Violência ensombra abertura política

O Presidente birmanês recebeu um prémio de paz, a UE levantou sanções, mas falta conter a violência contra a minoria islâmica

Prémio “In Pursuit of Peace” atribuído, em 2013, a Thein Sein pelo International Crisis Group DR

Até há três anos, a antiga Birmânia era um Estado-pária. Hoje, diz, ter em curso um processo democrático exemplar. Esta semana, em Nova Iorque, o International Crisis Group atribuiu ao Presidente Thein Sein o prémio “Em Busca da Paz”. “Myanmar (nome dado ao país pela Junta Militar que governou até 2011) iniciou um conjunto notável e sem precedentes de reformas desde que Thein Sein assumiu funções em março de 2011”, justificou Thomas R. Pickering, presidente da organização. “Pela primeira vez em 50 anos, todos, exceto um dos grupos étnicos armados, assinaram tréguas e espera-se um acordo com os kachin para breve.”

Para acentuar a reabilitação birmanesa, no mesmo dia (segunda-feira), a União Europeia levantou as últimas sanções comerciais, económicas e individuais, com exceção do embargo de armas. “É tempo de acabar com as sanções”, comentou a líder da oposição e Nobel da Paz Aung San Suu Kyi. “Não quero depender para sempre de fatores externos para alcançar a reconciliação nacional.”

Adeus à barragem

Vários factos contribuem para que se fale numa ‘primavera birmanesa’: a líder da oposição saiu de prisão domiciliária, houve eleições, foram libertados mais de 6000 presos políticos, há mais vistos para visitar o país, as regras da censura foram revistas e debates no Parlamento são transmitidos na televisão. Em jeito de reconhecimento, em novembro de 2012, Barack Obama tornou-se o primeiro Presidente dos EUA a visitar este país, estrategicamente situada entre a Índia e a China.

Também a relação com os vizinhos está a mudar. A 30 de setembro de 2011, o Presidente Thein Sein suspendeu a construção da gigantesca barragem Myitsone, em parceria com a China. A decisão foi aplaudida pelos ambientalistas — dada a extensão de área a inundar — e mostrou que Rangum já não é ‘um pau mandado’ de Pequim.

A afirmação birmanesa não se faz, porém, sem condenações. Segunda-feira, a Human Rights Watch divulgou um relatório, implicando as autoridades de Rangum em “crimes contra a humanidade e limpeza étnica de muçulmanos rohingya”. A violência ocorreu em junho e outubro de 2012, no Estado de Arakan (200 mortos e 125 mil deslocados).

Os agressores mais ativos na perseguição aos rohingya são membros de um partido nacionalista e monges budistas. No YouTube, os vídeos de Saydaw Wirathu — um monge fanático de 45 anos que se intitula “Bin Laden birmanês” — são um sucesso. Incita ao ódio anti-islâmico e à criação de um Estado de apartheid (campanha 969). “É muito triste”, condenou o Dalai Lama, líder espiritual tibetano. “Buda ensina perdão, tolerância e compaixão.”

Na Birmânia vivem 800 mil rohingya, sem direito a cidadania e tratados como imigrantes ilegais do Bangladesh. No ano passado, o Presidente birmanês sugeriu o seu envio “para outro país”.

Artigo publicado no Expresso, a 27 de abril de 2013

Foguetes atingem estância israelita

Dois foguetes caíram em Eilat, um importante destino turístico no Mar Vermelho. Não provocou vítimas, mas relança o problema da insegurança na península egípcia do Sinai

A cidade israelita de Eilat foi atingida, na quarta-feira de manhã, por dois foguetes. Um caiu numa zona residencial, o outro numa área desabitada. O ataque provocou estragos, mas não se registaram feridos.

O Exército israelita disse que os foguetes foram disparados por terroristas islamitas, a partir da península egípcia do Sinai. Inicialmente, as autoridades egípcias negaram essa possibilidade, mas mais tarde anunciaram uma inspeção à região na procura de indícios.

Ao início da tarde, o diário israelita “Haaretz” escreveu que o ataque foi reivindicado pelo grupo salafita Magles Shoura al-Mujahddin, em retaliação à forma como as forças israelitas lidaram com os protestos de palestinianos relativos à morte de um prisioneiro.

O aeroporto de Eilat esteve temporariamente encerrado. Segundo o “Jerusalem Post”, mal soaram as sirenes de alarme, os turistas foram conduzidos para salas de segurança, nos hotéis.

Há duas semanas, uma bateria do escudo israelita antimíssil Cúpula de Ferro foi instalada perto de Eilat, que é simultaneamente um importante destino turístico no Mar Vemelho. Hoje, o sistema não foi utilizado.

A Rádio de Israel chegou a noticiar que dois outros foguetes tinham sido disparados contra Aqaba, uma estância em território jordano, a poucos quilómetros de Eilat. Mais tarde, as autoridades da Jordânia desmentiram.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de abril de 2013. Pode ser consultado aqui

Portugal sabe reinventar-se

Cavaco Silva encerrou uma conferência internacional destinada a lançar desafios para as próximas décadas afirmando a importância do mar

Cavaco Silva encerrou a conferência internacional “Portugal na Balança da Europa e do Mundo” com um rasgado elogio ao Atlântico. “É na Bacia do Atlântico que se concentra o nosso maior potencial competitivo: pela localização geográfica, concentração de países lusófonos, maior presença das comunidades portuguesas e algumas das nossas principais parcerias estratégicas.”

O chefe de Estado português reafirmou uma convicção antiga dizendo que “é no mar que poderemos reencontrar uma das mais promissoras fontes de desenvolvimento estratégico”. Por um lado, devido aos recursos físicos disponíveis, por outro por ser um espaço de mobilidade onde se cruzam importantes rotas da economia mundial.

Organizada pela Presidência da República, esta conferência visou lançar o debate público sobre “os desafios e oportunidades” que Portugal enfrenta nas próximas décadas. Cada um dos cinco painéis refletiu, especificamente, sobre o Atlântico Norte, Atlântico Sul, Oriente, Mediterrâneo e Médio Oriente e Europa.

Passado sem ressentimentos

Cavaco Silva recordou as suas viagens à Índia, Indonésia e Timor-Leste e realçou “o capital de conhecimento e de respeito mútuo” que, no Oriente, confere a Portugal e aos portugueses “um lugar especial”. “Nestes países encontrei o testemunho de simpatia, abertura e vontade de cooperação que são reflexo de um passado, recordado sem ressentimentos.”

Após referir a vocação euro-marítima de Portugal,  o Presidente não contornou a questão da crise europeia. “Portugal e a Europa vivem hoje um tempo particularmente difícil e exigente. O mercado único e o euro constituem duas traves mestras da União Europeia. Mas a agenda europeia deve centrar-se também no crescimento e no emprego”.

Cavaco Silva fez questão de terminar a conferência com uma mensagem positiva. “Ao longo da História, Portugal tem-se reiventado e superado desafios. É nas conjunturas mais exigentes que urge saber reinventar a esperança.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de abril de 2013. Pode ser consultado aqui

Oriente aberto aos portugueses

A herança histórica de Portugal no continente asiático é hoje uma vantagem competitiva, concluiu o painel sobre a Rota do Oriente

Este ano assinalam-se os 500 anos da chegada dos portugueses à China. Para Ming K. Chan, professor de Estudos Asiáticos na Universidade de Stanford, “essa experiência luso-sino-macaense é uma vantagem para o reposicionamento global de Portugal no século XXI”.

E como fazê-lo? Aproveitar os quadros qualificados, introduzir o saber das línguas, atraindo asiáticos para estudar português, divulgar os produtos portugueses e promover o turismo a Oriente, por exemplo.

Paralelamente, é muito importante a existência de voos entre Lisboa e Macau, “com escala em Pequim e Xangai”. E ainda informar os asiáticos acerca dos facilidades que Portugal significa no contacto com brasileiros e angolanos. “A China está entusiasmada com a cooperação com o Brasil e com Angola”, afirmou Ming K. Chang.

“A China é ponte de Portugal para a Ásia e Macau é a ponte de Portugal para a China”, concluiu o professor a sua apresentação, citando um editorial do jornal “China Daily”, de 28 de junho de 2010.

Na memória dos povos

A experiência histórica de Portugal durante cinco séculos, em três oceanos, quatro continentes é um capital que não pode ser ignorado. Pedro Catarino, embaixador com 14 anos de contactos com o Oriente, afirma que “Portugal tem de fazer renascer o seu passado histórico de viajante e comerciante”.

A herança portuguesa permanece na memória dos povos e isso é hoje uma “vantagem competitiva” que Portugal “tem de aproveitar de forma inteligente”.

O diplomata dá como exemplo as duas batalhas travadas nas Nações Unidas, em 1996 e 2010. Portugal disputava um lugar no Conselho de Segurança, contra grandes países, mais poderosos e influentes. Em 1996, derrotou a Austrália e em 2010 o Canadá. “Foi uma prova de confiança e de abertura em relação ao nosso país”, disse Pedro Catarino.

Na base da vitória esteve a imagem de Portugal como “uma ponte entre povos e civilizações”. O apoio do bloco asiático a Portugal foi esmagador. Amr Moussa, ex-secretário-geral da Liga Árabe, presente nesta conferência, também comentou o feito: “Os países árabes e muçulmanos votaram todos em Portugal”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de abril de 2013. Pode ser consultado aqui

Atlântico, a ponte para o centro do mundo

Portugal está a meio caminho entre a Europa e o novo mundo. A aposta no Atlântico pode tirar o país da periferia europeia

“Enquanto fui ministro dos Negócios Estrangeiros, tive sempre como referência dois vizinhos fundamentais: a Espanha, que era a nossa porta para a Europa, e o Atlântico, que era a nossa porta para o mundo.” Luís Amado, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, dava o mote para o debate centrado no Atlântico,  na conferência “Portugal na balança da Europa e do mundo”.

Para o ex-governante, a rota do Atlântico coloca Portugal “no centro de uma nova realidade económica e financeira, e não na periferia europeia”. Independentemente da forma como a Europa arrumar a casa pós-crise, “um dos vetores fundamentais para a estabilidade da nova ordem em gestação é a reorganização do sistema atlântico”, diz.

Uma troika do desenvolvimento

O Atlântico é, hoje, uma ponte entre uma região em processo de afirmação (América Latina) e o continente do século XXI (África). E Portugal tem potencialidades a explorar nas duas margens: desde logo, o Brasil e Angola, países de língua portuguesa em franco crescimento económico, mas também as comunidades lusófonas na Venezuela e na África do Sul, por exemplo, países de grande importância económica para Portugal.

“Lisboa está a meio caminho entre a Europa e o novo mundo”, diz Francis Kornegaly, investigador no Institute for Global Dialogue da Universidade da África do Sul. “Porque não explorar a possibilidade de ser observador do IBSA, tornando-se assim um parceiro de diálogo próximo da Índia e da África do Sul? Angola poderia fazer o mesmo.”

O IBSA é um fórum de diálogo que reúne três economias emergentes: o Brasil, a Índia e a África do Sul. Esta troika é o grande pólo dinamizador da cooperação Sul-Sul.

O recurso do futebol

António Monteiro, embaixador, recorda que foram os portugueses que transformaram o Atlântico Sul “num mundo de convergências”. Hoje, esse papel pode ser recuperado, “estabelecendo pontes entre nações do Atlântico Norte e as nações emergentes do Atlântico Sul”.

Profundo estudioso da História de Portugal, Kenneth Maxwell, professor de História na Universidade de Harvard, diz que Portugal tem um papel a desempenhar na interação entre as duas margens do Atlântico. “O potencial de um país reside muito mais no seu ‘soft power’, na sua diplomacia cultural, do que nas dinâmicas mais tradicionais de natureza geopolítica e militar.”

Grandes fundações reconhecidas internacionalmente como a Gulbenkian, a Luso-Americana, Oriente e Champalimaud são exemplos de valiosos recursos ao dispor do país. Mas não só. “O próximo campeonato do mundo de futebol e os próximos Jogos Olímpicos no Brasil também vão constituir uma oportunidade. E, apesar de tudo, Portugal tem o futebol: José Mourinho, André Vilas Boas e Cristiano Ronaldo são portugueses conhecidos lá fora.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de abril de 2013. Pode ser consultado aqui