Barcelona e Real Madrid não deixam nenhum palestiniano indiferente. Em noite de Liga dos Campeões, o Expresso viu o jogo de Ronaldo e Mourinho, num bar de Ramallah. Reportagem na Palestina
Televisões sintonizadas na Liga dos Campeões, no bar Beit Aneeseh, perto do centro de Ramallah MARGARIDA MOTA
Ao fim de uma hora a discorrer sobre Israel, a Palestina e as eternas divergências entre ambos, Yasser Abd Rabbo, secretário-geral da Organização de Libertação da Palestina (OLP), aproveitando a presença de vários jornalistas espanhóis, saiu-se com uma tirada surpreendente: “Na Palestina, 90% das pessoas são adeptas do Barcelona. Os outros 10%… são ‘traidores'”, disse com uma gargalhada.
Os ‘traidores’ a que se refere Abd Rabbo são os simpatizantes do Real Madrid. Presente no encontro, realizado no edifício do Comité Executivo da OLP, o palestiniano Shadi, um confesso adepto do Barcelona, aproveitou para confidenciar ao Expresso: “Não serão 90%… Eu diria que 50% para cada lado”.
A avaliar pelos comentários dos palestinianos sempre que o assunto vem à baila, não é exagero afirmar que, na Palestina, a rivalidade entre o Barcelona e o Real Madrid é, porventura, mais ampla do que a disputa entre a Fatah e o Hamas.
Em noite de Liga dos Campeões, que incluía um renhido Manchester United-Real Madrid (dado o 1-1 na primeira mão), nada como ver o jogo entre locais para atestar da real popularidade do clube espanhol.
Cerveja, amendoins e Iphones
São cerca de 21h45 e as televisões do Beit Aneeseh, um bar perto do centro de Ramallah, sintonizam na Al-Jazeera Sports. A música ambiente cede lugar à voz de um relatador. E os clientes, homens e mulheres, acumulam-se junto aos dois plasmas: um na área das mesas, sobre as quais há cervejas, taças de amendoins e… iphones; o outro junto ao balcão, de frente para uma generosa montra de bebidas alcoólicas.
“Ronaldo”, “Mourinho”, “Nani”, “Coentrão”. O relato da Al-Jazeera Sports não tropeça nos nomes dos jogadores portugueses. Os olhares dos clientes do bar, esses, não desligam dos ecrãs e as jogadas mais emotivas são acompanhadas com a expectativa de quem se prepara para celebrar um golo.
O ‘Man United’ adianta-se no marcador e há alguns clientes que explodem de contentamento. Mas quando Nani é expulso da equipa britânica e, depois, Modric empata para os espanhóis, os adeptos palestinianos do Real embalam para a vitória.
Há aplausos a cada ataque madridista, mãos na cabeça a cada lance de perigo dos ingleses e pulos das cadeiras a cada bola que beija a baliza. Até que, ao minuto 69, CR7 faz o 2-1 final. Em Ramallah, retribuem-lhe a alegria com aplausos de pé.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 6 de março de 2013. Pode ser consultado aqui
O Presidente da Venezuela visitou Portugal por cinco vezes, a título oficial. A primeira, em 2001, dois anos após ter subido ao poder. A última, em 2010, já depois de se ter deixado seduzir pelo computador Magalhães. Uma fotogaleria de 20 imagens
1ª visita, outubro de 2001: Hugo Chávez discursa no Palácio de S. Bento1ª visita, outubro de 2001: Com o primeiro-ministro António Guterres, nos jardins de S. Bento1ª visita, outubro de 2001. Na Venezuela, vive aproximadamente meio milhão de portugueses1ª visita, outubro de 2001. A comunidade portuguesa na Venezuela é a maior na América Latina, a seguir à do Brasil2ª visita, novembro de 2007: O primeiro-ministro José Sócrates recebe o Presidente venezuelano, no Palácio de S. Bento, em Lisboa2ª visita, novembro de 2007. Sócrates retribuiria a visita de Chávez, visitando a Venezuela em maio de 20082ª visita, novembro de 2007: Chávez, Sócrates, Mário Soares e o secretário de Estado das Comunidades António Braga2ª visita, novembro de 2007. Em 2010, os emigrantes portugueses na Venezuela enviaram remessas no valor de 15.784.000 de euros3ª visita, julho de 2008: Hugo Chávez e José Sócrates ouvem os hinos nacionais, em S. Bento3ª visita, julho de 2008. Segundo os censos de 2010, viviam em Portugal 2009 venezuelanos3ª visita, julho de 2008. Em 2010, a maior comunidade venezuelana situava-se na Madeira (646), seguida de Aveiro (613) e do Porto (197)3ª visita, julho de 2008. Dois políticos, a mesma geração. Sócrates nasceu três anos após Chávez4ª visita, setembro de 2008: Chávez e Sócrates encontram-se em Lisboa, pela terceira vez4ª visita, setembro de 2008: Conferência de imprensa após a assinatura de um acordo bilateral4ª visita, setembro de 2008: Chavez, Sócrates e… o computador Magalhães4ª visita, setembro de 2008: Hugo Chávez experimentou o Magalhães e encomendou um milhão de portáteis para as crianças venezuelanas5ª visita, outubro de 2010: Chávez aos comandos de um navio, nos estaleiros de Viana do Castelo5ª visita, outubro de 2010: Hugo Chávez segura uma miniatura que comprou nos estaleiros de Viana do Castelo, a 24 de outubro5ª visita, outubro de 2010: O Presidente venezuelano saúda populares que o esperam à chegada a uma fábrica de computadores, em Viana do Castelo5ª visita, outubro de 2010: Conferência de imprensa final, em Viana do Castelo, a 24 de outubro, no fim da visita de um dia só a Portugal
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 5 de março de 2013. Pode ser consultado aqui
O Presidente da Venezuela morreu terça-feira na sequência de um cancro. Reeleito para um quarto mandato, não resistiu até à tomada de posse, cuja data estava em aberto. O Governo decretou sete dias de luto
Mural que retrata Hugo Chávez e a sua ascensão ao céu, na zona de Bellas Artes, no centro de Caracas WILFREDOR / WIKIMEDIA COMMONS
É oficial: o Presidente da Venezuela, Hugo Chávez, de 58 anos, morreu esta terça-feira, às 16h25 hora de Caracas (20h55 em Lisboa), perdendo a batalha contra o cancro. O anúncio foi feito pelo vice-presidente Nicolás Maduro na televisão estatal.
O agravamento do estado de saúde de Chávez já tinha levado o seu braço-direito a dirigir-se hoje à nação, em direto do Palácio Presidencial de Miraflores em Caracas. Num discurso pessimista, Maduro admitiu que o líder venezuelano estava a enfrentrar “complicações”, acusou os “inimigos da revolução” de lhe terem provocado a doença, abrindo portas para que o caso possa vir a ser investigado, e revelou ter sido expulso um diplomata dos EUA por alegada conspiração.
Antes de anunciada a morte, os EUA rejeitaram “firmemente” as acusações, através de um comunicado de Patrick Ventrell, porta-voz do departamento de Estado, que considerou “um absurdo” a teoria de uma implicação na doença de Hugo Chávez.
Morte anunciada
Entretanto, o “ABC” noticiou que o falecimento do Presidente terá ocorrido nove horas antes do seu anúncio, isto é, de manhã, cerca das 7h hora de Caracas. Segundo o diário espanhol, o atraso na divulgação do óbito e as primeiras declarações de Nicolás Maduro sobre a condição clínica de Chávez fizeram parte de uma estratégia para desviar as atenções dos media e permitir que o corpo fosse trasladado num avião a partir de Cuba.
“Na noite de segunda-feira, um telefonema alertou o jornal que a família do Presidente tinha concordado que os médicos desistissem de prolongar-lhe a vida. Previa-se, portanto, que nas horas seguintes, se desligasse a assistência artificial que sustinha o paciente. Quando ocorresse a morte, o cadáver seria transportado de Cuba para a Venezuela para anunciar ao povo a morte do Presidente como se tivesse ocorrido no Hospital Militar de Caracas”, lê-se no ABC.
Sete dias de luto nacional
O corpo de Chávez estará a partir desta quarta-feira em câmara ardente na Academia Militar, em Caracas, revelou o ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Elías Jaua. O funeral de Estado realiza-se na sexta-feira, mas deconhece-se, para já, o local do enterro. Entretanto, foram decretados sete dias de luto nacional.
Hugo Chávez era o líder mais controverso da América Latina. Chegou ao poder em 1998 e foi reeleito três vezes (2000, 2006 e 2012). De permeio, venceu um referendo que alterou a Constituição, consagrando mandatos presidenciais ilimitados. Hugo Chávez gostava do poder e sonhava não abandona-lo.
A vitória nas presidenciais de 7 de outubro passado, quando a o seu estado de saúde já era mais noticiado do que os seus feitos políticos, possibilitava-lhe uma longevidade política até 2019. Ao seu povo, Chávez pediu mais tempo para concluir a sua revolução socialista.
Chávez subiu ao poder em 1998, apoiado numa plataforma anti-pobreza e anti-corrupção. Ganhou as eleições com 56% dos votos e, no ano seguinte, lançou o Plano Bolívar, para recuperar infraestruturas decadentes e acabar com as privatizações.
Paraquedista golpista
Filho de um humilde casal de professores, Hugo Chávez Frias nasceu a 28 de julho de 1954, em Sabaneta, no estado de Barinas (sudoeste do país), o mais pobre da Venezuela. Era o segundo de seis irmãos.
Os seus apoiantes diziam que ele era a voz dos pobres. Os críticos acusavam-no de ser crescentemente autocrático e recordavam o seu “modus operandi” anterior à presidência. A 4 de fevereiro de 1992, ele liderara uma tentativa de golpe contra o Presidente Carlos Andres Perez. Chávez tinha 38 anos e era paraquedista.
Entrara para a Academia Militar aos 17 anos e ali se deixara deslumbrar pela figura e pelos ideais de Simon Bolivar, o revolucionário venezuelano que influenciou as independências na América Latina.
Em 1992, Chávez tentara tirar dividendos políticos do descontentamento popular resultante das medidas de austeridade e de repressão adotadas pelo Governo e que desencadearam protestos e distúrbios (“El Caracazo”). Mas o golpe acabaria por falhar.
Passou dois anos na prisão, sendo perdoado e libertado em 1994 pelo então Presidente Rafael Caldera. Em 1997, fundou o Movimento Quinta República, como que preparando a transição da fase de soldado para a fase de político. Um ano depois, era chefe de Estado da Venezuela.
Deposto durante 47 horas
A 11 de abril de 2002, uma tentativa de golpe afastou Chávez do poder durante 47 horas. A manobra foi reconhecida pelos Estados Unidos, o que levou Chávez a acusar Washington de ter orquestrado o golpe.
A relação entre Caracas e Washington era turbulenta. Chávez chamava ao Presidente dos EUA George “Mr. Danger” Bush (George “Sr. Perigo” Bush). Iniciada a guerra no Afeganistão, em 2001, Chávez acusou os EUA de combaterem o terror… com mais terror.
Seguiu-se a guerra no Iraque e Chávez continuou a não poupar Bush. “O Diabo veio cá ontem”, disse, benzendo-se de seguida, a 20 de setembro de 2006, na Assembleia Geral da ONU, referindo-se ao discurso, na véspera, do chefe de Estado norte-americano. “Ainda cheira a enxofre.”
“Por qué no te callas?”
Inversamente à animosidade com Bush, desenvolveu uma grande proximidade com Fidel Castro, uma espécie de pai político, a quem visitou várias vezes em Havana após “El Comandante” se ter afastado da política ativa por razões de saúde.
De língua afiada, assegurava aos domingos de manhã o programa televisivo “Alô Presidente!”, onde discursava, entrevistava, cantava e dançava e respondia a perguntas dos telespetadores.
Tornou-se um fenómeno mediático, inclusive no dia em que ficou sem reação quando Juan Carlos de Espanha lhe atirou na cimeira ibero-americana de 2007, em Santiago do Chile: “Por qué no te callas?”.
Quimioterapia em Havana
A 30 de junho de 2011, num discurso à nação, Chávez admitiu pela primeira vez que tinha cancro.
A doença tornou-se um assunto de Estado, as suas aparições públicas começaram a escassear em virtude da degradação do seu estado de saúde e das deslocações a Havana para sessões de quimioterapia. Nas redes sociais, dispararam os rumores. Até ao dia em que a notícia da sua morte foi confirmada.
Artigo escrito com Raquel Pinto.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 5 de março de 2013. Pode ser consultado aqui
Na Cisjordânia, vive-se uma situação de “apartheid”, denuncia o político independente Mustafa Barghouti. Reportagem na Palestina
Socorrendo-se de slides, Mustafa Barghouti vai demonstrando que, hoje, o Estado palestiniano não é mais do que “aglomerados, guetos e bantustões” MARGARIDA MOTA
“Há palestinianas que saem de casa três meses antes de dar à luz e vão viver com amigos ou familiares, noutras regiões. Têm medo de, na hora do parto, perder os bebés… Foi o que aconteceu a 35 de 86 mulheres obrigadas a ter os filhos junto ao Muro ou em checkpoints. Israel não as deixou passar para irem ao hospital.”
A imagem é forte. Por isso mesmo, Mustafa Barghouti escolhe-a para exemplificar os dramas que se vivem na Cisjordânia. Este médico de 59 anos não é do Hamas nem da Fatah. Em 2002, em plena segunda Intifada, lançou a Iniciativa Nacional Palestiniana, uma espécie de “terceira via”, alternativa à tradicional dicotomia política palestiniana.
Em Ramallah, recebeu um grupo de jornalistas portugueses e espanhóis, entre os quais o Expresso — de visita à Cisjordânia a convite da União Europeia — para quem fez um briefing, transmitido em direto pela Palestine TV, sobre a perspetiva palestiniana do conflito.
Socorrendo-se de slides, foi sobrepondo mapas da região desde 1947, demonstrando como a mancha do território palestiniano é cada vez menor e como, hoje, o Estado palestiniano não é mais do que “aglomerados, guetos e bantustões”.
Um projeto de “Apartheid”
“Primeiro, Israel construiu colonatos, depois instalou checkpoints para impedir a liberdade de circulação dos palestinianos. Mais tarde veio o Muro”, diz. “Israel vem aplicando este plano desde 1967.” (Plano Allon)
Vinte anos após o último tratado de paz — Acordos de Oslo (1993) —, Barghouti não tem dúvidas: “O conceito de áreas A, B e C (referentes, respetivamente, ao controlo total israelita, controlo civil palestiniano e controlo total palestiniano) não é mais do que um esforço de Israel para transformar Oslo, que era um projeto para resolver o problema e passou a ser um projeto de consolidação do apartheid.”
Em outubro passado, uma sondagem realizada em Israel, pela empresa Dialog, revelou que a maioria dos inquiridos apoiava o estabelecimento de um regime de apartheid em Israel se a Cisjordânia for formalmente anexada.
Nas mãos da comunidade internacional
O Expresso pergunta a Barghouti que hipótese de sobrevivência tem a solução de dois Estados, que as duas partes defendem para resolver o problema. “Corre um grande risco. E morrerá se continuarem a permitir que Israel atue desta maneira”, responde.
“Os palestinianos não o conseguem impedir sozinhos”, continua. “Temos o movimento de resistência pacífica e várias outras formas de resistência. Mas sem uma componente internacional de boicotes, desinvestimentos e sanções contra Israel não teremos sucesso. Na prática, a resposta à pergunta ‘Pode a solução de dois Estados ser salva?’ está nas mãos da comunidade internacional.”
Israel dá nega a Durão Barroso
Nascido em Jerusalém, Mustafa Barghouti viu Israel retirar-lhe a autorização para se deslocar à cidade onde também trabalhou como médico durante 15 anos na sequência da sua candidatura às presidenciais palestinianas, em 2005. (Ficou em segundo lugar, atrás de Mahmud Abbas, com cerca de 20% dos votos.)
No ano passado, o Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, foi à região e demonstrou interesse em receber Barghouti. A União Europeia pediu autorização a Israel para que o encontro acontecesse em Jerusalém. Israel recusou.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 4 de março de 2013. Pode ser consultado aqui
O Presidente da Venezuela foi transferido para a residência oficial na ilha de La Orchila. Segundo o diário espanhol ABC, para que possa “viver em família a fase terminal da sua doença”
O Presidente da Venezuela foi transferido do hospital, onde estava internado após o seu regresso de Cuba, para a sua residência oficial na ilha de La Orchila “para viver em família a fase terminal da sua doença”, avança hoje o diário espanhol ABC.
A mudança aconteceu “há vários dias” e seguiu-se a uma avaliação médica muito negativa, faz hoje uma semana. A última tomografia revelou que 35% do pulmão esquerdo de Chávez já estava afetado pelo cancro.
Após regressar a Cuba, a 18 de fevereiro, Hugo Chávez não mais foi visto em público. Nas redes sociais, a sua morte fosse antecipada vezes sem conta. Hoje, o vice-Presidente Nicolás Maduro pediu “confiança” e uma “fortaleza revolucionária” para fazer frente aos rumores. Acusou também o ABC de Espanha de ter “uma atitude manipuladora e fascistóide”.
Chávez regressou de Cuba em situação estável, mas logo surgiram graves problemas respiratórios levando, diz o ABC, à necessidade de “voltar a utilizar ventilação artificial para facilitar a respiração”.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 1 de março de 2013. Pode ser consultado aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.