Os palestinianos querem um Estado independente, mas na Cisjordânia essa aspiração é cada vez mais inviável. Colonatos, checkpoints, muros de betão e de arame farpado denunciam a crescente ocupação israelita. Reportagem na Palestina
Contactar com beduínos carece de alguns cuidados. Povos de origem nómada, são por natureza conservadores, pelo que há que conter o ímpeto na hora de os fotografar e a curiosidade à volta da possível ausência de mulheres, previsivelmente recolhidas, longe dos olhares forasteiros.
Com estas dicas em mente, um grupo de jornalistas portugueses e espanhóis — de visita à Cisjordânia a convite da União Europeia — foi apanhado de surpresa quando, à chegada à comunidade beduína de Tabana, foi recebido apenas por mulheres e crianças. “Provavelmente os homens estão a trabalhar no colonato”, arrisca Marco Ricci, da Oxfam Italia, que presta apoio a 20 comunidades beduínas. “São mão de obra barata. Trabalham nas obras e limpezas.”
A situação dos beduínos palestinianos — estima-se que 40 mil — é irónica. Originários do deserto do Neguev, foram expulsos dali após a criação de Israel (1948). Em território palestiniano, viram erguer-se colonatos em terras onde levavam a pastar cabras e ovelhas, o seu principal sustento. “Eles precisam de pasto para os animais, mas não podem aproximar-se muito dos colonatos”, diz Ricci. “Se o fizerem, os colonos e os militares israelitas (que os protegem) podem levar-lhes os animais, matá-los ou mesmo pedir um resgate. Por causa dos colonatos, os beduínos perdem as terras e também os animais.”
O drama de Tabana — onde vivem 30 famílias — não fica por aqui. A comunidade é uma das 20 afetadas pelo E1, o projeto residencial que o Governo de Israel anunciou em resposta à aprovação, na ONU, do estatuto de Estado Não Membro da Palestina, há quatro meses. A prazo, Tabana enfrentará, pois, uma deslocalização forçada.
Um território, dois enclaves
O E1 está projetado para a área entre o colonato de Maale Adumim — o maior da Cisjordânia, com 40 mil habitantes — e a parte leste de Jerusalém, ocupada por Israel em 1967. A concretizar-se, cortará a única estrada entre duas das principais cidades palestinianas: Ramallah (centro) e Belém (sul). E transformará a Cisjordânia em dois enclaves.
Pelos Acordos de Oslo (1993), a Cisjordânia foi dividida em três áreas: na A, manda a Autoridade Palestiniana (AP), na B, a autoridade civil é palestiniana, mas Israel controla militarmente; a área C (60% do território) — onde se situa Tabana — é controlada por Israel. “Há tempos, noutra comunidade, uma ONG montou tendas para os beduínos abrigarem animais”, conta Ricci. “Os israelitas chegaram e levaram as tendas, alegando serem construções ilegais…”
Nos cinco dias que o Expresso passou na Cisjordânia — guiado, inclusive, por organizações israelitas como Ir Amim e Breaking the Silence —, a presença de colonatos, estradas segregadas, checkpoints, muros de betão e vedações em arame farpado foi uma constante no horizonte. Nalgumas áreas, placas vermelhas alertavam para “zona minada”.
Pipocas CR7 sem clientes
Na Cisjordânia, é Israel quem recolhe os impostos pagos pelos palestinianos. Mensalmente, está obrigado a transferir 400 milhões de shekels (85 milhões de euros) para a AP, que com eles paga salários aos seus 160 mil funcionários, incluindo na Faixa de Gaza. Este território é governado pelo Hamas, que tem funcionários próprios, pelo que os da AP recebem… para ficar em casa.
Nem sempre Israel passa o cheque devido, pelo que os palestinianos ficam meses sem receber. A ‘economia dos checkpoints’ — vendas ambulantes junto aos postos militares israelitas dentro da Cisjordânia — torna-se, então, uma alternativa. Em Belém, vendedores acercam-se da fila de carros que aguarda a sua vez para passar o controlo israelita, tentando vender desde cobertores a copos de chá. No posto da Qalandia, entre Ramallah e Jerusalém, o carrinho de Pipocas CR7 está sem clientes.
Atravessar a pé o posto da Qalandia é uma experiência obrigatória para qualquer jornalista em reportagem na Palestina. À entrada, uma gare com bancos compridos indicia a possibilidade de uma longa espera. E a passagem não é certa. “Sabem que há grávidas palestinianas que saem de casa três meses antes de dar à luz e vão viver com familiares noutras regiões?”, diz Mustafa Barghouti, fundador da Iniciativa Nacional Palestiniana, uma espécie de ‘terceira via’, alternativa à dicotomia Fatah-Hamas. “Têm medo de perder os bebés na hora do parto. Foi o que aconteceu a 35 de 86 mulheres que tiveram os filhos em checkpoints ou junto ao muro. Israel não as deixou passar para irem para o hospital.”
Quando os jornalistas ibéricos tentaram atravessar o posto da Qalandia, não havia congestionamento. Passados o controlo de passaporte e a máquina de raios-X, uma jornalista portuguesa fica para trás, retida por uma guarda que se lhe dirigia aos berros.
Humilhações no checkpoint
A espera pela jornalista é vivida com angústia. Shadi, um palestiniano de Ramallah que acompanha o grupo, e atravessa o checkpoint a pé todos os dias para trabalhar em Jerusalém-Leste, partilha um episódio que ali testemunhou. “Era uma senhora de idade, visivelmente doente. Devia querer ir ao hospital. O guarda quis revistá-la e ela pediu para ser uma mulher a fazê-lo. Ele ordenou-lhe que despisse o casaco, senão tinha de voltar para trás. Ela voltou para trás. Foi humilhante…”
A jornalista portuguesa surge nervosa e lavada em lágrimas. Fora levada para um gabinete, interrogada e ameaçada de prisão se voltasse a fotografar no checkpoint. Todas as fotos que tinha tirado durante a viagem foram apagadas. É então que a ‘síndroma da Qalandia’ toma de assalto os jornalistas: “Vou fazer uma cópia das fotos que já tirei.” “E se apagam as entrevistas do gravador?” “Vou fotografar as minhas notas para o caso de apreenderem o meu bloco.” “Quero comprar um livro sobre o Hamas. Será que passa no aeroporto?”
ISRAEL FORMA GOVERNO A TEMPO DA VISITA DE OBAMA
Quase dois meses após a realização de eleições legislativas, Israel tem finalmente um governo. Na madrugada de ontem, Benjamin Netanyahu — o primeiro-ministro cessante e líder da coligação partidária vencedoras das eleições, Likud-Beiteinu — convenceu o Yesh Atid e a Casa Judaica (segundo e quarto partidos mais votados, respetivamente) a aderir à coligação. Anteriormente, “Bibi” já garantira o apoio do partido Hatnua, da antiga ministra dos Negócios Estrangeiros Tzipi Livni, a qual ficará com a pasta da Justiça e ficará encarregada das negociações de paz com os palestinianos. Pela primeira vez em muitos anos, o Governo israelita não incluirá membros de partidos ultraortodoxos. No Knesset (Parlamento), a coligação terá o apoio de 68 dos 120 deputados. Segundo o sítio “The Times of Israel”, o novo governo deverá tomar posse na segunda-feira — 48 horas antes da chegada de Barack Obama, a primeira visita do segundo mandato e, simultaneamente, a primeira ida a Israel. O Presidente dos Estados Unidos é esperado, igualmente, na cidade palestiniana de Ramallah, na Cisjordânia.
O Expresso viajou a convite do Representante da União Europeia para a Cisjordânia e Gaza
Artigo publicado no “Expresso”, a 16 de março de 2013

Acampamento beduíno de Tabana MARGARIDA MOTA 
Cartaz israelita em Hebron MARGARIDA MOTA 
Checkpoint da Qalandia MARGARIDA MOTA 
Mural no campo de refugiados de Aida, em Belém MARGARIDA MOTA 
Mural no campo de refugiados de Aida, em Belém MARGARIDA MOTA 
Mural no campo de refugiados de Aida, em Belém MARGARIDA MOTA








































