Só havia um candidato, mas o povo aclamou Al-Hadi e o ex-ditador cedeu o poder. No Iémen, a Primavera Árabe acabou em bem

Para muitos iemenitas não passou de um desperdício de tempo. Para quê sair de casa para votar quando no boletim constava um único nome? Ainda assim, na terça-feira, mais de 70% dos cerca de 10 milhões de eleitores não quiseram falhar esse encontro com a história. Afinal, votar significava contribuir para a eleição de Abd Rabbuh Mansur al-Hadi — vice-presidente do Iémen desde 1994 — e, paralelamente, para o afastamento definitivo de Ali Abdullah Saleh, após 33 anos no poder.
“O novo Presidente, Abd Rabbuh Mansur al-Hadi, era o candidato único e consensual numas eleições extraordinárias encaradas pela maioria dos iemenitas e pela comunidade internacional como a única forma de salvar o Iémen de uma guerra civil”, escreveu, quinta-feira, o jornal “Yemen Observer”.
Abd Rabbuh Mansur al-Hadi, de 67 anos, é oriundo de Abyan, no Sul, onde um movimento secessionista acusa o Norte de marginalização (até 1990, o território estava dividido em dois países soberanos: Iémen do Norte e Iémen do Sul).
O novo Presidente goza, assim, de uma legitimidade que poderá torná-lo um interlocutor mais respeitado pelos rebeldes do Sul. Recorde-se que o Iémen é o principal porto de abrigo da Al-Qaida na Península Arábica que, no ano passado, proclamou, precisamente em Abyan, um emirado islâmico.
O Iémen é um dos países mais pobres do mundo, com uma escolaridade média de apenas 2,5 anos, segundo o último Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. Logo, vulnerável à instabilidade na vizinhança.
Na quinta-feira, o comandante das forças da União Africana na Somália, Fred Mugisha, afirmou que perto de 300 membros da milícia islamita Al-Shabaab — que têm vindo a perder terreno e fontes de rendimento — tinham fugido para o Iémen, no outro lado do Golfo de Aden.
Recorde-se ainda que os iemenitas têm sido sempre um dos contingentes nacionais mais numerosos em Guantánamo, nestes últimos dez anos.
Calendário político
Após as eleições de terça-feira, o Iémen entra num período de transição. Seguir-se-á a elaboração de uma Constituição — que consagrará um regime civil — e as eleições presidenciais, previsivelmente em fevereiro de 2014. Depois, o Presidente eleito agendará as eleições legislativas.
No contexto da chamada Primavera Árabe, o líder do Iémen foi, assim, o primeiro a abandonar o poder através de uma solução negociada. Na Tunísia, Ben Ali — exilado na Arábia Saudita — foi condenado, à revelia, por corrupção. No Egito, Hosni Mubarak, acusado de ter ordenado a morte de manifestantes, vai conhecer o veredicto a 2 de junho. E na Líbia, Muammar Kadhafi foi linchado por rebeldes.
No Iémen, Ali Abdullah Saleh apenas assinou o acordo de transferência de poder — mediado pelo Conselho de Cooperação do Golfo — após nove meses de contestação popular. Beneficiando de imunidade, Saleh tem estado nos EUA em tratamentos médicos. No Iémen, aguarda-se o seu regresso para assistir à cerimónia de tomada de posse do sucessor, na próxima semana. Será a confirmação de que a revolução iemenita é aquela que, pelo menos a curto prazo, tem um impacto político menor.
Artigo publicado no “Expresso”, a 25 de fevereiro de 2012
