O Presidente birmanês recebeu um prémio de paz, a UE levantou sanções, mas falta conter a violência contra a minoria islâmica

Até há três anos, a antiga Birmânia era um Estado-pária. Hoje, diz, ter em curso um processo democrático exemplar. Esta semana, em Nova Iorque, o International Crisis Group atribuiu ao Presidente Thein Sein o prémio “Em Busca da Paz”. “Myanmar (nome dado ao país pela Junta Militar que governou até 2011) iniciou um conjunto notável e sem precedentes de reformas desde que Thein Sein assumiu funções em março de 2011”, justificou Thomas R. Pickering, presidente da organização. “Pela primeira vez em 50 anos, todos, exceto um dos grupos étnicos armados, assinaram tréguas e espera-se um acordo com os kachin para breve.”
Para acentuar a reabilitação birmanesa, no mesmo dia (segunda-feira), a União Europeia levantou as últimas sanções comerciais, económicas e individuais, com exceção do embargo de armas. “É tempo de acabar com as sanções”, comentou a líder da oposição e Nobel da Paz Aung San Suu Kyi. “Não quero depender para sempre de fatores externos para alcançar a reconciliação nacional.”
Adeus à barragem
Vários factos contribuem para que se fale numa ‘primavera birmanesa’: a líder da oposição saiu de prisão domiciliária, houve eleições, foram libertados mais de 6000 presos políticos, há mais vistos para visitar o país, as regras da censura foram revistas e debates no Parlamento são transmitidos na televisão. Em jeito de reconhecimento, em novembro de 2012, Barack Obama tornou-se o primeiro Presidente dos EUA a visitar este país, estrategicamente situada entre a Índia e a China.
Também a relação com os vizinhos está a mudar. A 30 de setembro de 2011, o Presidente Thein Sein suspendeu a construção da gigantesca barragem Myitsone, em parceria com a China. A decisão foi aplaudida pelos ambientalistas — dada a extensão de área a inundar — e mostrou que Rangum já não é ‘um pau mandado’ de Pequim.
A afirmação birmanesa não se faz, porém, sem condenações. Segunda-feira, a Human Rights Watch divulgou um relatório, implicando as autoridades de Rangum em “crimes contra a humanidade e limpeza étnica de muçulmanos rohingya”. A violência ocorreu em junho e outubro de 2012, no Estado de Arakan (200 mortos e 125 mil deslocados).
Os agressores mais ativos na perseguição aos rohingya são membros de um partido nacionalista e monges budistas. No YouTube, os vídeos de Saydaw Wirathu — um monge fanático de 45 anos que se intitula “Bin Laden birmanês” — são um sucesso. Incita ao ódio anti-islâmico e à criação de um Estado de apartheid (campanha 969). “É muito triste”, condenou o Dalai Lama, líder espiritual tibetano. “Buda ensina perdão, tolerância e compaixão.”
Na Birmânia vivem 800 mil rohingya, sem direito a cidadania e tratados como imigrantes ilegais do Bangladesh. No ano passado, o Presidente birmanês sugeriu o seu envio “para outro país”.
Artigo publicado no “Expresso”, a 27 de abril de 2013
