Votação em massa esconjura guerra civil

Só havia um candidato, mas o povo aclamou Al-Hadi e o ex-ditador cedeu o poder. No Iémen, a Primavera Árabe acabou em bem

Depois da turbulência, a hora é de reconstruir o Iémen CARLOS LATUFF / WIKIMEDIA COMMONS

Para muitos iemenitas não passou de um desperdício de tempo. Para quê sair de casa para votar quando no boletim constava um único nome? Ainda assim, na terça-feira, mais de 70% dos cerca de 10 milhões de eleitores não quiseram falhar esse encontro com a história. Afinal, votar significava contribuir para a eleição de Abd Rabbuh Mansur al-Hadi — vice-presidente do Iémen desde 1994 — e, paralelamente, para o afastamento definitivo de Ali Abdullah Saleh, após 33 anos no poder.

“O novo Presidente, Abd Rabbuh Mansur al-Hadi, era o candidato único e consensual numas eleições extraordinárias encaradas pela maioria dos iemenitas e pela comunidade internacional como a única forma de salvar o Iémen de uma guerra civil”, escreveu, quinta-feira, o jornal “Yemen Observer”.

Abd Rabbuh Mansur al-Hadi, de 67 anos, é oriundo de Abyan, no Sul, onde um movimento secessionista acusa o Norte de marginalização (até 1990, o território estava dividido em dois países soberanos: Iémen do Norte e Iémen do Sul).

O novo Presidente goza, assim, de uma legitimidade que poderá torná-lo um interlocutor mais respeitado pelos rebeldes do Sul. Recorde-se que o Iémen é o principal porto de abrigo da Al-Qaida na Península Arábica que, no ano passado, proclamou, precisamente em Abyan, um emirado islâmico.

O Iémen é um dos países mais pobres do mundo, com uma escolaridade média de apenas 2,5 anos, segundo o último Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. Logo, vulnerável à instabilidade na vizinhança.

Na quinta-feira, o comandante das forças da União Africana na Somália, Fred Mugisha, afirmou que perto de 300 membros da milícia islamita Al-Shabaab — que têm vindo a perder terreno e fontes de rendimento — tinham fugido para o Iémen, no outro lado do Golfo de Aden.

Recorde-se ainda que os iemenitas têm sido sempre um dos contingentes nacionais mais numerosos em Guantánamo, nestes últimos dez anos.

Calendário político

Após as eleições de terça-feira, o Iémen entra num período de transição. Seguir-se-á a elaboração de uma Constituição — que consagrará um regime civil — e as eleições presidenciais, previsivelmente em fevereiro de 2014. Depois, o Presidente eleito agendará as eleições legislativas.

No contexto da chamada Primavera Árabe, o líder do Iémen foi, assim, o primeiro a abandonar o poder através de uma solução negociada. Na Tunísia, Ben Ali — exilado na Arábia Saudita — foi condenado, à revelia, por corrupção. No Egito, Hosni Mubarak, acusado de ter ordenado a morte de manifestantes, vai conhecer o veredicto a 2 de junho. E na Líbia, Muammar Kadhafi foi linchado por rebeldes.

No Iémen, Ali Abdullah Saleh apenas assinou o acordo de transferência de poder — mediado pelo Conselho de Cooperação do Golfo — após nove meses de contestação popular. Beneficiando de imunidade, Saleh tem estado nos EUA em tratamentos médicos. No Iémen, aguarda-se o seu regresso para assistir à cerimónia de tomada de posse do sucessor, na próxima semana. Será a confirmação de que a revolução iemenita é aquela que, pelo menos a curto prazo, tem um impacto político menor.

Artigo publicado no Expresso, a 25 de fevereiro de 2012

Dispensar as milícias é criar um vazio de segurança

As milícias que fizeram a revolução contra Muammar Kadhafi são as forças que hoje garantem a segurança do país. Em entrevista ao Expresso, o embaixador de Portugal em Tripoli, Rui Lopes Aleixo, mostra-se otimista em relação ao futuro da nova Líbia

Rui Lopes Aleixo, embaixador de Portugal em Tripoli JORGE SIMÃO

A revolução líbia está refém das milícias?
Se a revolução está refém das milícias, as milícias também estão reféns da revolução. As milícias, com o decorrer do tempo, assumiram o papel de forças armadas e são, na prática, a polícia e o exército do país, neste momento. Não é possível dispensar as milícias sem criar um vazio de segurança. De certo modo, as milícias também estão reféns da revolução. Não é possível dissolve-las subitamente. O projeto do governo é, a pouco e pouco, desarmar, dissolver, dar formação a alguns elementos das milícias e integra-los no futuro exército e na futura polícia. Esse processo está a ser muito lento.

Estas milícias têm uma base tribal?
Não têm qualquer base tribal nem territorial. Em Tripoli, por exemplo, há duas brigadas. Uma tem origem em Zindan, que é uma cidade nas montanhas a ocidente de Tripoli, e a outra na cidade de Misurata, que fica a 200 quilómetros para leste de Tripoli. Elas integram pessoas oriundas de toda a Líbia, embora com alguma coincidência oriundas dessas áreas. Porque é que se chamam “de Zindan” e “de Misurata”? Porque os comandantes são daí. As brigadas englobam pessoas de várias origens e etnias, mas o comando é daquelas zonas. Presentemente, já há uma pirâmide hierárquica: há o ministro do Interior, o ministro da Defesa, o conselheiro nacional de segurança, o chefe de Estado-Maior das Forças Armadas… Os comandantes destas brigadas já estão enquadrados numa estrutura de comando. E quando desenvolvem ações, como por exemplo “checkpoints”, fazem-no em cumprimento de ordens que chegam dos seus chefes

Recentemente, o líder do Conselho Nacional de Transição (CNT), Mustafa Abdul-Jalil, admitiu alguma lentidão no processo de controlo das milícias…
Não estou certo que o processo pudesse ter sido mais rápido. Nós, ocidentais, temos uma visão das coisas à semelhança do que se passa nos nossos países. Nem sempre o ritmo, na Líbia, pode ser esse. Estamos a falar de um país muito extenso onde, por exemplo, as cidades do leste (a zona a que se chama Cirenaica) estão em paz há muitos mais meses do que Tripoli e as cidades do ocidente (da chamada Tripolitânia), onde a guerra acabou há pouco mais de quatro meses. A situação de segurança nestas regiões é muito diferente. Se formos a Bengazi (no leste), que foi o berço da revolução, a cidade está tranquila, a vida normalizou, iniciaram a recuperação e a integração de todas as grandes forças que participaram na revolução.

Ajustes de contas próprias do pós-guerra

Um relatório recente da Amnistia Internacional denunciou abusos a suspeitos kadhafistas por parte de milícias. Há zonas da Líbia onde a segurança ainda é vulnerável?
Há, efetivamente. Esses casos foram pontuais. Passaram-se numa prisão, em Misurata. O governo já reconheceu que houve abusos e está aberto à cooperação sobretudo com as ONG humanitárias internacionais. E até agradeceu publicamente o terem denunciado esses abusos. Por vezes, há conflitos localizados. Por exemplo, disputas relacionadas com reivindicações de casas, terras ou alguns ajustes de contas que são inevitáveis depois de um conflito interno. Não são generalizados, de maneira alguma. Infelizmente, causam vítimas com frequência, porque há um grande número de armas nas mãos da população.

O que querem as milícias?
A maior parte dos membros das milícias são muito jovens, têm entre 18 e 30 anos. O desemprego entre os jovens ultrapassava os 30%. Julgo que o problema relativo à integração não passa tanto pela sua distribuição pelo exército e pela polícia. É antes um problema de qualificação, de formação profissional e de criação de empregos para que estas pessoas tenham um futuro. Não digo que a revolução teve origem em questões sociais. Não foi, como noutros países, uma questão de marginalização social que levou à revolução. Acho que foi uma ânsia de liberdade e a vontade de criar um país moderno e aberto. Agora, há este problema de integração destas pessoas numa sociedade estável, em que todos tenham emprego e consigam sobreviver sem depender de subsídios estatais, que era o que acontecia antes.

Os saudosistas de Kadhafi são a grande ameaça à estabilidade da Líbia?
Haverá, com certeza, pessoas descontentes com a revolução. Mas não vejo uma massa significativa de gente que queira voltar atrás, se isso fosse possível. Por outro lado, também não há uma figura simbólica ou alguém que possa aglutinar alguns simpatizantes do antigo regime.

Nem mesmo o filho de Muammar Kadhafi que está no Níger, Saadi Kadhafi?
Não. Os filhos não tinham prestígio. O regime era o pai, não os seus descendentes.

Aprender com os erros dos outros

A 21 de junho, haverá eleições para a assembleia constituinte. Estão a ser criados partidos políticos?
Ainda não há uma lei dos partidos. Às eleições concorrerão listas nominais. As pessoas votarão em candidatos e não em partidos políticos. Essa assembleia, de 200 membros, vai aprovar a Constituição e um novo governo que terá como encargo, esse sim, publicar a lei dos partidos políticos e preparar as eleições parlamentares, que terão lugar cerca de um ano depois.

Será um sufrágio universal?
Toda a gente vota, mas nem toda a gente pode ser eleita. Estão excluídos de capacidade eleitoral passiva todos os colaboradores do regime anterior. É um dos pontos controversos deste processo eleitoral. Ainda não foi possível ao governo publicar uma lei de amnistia. Está em preparação e se vier a ser publicada, o número de excluídos será menor.

Quem é visado por este impedimento?
Todas as pessoas que foram ministros, governadores, membros das forças de segurança e de polícias secretas, pessoas que tiveram um papel ativo no regime anterior e que, nalguns casos, são culpados de repressão. Enquanto não começarem os julgamentos no âmbito daquilo que se designa por “justiça de transição” — ou seja os julgamentos de pessoas que estão presas e outras que podem vir a ser acusadas de crimes económicos ou políticos — não há um critério objetivo e claro de quem é culpado e de quem não é.

A nova Líbia está a funcionar de acordo com a estrutura administrativa anterior? Ou houve a tentação de, como no Iraque após a queda de Saddam, destruir as estruturas do regime anterior?
As autoridades líbias têm estado a evitar os erros cometidos noutros sítios. Houve mudanças de chefias, mas não houve uma desarticulação completa da administração. Gradualmente, as autoridades têm procurado que a administração funcione com outras pessoas à frente.

Momento é bom para as empresas portuguesas

O elemento islamita está a manifestar-se de alguma forma?
Há correntes islâmicas. Em geral, o Islão na Líbia é moderado. Haverá alguns elementos mais radicais. Uma vez que não há partidos, é difícil quantificar. Não me parece que haja o perigo de um movimento radical. Não tenho dúvidas de que vão aparecer partidos islâmicos. Mas julgo que não constituem um perigo para a abertura do país e para a democracia.

Dizia-se que a Líbia iria demorar muitos anos a recuperar os seus níveis de produção de petróleo…
A produção de petróleo recuperou muito mais depressa do que aquilo que se esperava. Há uma retoma da vida económica e social, o que é notável para um país que saiu de uma guerra civil há apenas quatro meses.

As empresas portuguesas a operar na Líbia já regressaram?
Já regressaram algumas empresas e praticamente todas as que aqui estavam já restabeleceram os seus contactos. Mas para começarem a trabalhar, em muitos casos, as condições ainda não estão completamente criadas. Mas o momento é bom. Portugal tem uma ótima imagem e, neste momento, a concorrência não é tão feroz como era antes. Há muitos países que ainda não voltaram. Não há razão nenhuma para as pessoas não virem. Às vezes, o discurso político e, sobretudo, as informações das agências noticiosas não coincidem com a situação real no terreno. Este é o momento para os empresários portugueses procurarem aqui contactos.

Muitas vezes, diz-se que a sociedade líbia, por ser tribal, vai ter dificuldade em fazer vingar um sentimento de unidade nacional…
Não concordo que a Líbia seja uma sociedade tribal. É um país onde há tribos, as pessoas sentem-se parte de uma tribo, mas as tribos estão dispersas por todo o país. Não há uma coincidência territorial. Eu acho que há um sentimento nacional e de unidade. E a revolução reforçou esse sentimento. Esse elemento tribal existe sobretudo como um laço de família e como um laço cultural, mas não como um elemento político que vá ter influência no desenvolvimento do país.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 25 de fevereiro de 2012. Pode ser consultado aqui

Revolução líbia refém das milícias

A revolução na Líbia começou a 17 de fevereiro de 2011. Um ano depois, as milícias querem ser recompensadas pelo papel que tiveram no derrube de Muammar Kadhafi. Um líbio comenta a situação a partir de Misrata

Cirenaica, Tripolitânia e Fezzan: as três regiões da Líbia BLINX THE KITTY / WIKIMEDIA COMMONS

Um dos primeiros julgamentos da era da “nova Líbia”, realizado num tribunal de Bengazi, foi interrompido na passada quarta-feira de forma insólita. No banco dos réus, deveriam sentar-se cerca de 50 pessoas, suspeitas de ligações ao regime de Muammar Kadhafi e acusadas de “traição à revolução”. Porém, o juíz viu-se forçado a adiar a sessão.

Os acusados estavam em poder de uma milícia — os Mártires 17 de fevereiro — que recusou transportá-los ao tribunal. Um ano após o início da revolução, a Líbia parece estar nas mãos das milícias. Mustafa Abdul-Jalil, o líder do Conselho Nacional de Transição (CNT) — que herdou o poder de Kadhafi — afirmou na quarta-feira, em entrevista à Al-Jazeera: “Após a libertação do país, as fraquezas do CNT vieram à tona.”

Milhão e meio de armas nas ruas

Abdul-Jalil tem sido criticado por não conseguir impor a autoridade do CNT. Na entrevista à Al-Jazeera, culpou também os rebeldes por recusarem voltar à vida civil ou integrarem as forças de segurança. “Porque não regressam os funcionários aos seus empregos? Porque não voltam os polícias ao trabalho?”, disse. A polícia desapareceu durante a revolução e apenas metade dos agentes regressaram depois ao serviço.

Derrubado o regime de Kadhafi, após uma guerra civil de oito meses, que provocou cerca de 30 mil mortos, na Líbia reinam hoje as milícias. Estima-se que entre 100 e 300, conforme as fontes, organizadas por cidades ou bairros.

Ao todo, haverá mais de 125 mil homens armados. Há quem fale em 1,5 milhões de armas distribuídas pelas ruas. Recolher essas armas e integrar socialmente os combatentes é, atualmente, o grande desafio do CNT.

Perigos do lado de lá da fronteira

Para as milícias, o facto de terem feito a guerra contra Kadhafi dá-lhes direito a reclamar dividendos. Todas querem o seu quinhão pelo fim de Kadhafi. Em Tripoli, por exemplo, há duas grandes fações. De um lado, a legião Misrata Sadoon Swayhil que alega ter contribuído decisivamente para a captura e execução de Kadhafi. Por outro, as cinco brigadas Zintani, que libertaram a parte ocidental da capital e ainda ocupam o aeroporto.

Porém, fazer coincidir o nascimento de milícias na Líbia com a revolução é um erro. Recorde-se que a segurança do regime de Kadhafi assentava em forças paramilitares, a mais famosa das quais a Brigada Khamis, comandada pelo seu filho mais novo, Khamis Kadhafi, assassinado a 29 de agosto do ano passado.

Num telefonema para a estação Al-Arabiya, Saadi disse que tem contactos regulares com líbios descontentes com as autoridades do CNT. De imediato, a Líbia pediu a sua extradição. 

As conquistas da revolução

Oficialmente, a revolução líbia começou a 17 de fevereiro de 2011, a NATO começou a bombardear a 19 de março, Kadhafi foi executado a 23 de agosto e Tripoli capitulou pouco depois. O atual governo interino está em funções desde 22 de novembro. Muito se questiona se não é prematuro atribuir fracassos ao CNT. O próximo passo no calendário político é a realização de eleições para a assembleia constituinte, a 21 de junho, que irá elaborar uma Constituição.

“A Líbia não precisa só de pontes e estradas, precisa de construir todo um sistema político”, disse na quarta-feira, em Lisboa, Rafik Abdessalem, ministro dos Negócios Estrangeiros da Tunísia, durante uma palestra na Universidade Católica.

Por ter sido pioneira, a Tunísia é uma espécie de “farol” das chamadas Primaveras Árabes. Simultaneamente, uma observadora atenta de tudo o que se passa nesse contexto. “A Líbia pode precisar de tempo, mas estou otimista. Tem uma sociedade homogénea sem divisões étnicas ou religiosas”, disse Abdessalem.

BASSIT, LÍBIO, 31 ANOS

“Há armas por todo o lado. Alguns apoiantes do regime anterior também têm armas. Se nós ficarmos sem armas, dá para imaginar o que acontecerá a seguir… As coisas ainda estão instáveis, ainda assim estão mais seguras. Em Misrata, a situação está melhor, em termos políticos e ao nível das condições de vida.”

“Saadi, o filho de Kadhafi, continua vivo, no Niger. Quase de certeza que tem consigo uma grande quantidade de dinheiro e ouro. Milhões e milhões. Por isso, ele pode organizar um exército.”

“Em Kufra, uma cidade no sudeste da Líbia, os rebeldes apanharam 80 jipes Toyota com mercenários, a maioria provenientes do Chade. Nalguns carros, foram encontrados dólares. Os rebeldes de Kufra são muito fortes. Chamam-lhes leões do deserto.”

“Há muitas brigadas em Misrata. Há um comité para os rebeldes que superintende todas as brigadas na Líbia.”

“Há alguns dias, surgiram oportunidades de emprego e outros privilégios para os rebeldes. Isto vai ajudar a construir uma nova Líbia. A guerra acabou em outubro e, dia após dia, os rebeldes não recebem apoio monetário e tornam-se menos interessados em continuar com esta revolução. Mas precisamente hoje, em Misrata, foram oferecidos empregos com bons salários, emprego na área da segurança.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de fevereiro de 2012. Pode ser consultado aqui

Conheça os nomes da ‘Pietà’ iemenita

A mulher chama-se Fatima. O jovem Zayed. São os protagonistas da imagem vencedora do World Press Photo de 2012. Mãe e filho iemnistas pensavam tratar-se de uma brincadeira

Os protagonistas da imagem vencedora da edição deste ano do World Press Photo já têm nome. Fatima Al-Qaws é a mulher velada que abraça o filho, Zayed Al-Qawas, de 18 anos, ferido durante uma manifestação contra o regime iemenita.

O “Yemen Times” chegou à fala com Fatima, que recorda esse dia, 15 de outubro de 2011. “Tudo aconteceu após um ataque contra os manifestantes, na Rua Al-Zubairy”, uma espécie de “linha da frente” no confronto entre os manifestantes antirregime e as forças de segurança do (então) Presidente Ali Abdullah Saleh.

“Fui para o hospital de campanha e não encontrei o meu filho entre os mortos ou feridos. Continuei a procurar no local e vi meu filho deitado no chão, sufocado com gás lacrimogéneo. Então, abracei-o. E ele [o jornalista Samuel Aranda] deve ter tirado a foto naquele momento.”

Um apoio à revolução

Fatima, que vive na capital, Sana, explica que apenas teve conhecimento da foto após uma sobrinha, que vive nos Emirados Árabes Unidos, lhe ter telefonado. Mas não compreendeu de imediato do que se tratava.

“Pensei que a foto de que as pessoas falavam tinha a ver com a minha entrevista à Suhail TV e à Aljazeera, alguns meses antes”, disse. “Por isso, não prestei muita atenção”. Mas só até a sobrinha continuar a insistir para que visse a fotografia.

Fatima viu a imagem, pela primeira vez, no telemóvel do filho. Inicialmente, o próprio Zayed pensou tratar-se de uma brincadeira. “Nunca esperaria que esta foto vencesse, entre milhares de outras. É um grande apoio à revolução. Revela que os iemenitas não são extremistas”, disse o jovem Zayed.

No Twitter, Samuel Aranda, o fotógrafo espanhol que captou a imagem entretanto já apelidada de nova ‘Pietà’, regozijou-se pelo trabalho de investigação do “Yemen Times”: “Muito obrigado por tudo, povo do Iémen! Vemo-nos em breve.”

Samuel Aranda vive em Sidi Bou Saïd, na Tunísia. O seu trabalho pode ser apreciado em http://www.samuelaranda.net

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 14 de fevereiro de 2012. Pode ser consultado aqui

Liberdade para falar, só se Teerão deixar

No Irão, a liberdade de expressão tem custos. Os internautas estiveram quatro dias sem acesso ao email. E um bloguer acaba de ser condenado ao exílio interno por criticar as políticas do Governo

Os internautas iranianos respiraram hoje de alívio quando, ao fim de quatro dias sem comunicações, os serviços de email foram repostos. 

Segundo a agência iraniana Mehr, mais de 30 milhões de usuários do Gmail, Yahoo e Hotmail foram afetados pela interrupção nos serviços. “Internet lenta, falhas na ligação e acesso interdito” a alguns sítios iranianos e estrangeiros foram algumas das anomalias sentidas pelos internautas iranianos.

As autoridades iranianas não comentaram a interrupção nos serviços. As restrições ao uso da Internet são frequentes no Irão. Blogueres chegam mesmo a enfrentar penas de prisão.

Na semana passada, um tribunal revolucionário de Teerão condenou Mehdi Khazali, editor do blogue Baran, a 14 anos de prisão dez anos de exílio na cidade de Borazjan (sudoeste do Irão) e a 70 chicotadas.

Detido a 9 de janeiro, pela terceira vez em menos de dois anos, Khazali tem sido muito crítico do Governo, denunciando nomeadamente violações aos direitos humanos.

Em 2006 e em 2010, os Repórteres Sem Fronteiras rotularam o Irão como um dos países “inimigos da Internet”.

Redes sociais são arma para protestar

À semelhança do que acontece no mundo árabe, onde cerca de 60% da população tem menos de 30 anos, também o Irão tem vivido um aumento exponencial no uso das novas tecnologias. Estima-se que na região do Médio Oriente, apenas Israel tenha uma percentagem superior de internautas.

Muitos iranianos recorrem à Internet como forma de contornar os obstáculos impostos pelo regime dos ayatollahs à liberdade de imprensa, nomeadamente ao serviço da BBC em língua farsi.

O papel que, atualmente, as novas tecnologias e as redes sociais desempenham no Irão ganhou maior visibilidade sobretudo após a contestação popular que se seguiu às eleições presidenciais de 2009.

Mahmud Ahmadinejad foi, oficialmente, reeleito, mas milhares de iranianos saíram às ruas para contestar o resultado. A Internet, as redes sociais, os canais por satélite e os telemóveis foram usados para organizar as manifestações e dar voz às figuras da oposição. À semelhança, aliás, do que acontece nas chamadas primaveras árabes.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 13 de fevereiro de 2012. Pode ser consultado aqui