Rafiq Mikki, presidente da Câmara de Gaza, veio a Cascais falar da vida na sua cidade e pedir o fim do bloqueio

Qual a semelhança entre Gaza e Cascais? A pergunta parece indiciar uma piada, mas em entrevista ao “Expresso” o presidente da Câmara de Gaza dá-lhe sentido. “Há semelhanças. O mar, lá o Mediterrâneo, aqui o oceano. O clima também, embora Gaza seja mais húmida. E as pessoas, que são muito acolhedoras”.
Rafiq Mikki não ignora, porém, diferenças abissais. “Gaza está sobrepovoada. Aqui, sentimo-nos relaxados. E, claro, a situação política. Cascais vive em paz e segurança. Em Gaza, é raro o dia em que isso acontece”.
Militante do Hamas, Rafiq Mikki, 54 anos, esteve em Cascais no I Encontro Internacional das Geminações. Cascais e Gaza são cidades geminadas desde 2000. No evento, participaram 19 municípios de todo o mundo. “Não lhes disse que têm de nos apoiar. Não queremos doações, mas viver em liberdade para podermos trabalhar e não vivermos debaixo do logótipo da ONU”.
Este engenheiro licenciado pela Universidade Al-Azhar, no Cairo — proposto pelo Hamas para ser o ministro das Obras Públicas no futuro governo de unidade nacional (em discussão) —, trabalhou 16 anos para a Agência da ONU de Assistência aos Refugiados Palestinianos (UNRWA). Foi eleito mayor em 2008, quando a Faixa de Gaza já estava sob bloqueio terrestre, aéreo e naval, aplicado por israelitas e egípcios.
Sair de Gaza por Israel é praticamente impossível. Para chegar a Cascais, Rafiq Mikki atravessou a outra fronteira, para apanhar avião no Cairo. “Tentei sair na altura das presidenciais egípcias, mas a fronteira fechou três dias. Devia ter ido a Kuala Lumpur (Malásia) antes de vir a Cascais, mas não consegui. Não é possível planear. Nunca sabemos se nos vão deixar viajar”.
O mayor cruzou Rafah no dia em que foi anunciada a vitória de Mohamed Morsi. “Recebi telefonemas de Gaza. Comemoravam, talvez mais do que os egípcios. Esperam que a situação melhore”, diz. “Há ano e meio, Morsi estava preso e Mubarak era Presidente. Agora Morsi é Presidente e Mubarak está na prisão. Tinha feito tudo para isolar Gaza”.
Em Cascais, o mayor falou das dificuldades de gestão do município, com cerca de meio milhão de habitantes. “Israel permite a entrada de alimentos. Nesse sentido, a situação melhorou. Mas é muito difícil arranjar material de construção. A maior parte chega-nos através de túneis clandestinos. Por vezes, não há combustível. Para recolher o lixo recorremos a veículos puxados por animais. Mas nunca nos rendemos. Tentamos sempre adaptar-nos”.
Dez dias antes do mayor viajar, Israel bombardeou Gaza. “Mataram 14 pessoas. Nunca sabemos quando e onde vão alvejar. Podemos ir a passar e ser atingidos.” Israel sente-se ameaçado pelos rockets disparados de Gaza. Não deveria o Hamas, que controla o território, fazer mais para impedi-lo? Mohamed al-Halabi, diretor para a Cooperação Internacional da cidade de Gaza, que assiste à entrevista, incomoda-se: “Eles chamam-lhe rockets, mas às vezes são lançados na direção de Israel e aterram… do lado palestiniano. Se atingirem uma pessoa não a matam. Quando se vive em Gaza e se vê Israel a disparar e a matar, que podemos fazer? Não temos aviões nem tanques”.
Antes de regressar, Rafiq Mikki tratou os dentes no consultório de um sobrinho em Lisboa. Já Mohamed, 37 anos, aproveitou a liberdade para passear pela região. Quando voltasse, já sabia o que esperar: “Um palestiniano com menos de 40 anos que chegue ao Cairo rumo a Gaza não pode sair do aeroporto. Fica numa sala à espera do autocarro diário, às 8h, que vai para Rafah. É logo deportado”.
COOPERAÇÃO: DEIXAR A MARCA NUMA PRAÇA
Cascais é uma das cinco cidades europeias geminadas com Gaza. As outras são Barcelona (Espanha), Turim (Itália), Dunquerque (França) e Tromso (Noruega). “Com Dunquerque, estamos a fazer um projeto de redes de abastecimento de água, com recurso a financiamento da UE”, disse ao “Expresso” Alexandre Faria, vereador da Câmara de Cascais para as Relações Internacionais. “Combinámos também uma formação de técnicos, com estágios cá e lá. E recuperámos uma ideia antiga, que não avançou devido à Intifada (2000): uma Praça de Cascais em Gaza”, um espaço com um objetivo social, destinado a famílias e crianças. A ideia não é original. Na cidade, já existe o Parque Barcelona. Diz o mayor: “Em Gaza, apanhamos um táxi, pedimos para ir para Barcelona e o taxista deixa-nos na zona do parque”. Cascais quer seguir o exemplo e tornar-se num destino na Faixa de Gaza.
Artigo publicado no “Expresso”, a 28 de julho de 2012












