Tragédia humana “sem paralelo na história”

A guerra já forçou mais de seis milhões de pessoas a abandonar as suas casas (25% da população). Um terço deles fugiu mesmo do país

Esta semana, o número de refugiados sírios — forçados a atravessar a fronteira para procurar abrigo nos países vizinhos —ultrapassou os dois milhões. Segundo o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR), há um novo refugiado a cada 15 segundos. “Esta tendência é alarmante e representa um salto de quase 1,8 milhões de pessoas nos últimos 12 meses”, informou o ACNUR, em comunicado. Há um ano, o número de refugiados registados ou à espera de registo era de 230.670.

Fora destas estatísticas fica uma tragédia ainda maior e mais discreta, que acontece no interior da Síria, longe das câmaras das grandes cadeias de TV internacionais: os deslocados internos ascendem a 4,25 milhões de pessoas.

Com cerca de 22 milhões de habitantes, a Síria tornou-se “uma calamidade humanitária vergonhosa com sofrimento e deslocações sem paralelo na história recente”, afirmou António Guterres, que lidera o ACNUR. “O único consolo é a humanidade demonstrada por países vizinhos em acolher e salvar as vidas de tantos refugiados.”

Mais de 97% dos refugiados sírios buscaram refúgio em países vizinhos. Mas o drama chega à Europa também. O caso português é apenas um exemplo. Estatísticas do Centro Português de Refugiados (CPR) revelam que, em 2012, 19 sírios pediram asilo a Portugal. Em 2013, até finais de agosto, o número ascende já aos 69. “Muitos deles utilizam Portugal como país de trânsito, por isso não ficam cá”, explicou ao Expresso Mónica Frechaut, do CPR. “Seguem para outros países, sobretudo do norte da Europa.”

Na terça-feira, a Suécia tornou-se o primeiro país da União Europeia a oferecer o estatuto de residência permanente a refugiados sírios.

“Tendo em consideração que a situação na Síria se agravou, guiamo-nos pelo direito internacional, segundo o qual é necessário conceder direito de residência permanente quando se prevê que o conflito dure por tempo indeterminado”, afirmou Anders Danielsson, diretor do gabinete sueco para a imigração, citado pelo sítio “Presseurop”.

A decisão aplica-se a todos os sírios a quem tinha sido dada residência temporária por questões humanitárias — cerca de 8000 pessoas. Ontem, na conferência de imprensa que assinalou o fim da cimeira do G20, o primeiro-ministro David Cameron afirmou: “Esta é a crise humanitária que o mundo e a nossa geração enfrentam”.

Os líderes internacionais estão divididos em relação a uma intervenção militar na Síria, mas as opiniões públicas parecem estar de acordo. Segundo o inquérito internacional “Transatlantic Trends 2013” — conduzido com o apoio da Fundação Luso-Americana —, apenas 30% dos norte-americanos, 22% dos europeus e 21% dos turcos são favoráveis a uma intervenção na Síria. Em Portugal, 80% dos inquiridos defendem que o país deve ficar fora do conflito.

(Foto: Vista aérea sobre o campo de Zaatari, na Jordânia, a 18 de julho de 2013. A foto foi tirada desde o helicóptero que transportava o secretário de Estado norte-americano John Kerry DEPARTAMENTO DE ESTADO DOS EUA / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no Expresso, a 7 de setembro de 2013

Projeto palestiniano vence Prémio Aga Khan para a Arquitetura

O Prémio Aga Khan para a Arquitetura 2013 é entregue, esta sexta-feira, em Lisboa. O projeto de Restauro do Centro Histórico de Birzeit, no território palestiniano da Cisjordânia é um dos distinguidos

O restauro do Centro Histórico de Birzeit, na Cisjordânia, foi distinguido pela Fundação Aga Khan. “A obtenção de um prémio internacional cria nos palestinianos a sensação de que podem ser como qualquer outro povo”, afirmou ao Expresso a ministra palestiniana do Turismo.

A ministra Rula Ma’ayah receberá o prémio relativo ao projeto, numa cerimónia realizada no Castelo de São Jorge que contará com a presença de Aga Khan, líder espiritual dos ismaelitas (uma vertente do xiismo) e do Presidente Cavaco Silva.

“Para um cidadão ou para uma instituição palestinianos, a obtenção de um prémio internacional funciona como um impulso. Ficamos com a sensação que podemos ser como qualquer outro povo”, afirmou Rula Ma’ayah, 43 anos.

“Nós vivemos sob ocupação (de Israel), enfrentamos muitos problemas, mas temos pessoas e instituições capazes, que podem competir a nível internacional.”

Vinte finalistas, de todo o mundo

Instituído em 1977, o Prémio Aga Khan para a Arquitetura, no valor de um milhão de dólares (quase 760 mil euros), promove conceitos de construção que correspondam às necessidades e aspirações de comunidades com uma presença muçulmana significativa. E reconhece exemplos de excelência arquitetónica no campo do design contemporâneo, habitação social, preservação histórica e melhoria do meio ambiente.

Da lista de 20 finalistas, constaram projetos como o Liceu Francês Charles de Gaulle, em Damasco (Síria), a Escola Primária de Girubuntu, em Kigali (Ruanda) e o Restauro Pós-Tsunami das Casas de Kirinda, de Tissamaharama (Sri Lanka).

Conhecedora do trabalho do gabinete de Arquitetura Riwaq, responsável pelo projeto premiado, Eva Oliveira, 34 anos, investigadora de Estudos Palestinianos na Universidade de Birzeit, comenta: “O prémio é importante, desde logo, pelo reconhecimento internacional da qualidade do trabalho arquitetónico executado na Palestina. Este projeto é representativo de vários outros que estão em desenvolvimento nos centros históricos de Jenin e Hebron, por exemplo.”

Uma imagem diferente da Palestina

Outra razão realçada pela investigadora portuguesa prende-se com o aspeto financeiro, “dada a situação económica precária do Estado palestiniano e a dependência de financiamento externo. Com certeza que o dinheiro será usado na restauração de algumas aldeias que estão em ruínas. Os custos da restauração dos edifícios são altos e várias famílias estão a vender as pedras dos edifícios antigos para construírem novas casas a preços mais baixos”.

Há ainda a questão da conservação do património cultural que “sofre ameaças diárias, sobretudo desde a construção do muro de separação (entre Israel e a Cisjordânia). Sabendo-se que aquele que ocupa e coloniza tenta apagar os sinais nativos, prévios à sua chegada, compreende-se que preservar e conservar o património cultural palestiniano é também uma forma de resistência à ocupação: o chamado sumud“.

Por último, Eva Oliveira refere que o prémio “dá uma imagem diferente da Palestina, normalmente associada a caos, conflitos, pessoas mumificadas com pedras e fisgas nas mãos. Este prémio realça os aspetos positivos do povo palestiniano: a humanidade, a cultura, o conhecimento, o profissionalismo. Há um grande potencial na Palestina à espera de ser explorado”.

FOTOS FUNDAÇÃO AGA KHAN

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 5 de setembro de 2013. Pode ser consultado aqui