A Praça Tahrir, no centro do Cairo, está repleta de tendas como nos dias da contestação a Hosni Mubarak. E assim deverá continuar até ao referendo à Constituição, no dia 15
Hoje, 12 jornais privados egípcios suspenderam a sua publicação. Amanhã, será a vez de cinco televisões não emitirem. Os órgãos de informação querem denunciar o que consideram ser ameaças à liberdade de expressão decorrentes do projeto de Constituição que será referendado no próximo dia 15.
Esta iniciativa dos media une-se assim à luta de centenas de pessoas que estão acampadas em permanência na Praça Tahrir, desde há mais de uma semana, em protesto contra o rumo que a revolução está a tomar.
Na mira da contestação está o Presidente Mohamed Morsi que, no passado dia 22 de novembro, aprovou uma declaração constitucional ampliando fortemente os seus poderes.
Morsi demitiu o procurador-geral (conotado com o regime de Mubarak), ordenou a repetição de julgamentos de pessoas envolvidas na repressão à revolução (uma exigência dos revolucionários) e decretou que nenhuma decisão judicial poderá fazer reverter decisões por ele tomadas.
‘Um Mubarak com barbas’
Ao colocar-se acima dos tribunais, Morsi foi acusado de ser um novo ditador. “Um Mubarak com barbas”, ouviu-se na praça Tahrir.
Os ânimos contra o Presidente inflamaram-se ainda mais após a assembleia constituinte — dominada por islamitas — ter aprovado, numa sessão-maratona de 19 horas, que terminou na madrugada de sexta-feira, os 234 artigos da nova Constituição.
O plenário tinha até fevereiro para aprovar a nova Lei Fundamental, mas a contestação ao Presidente acelerou o processo. No próximo dia 15, os egípcios irão referendar o texto que prevê, entre outros, o limite do mandato do Presidente a dois períodos de quatro anos e a aprovação por parte do Parlamento do primeiro-ministro indigitado pelo Presidente.
Ainda segundo o projeto, a “sharia” (lei islâmica) continuará a ser a principal fonte de lei. Um artigo que inicialmente fazia depender o estatuto das mulheres à “sharia” não consta, porém, do texto final. A liberdade religiosa é garantida para muçulmanos, cristãos e judeus, apenas.
O povo é quem mais ordena
Apesar da contestação, Morsi não está só. Eleito em junho, como candidato da Irmandade Muçulmana, ele conta com o apoio de milhões de simpatizantes daquele que é a associação social melhor organizada do país.
No sábado passado, milhares de pessoas concentraram-se junto à Universidade do Cairo para apoiar o Presidente e a nova Constituição. “Pela primeira vez, o povo será a fonte de todos os poderes”, afirmava Khaled Mohamed à reportagem do órgão de informação egípcio “Ahram Online”.
Propositadamente, a ‘manif’ pró-Morsi evitou passar pela Praça Tahrir para evitar possíveis confrontos com os críticos do Presidente. O braço de ferro pelo poder transbordou dos corredores políticos e dividiu as ruas do Egito. Assim deverá continuar pelo menos até ao referendo à Constituição.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 4 de dezembro de 2012. Pode ser consultado aqui