O regresso da Dama de Rangum

Aung San Suu Kyi está disposta a participar nas eleições de abril. Já se fala numa ‘primavera birmanesa’

Aung San Suu Kyi, a 22 de março de 2012, numa ação de campanha para as eleições de abril, em Kawhmu HTOO TAY ZAR / WIKIMEDIA COMMONS

A Dama de Rangum está de volta ao combate político. Vinte e dois anos após ter vencido as eleições legislativas em Myanmar — e de ter sido impedida de governar pela junta militar —, a Prémio Nobel da Paz apresentou, na quarta-feira, na comissão eleitoral birmanesa, uma lista de candidatos da sua Liga Nacional para a Democracia às eleições parciais de 1 de abril.

Em causa estarão apenas 48 dos 440 lugares da câmara baixa do Parlamento, deixados vagos por personalidades que entraram para o Governo. Suu Kyi será candidata pelo círculo de Kawhmu, uma zona pobre a sul de Rangum devastada, em 2008, pelo ciclone Nargis.

Ainda que o seu partido arrebate os 48 lugares, ficará com um poder reduzido num hemiciclo dominado ainda por militares e seus aliados. Mas só o facto de Suu Kyi ganharum palco para se fazer ouvir, no coração do poder, é uma conquista histórica. Recorde-se que a Nobel da Paz 1991, de 66 anos, passou 15 dos últimos 21 anos de vida numa “prisão” situada no número 54 da Avenida da Universidade, em Rangum — a sua própria residência.

O anúncio do regresso de Suu Kyi à política segue-se à libertação, fez ontem uma semana, de 650 prisioneiros políticos, entre os quais vários ativistas pró-democracia — entre os quais Min Ko Naing, o líder do movimento estudantil Geração 88 —, monges budistas que participaram na chamada ‘revolução de açafrão’ de 2007 e generais, agentes dos serviços secretos e um ex-primeiro-ministro, detidos na sequência de uma luta pelo poder, em 2004.

“Com a libertação de vários presos políticos proeminentes, a esperança está a substituir a dúvida em relação a um Myanmar mais livre e melhor. A libertação dos presos políticos injetou uma energia nova e impulsionou o espírito de reconciliação no país”, comentou, em editorial, o jornal “The Irrawaddy”, fundado em 1992 por birmaneses exilados na Tailândia.

O dedo do novo Presidente

Em entrevista publicada, na segunda-feira, no jornal francês “Libération”, Aung San Suu Kyi interpretou as razões destas mudanças. “Têm muito que ver com o Presidente Thein Sein e os outros reformadores no Governo, que se aperceberam da necessidade da mudança na Birmânia” (ver outras citações no fim do texto).

Desde março que o país tem um novo Executivo que cedo deu sinais de abertura. Paralelamente ao diálogo com Aung San Suu Kyi e à libertação de presos políticos, as novas autoridades assinaram um cessar-fogo com os rebeldes de etnia karen. Na quinta-feira, iniciaram conversações com os insurgentes da etnia kachin. Oficialmente, estão registadas no país 135 etnias.

Os EUA deixaram cair o rótulo de “pária” e anunciaram o envio de um embaixador para Myanmar — o que não acontecia há 20 anos. Há quem já fale numa ‘primavera birmanesa’, mas Suu Kyi é cautelosa: “Não estamos fora de perigo. Precisamos de mudanças suplementares. Não usarei a palavra ‘irreversível’, porque nada é irreversível”.

Citações de Aung San Suu Kyi

Concordo com a ideia de que as sanções devem ser levantadas passo a passo, seguindo de perto os progressos realizados

Faremos campanha pela resolução dos problemas com as etnias nacionais (…) e para que o maior número de pessoas saia da pobreza. Propomos projetos de microcrédito

NOS CINEMAS

“The Lady — Um Coração Dividido” revela o dilema de Aung San Suu Kyi entre viver com a família no Reino Unido e ir para Myanmar lutar pela democracia. O filme é realizado pelo francês Luc Besson. A atriz malaia Michelle Yeoh é Suu Kyi.

 

Artigo publicado no Expresso, a 21 de janeiro de 2012

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