Kim Jong-il sai de cena e deixa como herdeiro um filho de 29 anos. Haverá luta pelo poder? Endurecimento do regime? Perestroika?

Um jovem de 29 anos, sem experiência política nem carreira militar, à frente de um país dotado de armas nucleares e considerado ‘pária’ a nível internacional é caso para inquietar os quatro cantos do mundo. É o que se passa na Coreia do Norte onde, após a morte do líder Kim Jong-il, na sequência de um ataque cardíaco, faz hoje uma semana — o funeral será só na próxima quarta-feira —, o seu filho Kim Jong-un foi confirmado na liderança do país.
“Surpreender-me-ia pouco se, tal como o seu pai, Kim Jong-un demorasse alguns anos a consolidar o poder. Kim Jong-il não liderava sozinho. Fazia parte de um triunvirato, partilhando o poder com um chefe do Governo e um presidente do Parlamento”, comentou ao Expresso Armando Marques Guedes, professor de Geopolítica no Instituto de Estudos Superiores Militares.
Apesar de a Coreia do Norte ter uma imagem monolítica, o aparelho político pode ser a chave para impedir que o país se torne um joguete nas mãos de um imaturo membro da dinastia Kim — que governa a República Democrática da Coreia desde a sua criação, em 1948.
Kim Jong-un herda do seu excêntrico e mitómano pai — promovia a ideia de que não tomava banho porque o seu corpo não produzia fezes — um país ‘de ficção’. A Coreia do Norte é o último regime estalinista puro à face da Terra. Em solidariedade, Cuba decretou três dias de luto e o Partido Comunista Português “expressou condolências ao povo coreano”.
Dotado de um arsenal nuclear — o hermetismo do país leva a especulação a oscilar entre seis e 12 bombas — e de um exército com 1,2 milhões de homens, é também um país com dificuldades em alimentar a sua população (24 milhões de pessoas) — a superfície arável é escassa e com a desagregação da URSS, a Coreia do Norte perdeu o seu principal parceiro comercial.
Kim Il-sung fizera assentar o desenvolvimento do país no conceito de juche (“autossuficiência”) mas crises cíclicas de má gestão combinadas com inundações gigantescas em meados da década de 1990 arruinaram a economia e mataram à fome estima-se que entre 5% a 10% da população. “Kim Jong-il adotou uma ‘economia socialista de mercado’ e começou um processo acelerado de exigência de ajudas alimentares externa. Obteve-a — quantas vezes sob ameaça — de uma Coreia do Sul então como hoje de vento em popa economicamente falando, e ainda negociando com a China e os EUA em condições de extrema dureza”, refere Armando Marques Guedes. “No início do milénio, Kim Jong-il conseguira delinear uma nova política externa com reatamento de relações com a Coreia do Sul e algumas concessões táticas aos EUA, mantendo sobre ambos enormes pressões político-militares, designadamente a obtenção, em 1994, de armas nucleares.”
Bolachas para alimentar o povo
Durante a última ronda de conversações, na semana passada, em Pequim, entre os EUA e a Coreia do Norte, ficou patente a ansiedade norte-coreana em garantir dos norte-americanos o fornecimento de 20 mil toneladas mensais de bolachas e barras de cereais, durante um ano. Em contrapartida, Pyongyang faria cedências ao nível do seu programa nuclear e regressaria à mesa das negociações a Seis (EUA, Rússia, China, Japão e Coreias), iniciadas após a saída da Coreia do Norte do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, em 2003.
Desde que, em 2002, George W. Bush inscreveu a Coreia do Norte no “eixo do mal” que Pyongyang teme ser a etapa seguinte de um ‘ajuste de contas’ iniciado no Iraque. Porém, é o interminável conflito com o vizinho a sul que consome recursos e alimenta paranoias.
“Um conflito com os sul-coreanos seria devastador para estes últimos, caso tivesse (como tudo indica) uma dimensão não-convencional, que incluísse armas de destruição maciça. Seul está facilmente ao alcance dos mísseis de Pyongyang. Seria também catastrófico para o regime norte-coreano, tendo em vista a garantia de segurança norte-americana e a presença robusta de forças de Washington na região”, explica o professor.
Na segunda-feira, Barack Obama falou com o seu homólogo sul-coreano, Lee Myung-bak, e reafirmou “o forte compromisso dos EUA para com a segurança do nosso aliado próximo”. Os EUA têm 30 mil homens em solo sul-coreano. “Pyongyang não tem forças militares capazes de fazer frente a nenhum dos dois adversários”, diz Marques Guedes. “O que tem é uma disponibilidade maior do que a de qualquer deles em absorver perdas num eventual conflito. E colocou-se progressivamente na posição de ter de criar ameaças periódicas que tornem claro esse diferencial de disponibilidade.” De tempos a tempos, o alerta dispara nas Coreias, ora a propósito de atritos navais ora devido ao disparo intimidatório de mísseis.
“O regime norte-coreano aprendeu a manipular essa capacidade em assumir riscos impensáveis para os adversários e dela extrair ganhos, pondo em cheque a sua população, sem hesitações. Os vizinhos veem-se na contingência de conceder apoios cada vez maiores pela esperança que nutrem em ver o Estado-Partido implodir, o que só acontecerá quando deixar de conseguir controlar a população por intermédio de expedientes ideológicos dia a dia mais surreais; e se, em simultâneo, deixar de conseguir exportar tecnologia termonuclear num mercado internacional em expansão. O Estado norte-coreano constitui uma ameaça global. Logrou transformar-se numa espécie de bombista-suicida coletivo disposto a irradiar destruição ao seu redor.”
UM APAIXONADO
POR BASQUETEBOL,
UMA INCÓGNITA NA POLÍTICA
Kim Jong-un nasceu em janeiro de 1983 — tem, por isso, 28 anos. Mas por conveniência do regime, ‘foi envelhecido’ um ano. A campanha de propaganda desenvolvida pelo Partido dos Trabalhadores — o único partido na Coreia do Norte — elegeu 2012 como o ano em que o país se converterá numa “nação forte e próspera” e Pyongyang quer que essa conquista coincida com o 30º aniversário do novo líder. Oficialmente nascido em janeiro de 1982, Kim Jong-un é o mais novo de três filhos de Kim Jong-il. A mãe, Ko Young-hee, era uma bailarina de ascendência coreana, nascida em Osaca (Japão). Faleceu em 2004, estima-se que de cancro da mama. O novo líder norte-coreano estudou no Colégio de Steinhoelzli, na Suíça, onde era conhecido pelo nome Pak Un. Colegas de então enumeram o gosto pelo basquetebol — era fã dos Chicago Bulls — e pelos filmes de Jackie Chan. Em 2009, um ano após o pai ter sofrido uma apoplexia que acelerou o processo de sucessão, foi designado “brilhante camarada” pelo pai. Ingressou na carreira militar e foi graduado general de quatro estrelas, o que causou algum desagrado nas altas patentes. Com a morte do pai (o “querido líder”), ganhou o epíteto de “grande sucessor”. Impreparado para o cargo, há quem aponte o tio, Jang Song-thaek, como o líder de facto.
GUERRA E PAZ NA PENÍNSULA
1983 — A 9 de outubro, o Presidente da Coreia do Sul, Chun Doo-hwan, é alvo de um atentado, durante uma visita à Birmânia. Um dos bombistas confessou ser um militar norte-coreano
1990 — A 3 de março, é detetado um túnel cavado pelos norte-coreanos sob a Zona Desmilitarizada. Foi a quarta descoberta desde 1974
1991 — A 17 de setembro, a República da Coreia (sul) e a República Popular Democrática da Coreia (norte) aderem às Nações Unidas
2000 — Primeira cimeira interpresidencial
2003 — A Coreia do Norte retira-se do Tratado de Não-Proliferação Nuclear
2006 — A Coreia do Norte testa o míssil Taepodong-2, de longo alcance
2007 — Comboios de passageiros cruzam a fronteira entre as Coreias, pela primeira vez em 56 anos
2010 — Afundamento do navio de guerra sul-coreano “Cheonan”, a 26 de março, no mar Amarelo. O ataque, atribuído à Coreia do Norte, matou 46 marinheiros
Artigo publicado no “Expresso”, a 23 de dezembro de 2011






































