Era uma vez duas cidades ribeirinhas…

Rafiq Mikki, presidente da Câmara de Gaza, veio a Cascais falar da vida na sua cidade e pedir o fim do bloqueio

Porto da cidade de Gaza, banhada pelo Mar Mediterrâneo RAMEZ HABBOUB / WIKIMEDIA COMMONS

Qual a semelhança entre Gaza e Cascais? A pergunta parece indiciar uma piada, mas em entrevista ao “Expresso” o presidente da Câmara de Gaza dá-lhe sentido. “Há semelhanças. O mar, lá o Mediterrâneo, aqui o oceano. O clima também, embora Gaza seja mais húmida. E as pessoas, que são muito acolhedoras”.

Rafiq Mikki não ignora, porém, diferenças abissais. “Gaza está sobrepovoada. Aqui, sentimo-nos relaxados. E, claro, a situação política. Cascais vive em paz e segurança. Em Gaza, é raro o dia em que isso acontece”.

Militante do Hamas, Rafiq Mikki, 54 anos, esteve em Cascais no I Encontro Internacional das Geminações. Cascais e Gaza são cidades geminadas desde 2000. No evento, participaram 19 municípios de todo o mundo. “Não lhes disse que têm de nos apoiar. Não queremos doações, mas viver em liberdade para podermos trabalhar e não vivermos debaixo do logótipo da ONU”.

Este engenheiro licenciado pela Universidade Al-Azhar, no Cairo — proposto pelo Hamas para ser o ministro das Obras Públicas no futuro governo de unidade nacional (em discussão) —, trabalhou 16 anos para a Agência da ONU de Assistência aos Refugiados Palestinianos (UNRWA). Foi eleito mayor em 2008, quando a Faixa de Gaza já estava sob bloqueio terrestre, aéreo e naval, aplicado por israelitas e egípcios.

Sair de Gaza por Israel é praticamente impossível. Para chegar a Cascais, Rafiq Mikki atravessou a outra fronteira, para apanhar avião no Cairo. “Tentei sair na altura das presidenciais egípcias, mas a fronteira fechou três dias. Devia ter ido a Kuala Lumpur (Malásia) antes de vir a Cascais, mas não consegui. Não é possível planear. Nunca sabemos se nos vão deixar viajar”.

O mayor cruzou Rafah no dia em que foi anunciada a vitória de Mohamed Morsi. “Recebi telefonemas de Gaza. Comemoravam, talvez mais do que os egípcios. Esperam que a situação melhore”, diz. “Há ano e meio, Morsi estava preso e Mubarak era Presidente. Agora Morsi é Presidente e Mubarak está na prisão. Tinha feito tudo para isolar Gaza”.

Em Cascais, o mayor falou das dificuldades de gestão do município, com cerca de meio milhão de habitantes. “Israel permite a entrada de alimentos. Nesse sentido, a situação melhorou. Mas é muito difícil arranjar material de construção. A maior parte chega-nos através de túneis clandestinos. Por vezes, não há combustível. Para recolher o lixo recorremos a veículos puxados por animais. Mas nunca nos rendemos. Tentamos sempre adaptar-nos”.

Dez dias antes do mayor viajar, Israel bombardeou Gaza. “Mataram 14 pessoas. Nunca sabemos quando e onde vão alvejar. Podemos ir a passar e ser atingidos.” Israel sente-se ameaçado pelos rockets disparados de Gaza. Não deveria o Hamas, que controla o território, fazer mais para impedi-lo? Mohamed al-Halabi, diretor para a Cooperação Internacional da cidade de Gaza, que assiste à entrevista, incomoda-se: “Eles chamam-lhe rockets, mas às vezes são lançados na direção de Israel e aterram… do lado palestiniano. Se atingirem uma pessoa não a matam. Quando se vive em Gaza e se vê Israel a disparar e a matar, que podemos fazer? Não temos aviões nem tanques”.

Antes de regressar, Rafiq Mikki tratou os dentes no consultório de um sobrinho em Lisboa. Já Mohamed, 37 anos, aproveitou a liberdade para passear pela região. Quando voltasse, já sabia o que esperar: “Um palestiniano com menos de 40 anos que chegue ao Cairo rumo a Gaza não pode sair do aeroporto. Fica numa sala à espera do autocarro diário, às 8h, que vai para Rafah. É logo deportado”.

COOPERAÇÃO: DEIXAR A MARCA NUMA PRAÇA

Cascais é uma das cinco cidades europeias geminadas com Gaza. As outras são Barcelona (Espanha), Turim (Itália), Dunquerque (França) e Tromso (Noruega). “Com Dunquerque, estamos a fazer um projeto de redes de abastecimento de água, com recurso a financiamento da UE”, disse ao “Expresso” Alexandre Faria, vereador da Câmara de Cascais para as Relações Internacionais. “Combinámos também uma formação de técnicos, com estágios cá e lá. E recuperámos uma ideia antiga, que não avançou devido à Intifada (2000): uma Praça de Cascais em Gaza”, um espaço com um objetivo social, destinado a famílias e crianças. A ideia não é original. Na cidade, já existe o Parque Barcelona. Diz o mayor: “Em Gaza, apanhamos um táxi, pedimos para ir para Barcelona e o taxista deixa-nos na zona do parque”. Cascais quer seguir o exemplo e tornar-se num destino na Faixa de Gaza.

Artigo publicado no Expresso, a 28 de julho de 2012

Presidente da Síria tem os dias contados

Aumentam as vozes, entre os governantes internacionais, que vaticinam a queda iminente de Bashar al-Assad. No terreno, os rebeldes investem sobre Alepo, a maior cidade e capital comercial da Síria

“Bashar al-Assad vai cair, é uma questão de tempo”, afirmou hoje o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, em entrevista à televisão France 2.

O governante disse ainda que a França rejeita qualquer tipo de impunidade para o Presidente da Síria. “A Liga Árabe fez essa proposta, mas penso que, a longo prazo, todos os ditadores devem pagar pelos seus crimes.”

Fabius recordou que, desde o início da revolta contra o regime, em março de 2011, “20 mil pessoas foram mortas”, na Síria. “Para Assad e para outros ditadores, não haverá impunidade”, concluiu.

Transição como no Iémene

Em curso, poderá estar já um processo negocial tendo em vista a saída de Bashar al-Assad do poder.

George Sabra, porta-voz do Conselho Nacional Sírio (que concentra os grupos anti-regime), afirmou hoje à agência noticiosa AFP que a oposição “poderá aceitar o afastamento de Assad e a transferência de poderes para uma figura do regime, o qual iria liderar um período de transição como o que aconteceu no Iémene.”

Sabra esclareceu também que, neste momento, a prioridade é “acabar com os massacres e proteger os civis, e não julgar Assad”.

Alepo a ferro e fogo

Na semana passada, os combates concentraram-se na capital, Damasco, onde um atentado suicida no interior da sede do aparelho de Segurança Nacional que pôs em evidência as fragilidades do regime.

Desde sexta-feira que, segundo a Al-Jazeera, está em curso uma ofensiva rebelde pelo controlo da Cidade Velha de Alepo (património mundial da UNESCO).

Situada no norte, Alepo é a maior cidade (com mais de dois milhões de habitantes) e a capital comercial da Síria. Um motim na prisão da cidade, reprimido com armas de fogo e gás lacrimogéneo, resultou na morte de 15 detidos.

Armas de destruição maciça na fronteira

Nabil Elaraby, secretário-geral da Liga Árabe, afirmou hoje que o regime de Assad tem “os dias contados”. No mesmo sentido, também o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, disse que a rebelião contra o Presidente está “mais próxima da vitória do que nunca”.

Erdogan avisou também que a Turquia responderá a qualquer hostilidade com origem na Síria. Segundo um comunicado divulgado hoje pelo Exército Sírio Livre (rebelde), o Governo sírio deslocou armas químicas e biológicas para aeroportos situados junto às fronteiras. Damasco diz tratar-se de uma medida de “auto-defesa”, prevenindo a eventualidade de uma “agressão externa”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 24 de julho de 2012. Pode ser consultado aqui

Começou o jejum dos muçulmanos

Milhões de muçulmanos iniciam, esta sexta-feira, o Ramadão, o nono mês do calendário islâmico (lunar) dedicado ao recolhimento, meditação e penitência.

Desde a alvorada até ao pôr-do-sol, os crentes islâmicos devem abster-se de comer, beber, fumar, ter relações sexuais, perfumar-se e de tudo o mais que contribua para deleitar o corpo.

Vendedor de terços islâmicos (masbaha), em Sana, capital do Iémen
Homens compram chapéus para a oração (taqiyah), num mercado de Peshawar, Paquistão
Um vendedor pendura as tradicionais decorações do Ramadão, em Amã, Jordânia
Lanternas típicas da quadra (fanoos), à venda no bazar do Cairo, Egito
Banca de alimentos, em Sana, Iémen. O jejum diário dura até aos primeiros indícios do pôr-do-sol
Banca de tâmaras, na cidade velha de Nablus, Cisjordânia (Palestina)
Numa padaria de Nablus, Cisjordânia (Palestina), confecionam-se doces tradicionais
Banca de alimentos no mercado de Shorja, um dos maiores de Bagdade, Iraque
Leitura do Alcorão em Jacarta, Indonésia. O Ramadão é um mês de recolhimento e meditação
Um homem dedica-se à memorização do Alcorão, com a ajuda de uma ardósia, em Bengasi, Líbia
Crianças muçulmanas leem o Livro Sagrado, numa escola de Maharlika, a sul de Manila, Filipinas
Observação da Lua, em Putrajaya, Malásia. O Ramadão começa assim que for avistada a Lua Nova

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de julho de 2012. Pode ser consultado aqui

Assad ganha na ONU e surge na TV síria

O Conselho de Segurança da ONU falhou a aprovação de sanções ao Governo sírio. Russos e chineses temem uma intervenção externa, como aconteceu na Líbia

Rússia e China vetaram, hoje à tarde, no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CS), um projeto de resolução proposto pelo Reino Unido que ameaçava diretamente o Governo sírio com sanções.

Onze países votaram a favor (incluindo Portugal) e dois abstiveram-se (Paquistão e África do Sul). Foi a terceira resolução vetada por russos e chineses, em defesa do regime de Bashar al-Assad.

A resolução dava um ultimato de dez dias ao Presidente sírio para que aplicasse o plano de paz mediado por Kofi Annan (enviado da ONU e da Liga Árabe) e aceite por Assad há três meses.

Intervenção externa na forja?

“O projecto de resolução que foi votado era tendencioso”, afirmou o embaixador russo Vitayy Churkin. “A ameaça de sanções foi feita exclusivamente ao Governo da Síria, e não reflete a realidade atual do país. É especialmente ambígua à luz do que aconteceu (ontem) com o grave atentado terrorista que tomou lugar em Damasco”, acrescentou.

O homólogo britânico, William Hague, afirmou que o agravamento da crise confirmou “a necessidade urgente de uma resolução do Conselho de Segurança ao abrigo do Capítulo VII da Carta da ONU”.

O Capítulo VII permite que os 15 membros do CS autorizem ações que vão desde sanções económicas e diplomáticas à intervenção militar.

Os EUA esclareceram que a resolução proposta previa apenas sanções e não qualquer intervenção militar, mas russos e chineses acreditam que aprovar a resolução seria viabilizar a repetição de um cenário “à líbia.”

“Não podemos aceitar um documento subordinado ao Capítulo VII”, disse o embaixador russo, justificando o veto de Moscovo. “Abriria o caminho a um envolvimento externo armado nos assuntos internos sírios.”

Assad deu sinais de vida

Paralelamente, a televisão nacional síria divulgou imagens do Presidente sírio, as primeiras desde o atentado de ontem. Bashar al-Assad apareceu na cerimónia de tomada de posse do novo ministro da Defesa, general Fahad Jassim al-Freij. Não foi divulgado o local onde a cerimónia decorreu.

Entretanto, os combates continuam em Damasco, pelo quinto dia consecutivo. Esta amanhã acercaram-se da sede do Conselho de Ministros.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de julho de 2012. Pode ser consultado aqui

Ninguém sabe do Presidente da Síria

Com Damasco tomada por confrontos, o paradeiro do Presidente da Síria Bashar al-Assad é uma incógnita — uns dizem que continua em Damasco outros que terá fugido para o litoral

Vinte e quatro horas após o atentado suicida em Damasco que decapitou uma parte importante do aparelho de segurança sírio, o paradeiro do Presidente da Síria é uma incógnita.

Bashar al-Assad não reagiu ao atentado. Fontes da oposição citadas pela Reuters dizem que o Presidente poderá ter-se refugiado na cidade costeira de Latakia. Informações recolhidas pelo jornal francês “Figaro” garantem que ele continua em Damasco.

A capital da Síria está envolta em confrontos entre membros do Exército Livre Sírio (rebeldes) e o Exército regular e os apelos para que a população se afaste das áreas de combate multiplicam-se. Hoje, de manhã, registou-se uma intensa troca de fogo perto da sede do Conselho de Ministros.

“Estes combates, de uma violência extrema, devem continuar nas próximas 48 horas visando limpar Damasco de terroristas antes do início do Ramadão (na sexta-feira)”, afirmou à agência noticiosa France Press uma fonte da segurança síria, sob anonimato.

“Até ao momento, o exército tem dado mostras de contenção nas suas operações”, continuou. “Mas, depois do atentado de ontem, decidiu utilizar todas as armas ao dispor para acabar com os terroristas.”

Batalha continua… na ONU

Os combates em Damasco começaram no domingo passado, após insurgentes munidos com armas ligeiras e lança-granadas RPG terem conseguido entrar na capital.

O atentado de ontem foi um feito importante na estratégia rebelde para “libertar Damasco” e tem sido referido por muitos analistas internacionais como um ponto de viragem na crise síria.

Segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, só ontem morreram 214 pessoas, das quais 124 civis, 62 soldados e 28 rebelde.

Prevista para ontem, a votação de um novo pacote de sanções não-militares à Síria deverá realizar-se hoje no Conselho de Segurança das Nações Unidas. O adiamento foi solicitado por Kofi Annan, enviado da ONU e da Liga Árabe para a crise na Síria.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de julho de 2012. Pode ser consultado aqui