Na Cisjordânia, vive-se uma situação de “apartheid”, denuncia o político independente Mustafa Barghouti. Reportagem na Palestina

“Há palestinianas que saem de casa três meses antes de dar à luz e vão viver com amigos ou familiares, noutras regiões. Têm medo de, na hora do parto, perder os bebés… Foi o que aconteceu a 35 de 86 mulheres obrigadas a ter os filhos junto ao Muro ou em checkpoints. Israel não as deixou passar para irem ao hospital.”
A imagem é forte. Por isso mesmo, Mustafa Barghouti escolhe-a para exemplificar os dramas que se vivem na Cisjordânia. Este médico de 59 anos não é do Hamas nem da Fatah. Em 2002, em plena segunda Intifada, lançou a Iniciativa Nacional Palestiniana, uma espécie de “terceira via”, alternativa à tradicional dicotomia política palestiniana.
Em Ramallah, recebeu um grupo de jornalistas portugueses e espanhóis, entre os quais o Expresso — de visita à Cisjordânia a convite da União Europeia — para quem fez um briefing, transmitido em direto pela Palestine TV, sobre a perspetiva palestiniana do conflito.
Socorrendo-se de slides, foi sobrepondo mapas da região desde 1947, demonstrando como a mancha do território palestiniano é cada vez menor e como, hoje, o Estado palestiniano não é mais do que “aglomerados, guetos e bantustões”.
Um projeto de “Apartheid”
“Primeiro, Israel construiu colonatos, depois instalou checkpoints para impedir a liberdade de circulação dos palestinianos. Mais tarde veio o Muro”, diz. “Israel vem aplicando este plano desde 1967.” (Plano Allon)
Vinte anos após o último tratado de paz — Acordos de Oslo (1993) —, Barghouti não tem dúvidas: “O conceito de áreas A, B e C (referentes, respetivamente, ao controlo total israelita, controlo civil palestiniano e controlo total palestiniano) não é mais do que um esforço de Israel para transformar Oslo, que era um projeto para resolver o problema e passou a ser um projeto de consolidação do apartheid.”
Em outubro passado, uma sondagem realizada em Israel, pela empresa Dialog, revelou que a maioria dos inquiridos apoiava o estabelecimento de um regime de apartheid em Israel se a Cisjordânia for formalmente anexada.
Nas mãos da comunidade internacional
O Expresso pergunta a Barghouti que hipótese de sobrevivência tem a solução de dois Estados, que as duas partes defendem para resolver o problema. “Corre um grande risco. E morrerá se continuarem a permitir que Israel atue desta maneira”, responde.
“Os palestinianos não o conseguem impedir sozinhos”, continua. “Temos o movimento de resistência pacífica e várias outras formas de resistência. Mas sem uma componente internacional de boicotes, desinvestimentos e sanções contra Israel não teremos sucesso. Na prática, a resposta à pergunta ‘Pode a solução de dois Estados ser salva?’ está nas mãos da comunidade internacional.”
Israel dá nega a Durão Barroso
Nascido em Jerusalém, Mustafa Barghouti viu Israel retirar-lhe a autorização para se deslocar à cidade onde também trabalhou como médico durante 15 anos na sequência da sua candidatura às presidenciais palestinianas, em 2005. (Ficou em segundo lugar, atrás de Mahmud Abbas, com cerca de 20% dos votos.)
No ano passado, o Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, foi à região e demonstrou interesse em receber Barghouti. A União Europeia pediu autorização a Israel para que o encontro acontecesse em Jerusalém. Israel recusou.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 4 de março de 2013. Pode ser consultado aqui