Cessar-fogo na Síria só no papel

O cessar-fogo acordado na Síria para assinalar o fim da grande peregrinação a Meca durou escassas horas

A explosão de uma viatura armadilhada, hoje, perto da mesquita Omar Ibn Khattab, no bairro sunita de Daf al-Shok (sul de Damasco), fez “dezenas de mortos e feridos”, informou o Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH).

O incidente culminou mais um dia de grande violência na Síria que deitou por terra o cessar-fogo acordado entre o Presidente sírio, Bashar al-Assad, e o Exército Sírio Livre, principal grupo rebelde, para vigorar durante os quatro dias comemorativos da Festa do Sacrifício (‘Id al-Adha), um dos feriados mais sagrados para os muçulmanos e que assinala o fim da peregrinação anual a Meca.

“O cessar-fogo não foi cumprido em muitas regiões, mas ainda assim a violência é menor e há menos vítimas do que habitualmente”, disse Rami Abdel Rahman, diretor do OSDH. Estima-se que hoje tenham morrido cerca de 50 pessoas na Síria. Ontem, segundo a mesma organização, o número de vítimas mortais ascendeu aos 135.

O ativista referiu que entre os rebeldes havia militantes da Frente Islamita Al-Nusra, um grupo armado que surgiu durante o conflito e que assumiu a autoria de vários atentados suicidas em Damasco e Alepo. Esta Frente já havia anunciado que não iria respeitar o cessar-fogo temporário, mediado pelo enviado da ONU e da Liga Árabe, Lakhdar Brahimi.

Paralelamente aos combates, várias manifestações de protesto saíram à rua em Damasco, Alepo, Deraa e Deir Ezzor. As palavras de ordem visaram invariavelmente o Presidente Assad: “Traidor, covarde, tu destruiste a Síria”.

A revolta na Síria dura há 19 meses. Estima-se que a contestação ao regime alauita já tenha custado a vida a cerca de 35 mil pessoas.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 26 de outubro de 2012. Pode ser consultado aqui

Hugo Chávez, um líder desbocado

O Presidente da Venezuela, à beira de poder ser reeleito no domingo, usou e abusou da retórica para atacar opositores e elogiar figuras controversas. Recorde aqui algumas das suas ‘tiradas’ mais famosas cruzadas com imagens dos seus 13 anos no Palácio de Miraflores

“A NOSSA MISSÃO É SOCIALISTA PORQUE POMOS OS ASPETOS SOCIAIS EM PRIMEIRO LUGAR: OS CAPITALISTAS PÕEM O CAPITAL.” (Na foto, com Fidel Castro, em agosto de 2001, na selva venezuelana de Canaima.)
“OFEREÇO-LHE UMA RÉPLICA DA ESPADA DO LIBERTADOR SIMÓN BOLÍVAR. PARA O SENHOR QUE, COMO BOLÍVAR, PEGOU EM ARMAS PARA LIBERTAR O SEU POVO. PARA O SENHOR QUE, COMO BOLÍVAR, É E SERÁ SEMPRE UM VERDADEIRO LUTADOR PELA LIBERDADE.” (Dirigindo-se ao Presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, quando de uma cimeira do G-15 (países em desenvolvimento), em fevereiro de 2004, em Caracas.)
“É UMA TRISTEZA VER O PRESIDENTE DE UM POVO COMO O MEXICANO TORNAR-SE O CACHORRO DO IMPÉRIO.” (Em 2005, criticando Vicente Fox, Presidente do México, e a sua relação com os EUA. Na foto, com um “sombrero”, durante um comício em Caracas, a 19 de novembro de 2005.)
“ÉS UM IGNORANTE, UM BURRO, SR. PERIGO. OU, PARA DIZÊ-LO NO MEU MAU INGLÊS, ÉS UM ‘DONKEY’, SR. GEORGE W. BUSH. ÉS UM COBARDE, UM ASSASSINO, UM GENOCIDA, UM ALCOÓLICO, UM BÊBADO, UM MENTIROSO, UMA PESSOA IMORAL, SR. PERIGO. ÉS DO PIOR QUE HÁ NESTE PLANETA. UM HOMEM PSICOLOGICAMENTE DOENTE.” (A 20 de março de 2006, recordando o terceiro aniversário do início da guerra no Iraque. Na foto, uns meses antes, com Maradona, que veste uma ‘t-shirt’ anti-Bush: “Criminoso de guerra”, lê-se.)
“ISRAEL ENLOUQUECEU. ESTÁ A ATACAR, ESTÁ A FAZER AOS POVOS PALESTINIANO E LIBANÊS AQUILO QUE CRITICOU — E COM RAZÃO — NO CASO DO HOLOCAUSTO. MAS ESTE É UM NOVO HOLOCAUSTO.” (Quando da ofensiva militar israelita no sul do Líbano, no verão de 2006.)
“O DIABO VEIO CÁ ONTEM. [BENZE-SE] AINDA CHEIRA A ENXOFRE. ONTEM, MINHAS SENHORAS E MEUS SENHORES, A PARTIR DESTA TRIBUNA, O PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS, O CAVALHEIRO A QUEM ME REFIRO COMO O DIABO, FALOU COMO SE FOSSE O DONO DO MUNDO.” (Excerto do discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, a 20 de setembro de 2006.)
“ADORO LIVROS. SE SÃO BONS, GOSTO MAIS AINDA. MAS SE FOREM MAUS, GOSTO NA MESMA.” (Na foto, Chávez mostra o livro de Noam Chomsky “Hegemonia ou sobrevivência: O Sonho Americano de Domínio Global”, numa intervenção na ONU, a 20 de setembro de 2006.)
“ALGUNS DIZEM QUE SOU A CAUSA DE TODOS OS PROBLEMAS DA SOCIEDADE. OUTROS DIZEM QUE SOU UM BENFEITOR, RESPONSÁVEL POR TUDO O QUE HÁ DE BOM. NÃO SOU UM NEM OUTRO. NÃO SOU MAIS DO QUE UM HOMEM EM CIRCUNSTÂNCIAS PARTICULARES. O MAIS BONITO É QUE UMA ÚNICA VIDA É CAPAZ DE CONTRIBUIR PARA O CRESCIMENTO E PARA O DESPERTAR DE UMA FORÇA COLETIVA. É ISSO O QUE CONTA!” (Citado pela socióloga chilena Marta Harnecker, no livro “Hugo Chávez — um Homem, um Povo”, Campo das Letras, 2006.)
“GOZAM MUITO COMIGO, MAS EU NÃO LIGO. COSTUMO RIR-ME DE MIM PRÓPRIO.” (Na foto, mostra uma ‘t-shirt’ oferecida pelo Rei de Espanha, com o famoso reparo que Juan Carlos lhe fez na cimeira ibero-americana de 2007, em Santiago do Chile. Chávez referira-se ao ex-presidente do Governo espanhol José Maria Aznar como “fascista de todo o tamanho”.)
“JÁ SAIU O PRIMEIRO BARCO VENEZUELANO COM UM MILHÃO DE BARRIS DE PETRÓLEO, PELA PRIMEIRA VEZ NA NOSSA HISTÓRIA, DESTINADO A PORTUGAL. JÁ CHEGOU E JÁ DESCARREGOU, PARA ASSEGURAR AO POVO PORTUGUÊS — QUE É UM POVO AMIGO, UM GOVERNO AMIGO — O ABASTECIMENTO DE ENERGIA E PARA AJUDAR NA SUA SEGURANÇA ENERGÉTICA E NO SEU DESENVOLVIMENTO.” (Dirigindo-se aos venezuelanos, dias antes de visitar oficialmente Portugal, onde experimentou um computador Magalhães. Gostou, comprou milhares e rebatizou-o de Canaima.)
“OBAMA ACABA DE NACIONALIZAR NADA MAIS NADA MENOS DO QUE A GENERAL MOTORS. CAMARADA OBAMA! FIDEL, CUIDADO SENÃO AINDA VAMOS ACABAR À DIREITA DELE.” (Numa intervenção na televisão, a 2 de junho de 2009.)
“NÃO SOMOS PERFEITOS, MAS TEMOS DEMOCRACIA.” Todos os domingos, às 11 da manhã, Chávez dirigia-se aos venezuelanos, pela televisão e pela rádio, através do seu ‘talk show’ “Aló, Presidente”, filmado em estúdio ou no exterior. (Na foto, em Barinas, o seu estado natal, a 10 de maio de 2009.)
“É UMA MÁQUINA INFERNAL QUE PRODUZ UMA IMPRESSIONANTE QUANTIDADE DE POBRES A CADA MINUTO. 26 MILHÕES DE POBRES EM 10 ANOS SÃO 2,6 MILHÕES DE NOVOS POBRES POR ANO. ESTE É O CAMINHO DO INFERNO.” (Referindo-se ao trabalho infantil. Na foto, com crianças venezuelanas, durante a emissão do “Aló Presidente” transmitido a 13 de setembro de 2009.)
“CARAMBA, É UM BEIJINHO! EU TAMBÉM ESTOU DE OLHOS FECHADOS. FAÇO UM RECONHECIMENTO PÚBLICO AO PUBLICITÁRIO. É UMA BOA PIADA.” (Reagindo à fotomontagem da campanha da Benetton, lançada em novembro de 2011.)
“AGORA PRECISO DE SER PACIENTE. ESTOU NA RETAGUARDA. BOLÍVAR, ÀS VEZES, LIDERAVA AS BATALHAS A PARTIR DO ALTO DE UMA COLINA.” (Comentários feitos a 9 de julho de 2011, quando já era conhecido que sofria de cancro na região pélvica.)
“NÃO SERIA ESTRANHO SE ELES (OS ESTADOS UNIDOS) TIVESSEM DESENVOLVIDO A TECNOLOGIA PARA INDUZIR O CANCRO E QUE NINGUÉM O SOUBESSE ATÉ AGORA… NÃO SEI. ESTOU APENAS A REFLETIR. MAS ISTO É MUITO, MUITO, MUITO ESTRANHO…” (Discursando numa base militar venezuelana, a 28 de dezembro de 2011, referindo-se à quantidade de chefes de Estado da América do Sul afetados pelo cancro. Para além de Chávez, Fernando Lugo (Paraguai), Dilma Rousseff e Lula da Silva (Brasil) e Cristina Kirchner (Argentina).)
“UM DOS ALVOS DO IMPERIALISMO IANQUE É O IRÃO. POR ISSO, MOSTRAMOS A NOSSA SOLIDARIEDADE. QUANDO NOS ENCONTRAMOS, OS DEMÓNIOS FICAM LOUCOS.” (Durante uma visita à Venezuela do Presidente do Irão, Mahmud Ahmadinejad, em janeiro de 2012. A foto refere-se a uma visita anterior, em setembro de 2006.)
“É O TERRORISMO, LANÇAM MEDO NAS OUTRAS NAÇÕES E NO SEU PRÓPRIO POVO. AS FAMÍLIAS COMEÇAM A DISFARÇAR AS SUAS CRIANÇAS DE BRUXAS. ISTO É CONTRÁRIO À NOSSA MANEIRA DE SER.” (Criticando a tradição “gringa” do Halloween e defendendo que tal celebração não tem significado para os venezuelanos. Na foto, com o ator norte-americano Sean Penn, em Caracas, a 16 de fevereiro de 2012.)
“DÁ-ME A TUA COROA, CRISTO, QUE EU SANGRO. DÁ-ME A TUA CRUZ, CEM CRUZES, QUE EU CARREGO. MAS DÁ-ME VIDA, PORQUE AINDA ME FALTA FAZER COISAS POR ESTE POVO E POR ESTA PÁTRIA. NÃO ME LEVES AINDA.” (Em lágrimas, durante uma missa no seu estado natal, Barinas, transmitida pela televisão, dias antes da Páscoa de 2012. Na foto, beijando um crucifixo, na companhia da filha Rosa, a 23 de abril de 2012.)
“CONTINUO A OBSERVAR O CAMPO POLÍTICO OPOSITOR. SINCERAMENTE, ESPERO QUE DEPOIS DO SEU DESASTRE A 7 DE OUTUBRO, SURJA UM NOVO MAPA NA DIREITA POLÍTICA!” (“Tweet” publicado durante a campanha eleitoral para as presidenciais de 7 de outubro. Refere-se ao seu adversário, Henrique Capriles.)
“SIGO AGARRADO A CRISTO E COM CONFIANÇA NOS MEUS MÉDICOS E ENFERMEIRAS. ATÉ À VITÓRIA SEMPRE!! VIVEREMOS E VENCEREMOS!!!” (Último “tweet” publicado por Hugo Chávez, a 18 de fevereiro de 2013.)

Artigo publicado no Expresso Online, a 5 de outubro de 2012, dois dias antes de Hugo Chávez vencer as eleições presidenciais e conquistar o seu quarto mandato. A fotogaleria foi republicada a 5 de março de 2013, dia em que Hugo Chávez morreu. Pode ser consultada aqui

Chávez mais acossado do que o habitual

A Venezuela realiza eleições presidenciais este domingo e ninguém arrisca um prognóstico. Hugo Chávez e Henrique Capriles rivalizaram em megacomícios. Perfis dos dois candidatos

Hugo Chávez vai a votos pela terceira vez, mas a sua reeleição não parece, à partida, tão segura como anteriormente. Na imprensa venezuelana, fala-se de um embate ao estilo “David contra Golias”.

“Golias”: Hugo Chávez

Hugo Rafael Chávez Frías nasceu a 28 de julho de 1954, em Sabaneta, no estado de Barinas, o mais pobre da Venezuela. Filho de professores, concluiu a sua formação na academia militar em 1975.

Em 1992 liderou, sem sucesso, um golpe contra o então Presidente Carlos Andrés Perez e esteve preso dois anos. Venceu as eleições presidenciais de 6 de dezembro de 1998 e, no poder, converteu-se no líder mais polémico da América Latina.

Em 2011, revelou que tinha cancro e efetuou várias deslocações a Cuba para receber tratamentos. Esta semana, numa entrevista, afirmou: “Nem me lembro do cancro”.

Autoproclamado “Presidente dos pobres”, insiste na continuação da sua “revolução bolivariana” e prometeu, nesta campanha, ser “um Presidente melhor” no seu quarto mandato.

“David”: Henrique Capriles

Henrique Capriles Radonski nasceu em Caracas, a 11 de julho de 1972. É oriundo de uma família de judeus russos e polacos — os bisavôs maternos morreram no campo de concentração de Treblinka —, que chegou à Venezuela no contexto da Segunda Guerra Mundial.

Estudou Direito na Universidade Católica Andrés Bello. Em 1998, foi eleito para o Congresso de Deputados, tornando-se o mais jovem deputado da História da Venezuela.

Em 2000, fundou o partido conservador Primeiro Justiça (centro-direita) e lançou-se na política autárquica, nunca perdendo uma eleição. Em 1998, ganhou a câmara de Baruta e, entre 2008 e 2012, foi governador do estado de Miranda.

A família é abastada e tem participações em jornais, cinemas e vários outros negócios. Confesso admirador de Lula da Silva, se vencer as eleições, promete dar mais protagonismo às empresas privadas e aumentar o salário mínimo para 2500 bolívares (450 euros).

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 4 de outubro de 2012. Pode ser consultado aqui