ser rápido…” Do meio da confusão rítmica, alguém desabafa: “Vá lá pessoal, já vi funerais mais animados do que isto…”

Aos poucos, músicos e coralistas acertam no compasso. “Parecemos os U2!”, dispara um. Mas pelo sim pelo não, e porque este domingo é a última missa para alguns militares, de malas feitas para regressar a casa, o Capelão Silva agenda outro ensaio para uma hora antes da eucaristia. “Apareçam, temos de passar os cânticos outra vez!”

Capela, uma herança espanhola

A capela de Camp Warehouse foi construída pelo contingente espanhol e herdada pelos portugueses após nuestros hermanos saírem do Campo. Desde então, o templo foi beneficiado com a colocação de um sino, encomendado a uma empresa de Braga, e de vitrais, pintados pelos militares portugueses.

A ladear o altar, há uma imagem de Nossa Senhora de Fátima e um Santo da devoção dos croatas. O contingente croata também se serve da Capela para organizar as suas cerimónias.

Vitral da capela MARGARIDA MOTA

Para além dos ensaios do coro, na Capela há catequese e sessões de formação humana e religiosa. No dia 24 de dezembro de 2010, teve lugar uma celebração, animada pelo Coro, que reuniu os Capelães português, francês, croata e a pastora protestante do contingente alemão.

Num cenário tão duro quanto o Afeganistão, é legítimo pensar que, em momentos, alguns crentes possam questionar a sua própria fé: “Muito pelo contrário”, responde o Capelão Silva. “Muitos aproximam-se da Igreja e a sua crença (tratando-se de praticantes ou não) vem ao de cima. Há militares que nas suas terras não vão à missa e aqui até participam no coro. Vão a Fátima antes de vir em missão. Pedem para benzer o terço que os acompanha para todo o lado durante a missão.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de abril de 2011. Pode ser consultado aqui

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