Dez momentos que arrasaram o diálogo israelo-palestiniano

Terminam esta terça-feira os nove meses de negociações acordados entre israelitas e palestinianos. Por pressão dos EUA, as partes  toleraram-se durante oito meses. Nos últimos 30 dias, uma sucessão de acontecimentos levou o processo ao colapso

29 de março: Israel não liberta os prisioneiros

As conversações diretas entre israelitas e palestinianos foram retomadas a 29 de julho de 2013 no pressuposto de que Israel libertaria 104 prisioneiros palestinianos, detidos antes da assinatura dos Acordos de Oslo (1993). Essa foi a condição imposta pela liderança palestiniana para regressar à mesa das negociações. O processo deveria decorrer em quatro fases e as três primeiras realizaram-se conforme o previsto. O quarto grupo de 26 detidos deveria sair em liberdade a 29 de março, mas tal não se verificou. Israel justificou a decisão de não soltar os detidos com a falta de progressos no processo de paz.

1 de abril: Palestina pede adesão a tratados internacionais

O Presidente palestiniano, Mahmud Abbas, assinou pedidos de adesão do Estado da Palestina a quinze tratados internacionais, numa cerimónia transmitida em direto pela televisão. Este recurso diplomático foi tornado possível após a atribuição do estatuto de Estado observador à Palestina, aprovado a 29 de novembro de 2012 pela Assembleia Geral da ONU. Treze pedidos visaram convenções da ONU (entre as quais tratados relativos aos crimes de apartheid e de genocídio) e foram entregues ao diplomata holandês Robert Serry, coordenador especial da ONU para o processo de paz no Médio Oriente. Os outros dois foram submetidos aos governos suíço (Convenção de Genebra IV, relativa à proteção de civis em tempos de guerra) e holandês (Tratado de Haia II, relativo às leis da guerra).

22 de abril: Abbas ameaça dissolver a Autoridade Palestiniana

Mahmud Abbas acusou Israel de ter privado a Autoridade Palestiniana de poder real e ameaçou dissolver a instituição, nascida na sequência dos Acordos de Oslo (1993) com o objetivo de funcionar como uma espécie de Governo interino palestiniano. “Se as negociações falharem, diremos ao Governo israelita: ‘Aqui têm a autoridade, esvaziaram-na de todo o seu conteúdo, tomem-na’.” Num cenário destes, Israel, enquanto potência ocupante, ficaria responsável pela segurança, pela saúde e educação e pelo bem-estar económico dos palestinianos da Cisjordânia.

23 de abril: Fatah e Hamas reconciliam-se

As duas principais fações políticas palestinianas celebram um acordo de reconciliação, na cidade de Gaza. A moderada Fatah e o islamita Hamas, que controlam a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, respetivamente, estavam desavindos há sete anos. O acordo prevê a formação, num prazo de cinco semanas, de um Governo de unidade, composto por independentes, e a realização de eleições legislativas e presidenciais nos seis meses seguintes. “O próximo Governo irá obedecer à minha política”, garantiu o Presidente Abbas. “Eu reconheço o Estado de Israel e rejeito a violência e o terrorismo, e reconheço os compromissos internacionais.” Este acordo de reconciliação aplica dois pactos anteriores, assinados pelas fações palestinianas em Doha (fevereiro de 2012) e no Cairo (maio de 2011).

24 de abril: Israel suspende as negociações

Telavive anunciou a suspensão das negociações de paz com Ramallah, afirmando que a reconciliação Fatah-Hamas inviabiliza o diálogo. “O pacto com o Hamas mata a paz. Se avançar, a paz recua”, reagiu o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, em entrevista à norte-americana NBC. Apoiado pelo Irão, o Hamas não reconhece o Estado de Israel; por seu lado, Israel acusa a organização islamita de abrigar terroristas na Faixa de Gaza, território palestiniano que o Hamas governa desde 2007. Israel e Hamas travaram uma guerra entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009 (operação israelita “Chumbo Fundido”). “Ou o Hamas repudia a destruição de Israel e abraça a paz e condena o terror, ou o Presidente Abbas renuncia ao Hamas”, disse Netanyahu à CNN. “Se uma das duas se verificar, poderemos regressar às negociações de paz. A bola está do lado dele (Abbas).”

25 de abril: ‘Israel pode tornar-se um Estado de Apartheid’, alerta Kerry

Numa reunião à porta fechada da Comissão Trilateral, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, afirmou que se a solução de “dois Estados” não vingar, Israel corre o risco de se tornar “um Estado de apartheid”, noticiou o sítio americano “The Daily Beast”. “A solução de dois Estados é claramente a única alternativa real. Porque um Estado unitário acaba por tornar-se um Estado de Apartheid com cidadãos de segunda classe ou acaba por tornar-se um Estado que destroi a possibilidade de Israel ser um Estado judeu”, disse Kerry diante de um grupo de peritos dos EUA, Europa Ocidental e Japão. Aparentando sentir grande frustração, Kerry – que foi o grande responsável pela retoma das negociações em julho de 2013 – culpou os dois lados pela falta de progressos e disse que o colapso do processo negocial pode levar à retoma da violência palestiniana contra israelitas.

25 de abril: Casa Branca à espera para ver

Philip Gordon, conselheiro de Barack Obama para as questões do Médio Oriente, admitiu, num encontro com líderes de organizações judaicas, que para a Casa Branca o acordo de reconciliação Fatah-Hamas “não é necessariamente mau”, uma vez que pode fortalecer o Presidente Abbas, numa altura em que o Hamas está “nas cordas”. Disse ainda que é difícil alcançar a paz com “metade de uma entidade palestiniana”, deixando de fora os palestinianos que vivem sob a lei do Hamas. O conselheiro confessou que a Administração Obama foi surpreendida pelo acordo, considerou a sua data inconveniente e disse que Washington poderá fazer cortes na ajuda aos palestinianos se não se verificarem princípios anteriormente assumidos: oposição ao terrorismo, reconhecimento de Israel e dos acordos firmados anteriormente. Philip Gordon disse que a Casa Branca permanece comprometida com o processo de paz, mas que adotou uma atitude de “esperar para ver”.

27 de abril: Presidente palestiniano condena o Holocausto

Num comunicado divulgado horas antes de Israel iniciar as celebrações do Dia da Memória do Holocausto, o Presidente palestiniano afirmou que o assassinato em massa de judeus foi “o crime mais hediondo” contra a humanidade na era moderna. A presidência palestiniana informou que, recentemente, Abbas discutiu o assunto com Marc Schneier, um rabino americano que lidera um grupo inter-religioso judaico-muçulmano e que visitou Abbas em Ramallah. Na mensagem, Abbas acrescentou: “O povo palestiniano, que sofre de injustiça, opressão e que vê serem-lhe negadas a liberdade e a paz, é o primeiro a exigir o fim da injustiça e do racismo que se abatem sobre outros povos”. O Memorial do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém, divulgou um comunicado afirmando que as afirmações de Abbas “podem ser um sinal de mudança na forma como o assunto é tratado no mundo árabe e entre os palestinianos”.

27 de abril: Palestinianos visam 60 agências internacionais

O Conselho Executivo da Organização de Libertação da Palestina (OLP) – organização que representa o povo palestiniano e que, em 1993, assinou os Acordos de Oslo com o Estado de Israel – aprovou um plano que prevê a adesão a 60 agências das Nações Unidas e tratados internacionais. A entrada do Estado da Palestina em organizações internacionais é vista como um passo unilateral por parte da diplomacia palestiniana no sentido do reconhecimento do Estado da Palestina como membro de pleno direito das Nações Unidas e, consequentemente, um gradual afastamento do processo de negociações promovido pelos Estados Unidos.

28 de abril: Israel aplica sanções económicas

Israel começou a aplicar um conjunto de sanções económicas na Cisjordânia. Telavive congelou 19 projetos de construção nas áreas C (territórios palestinianos que permanecem sob controlo total das autoridades israelitas). Segundo o jornal israelita “Maariv”, Yoav Mordechai, que coordena as atividades do Governo israelita nos territórios palestinianos, admitiu que a decisão é “uma resposta à proposta de Abbas visando a adesão palestiniana a agências da ONU”. Israel, que recolhe os impostos em nome da Autoridade Palestiniana, também aumentou o valor da retenção mensal que faz desses impostos, passando de 100 milhões de shekel (20,7 milhões de euros) para 132 milhões (27,3 milhões). Telavive também cancelou a autorização para a instalação de um rede 3G para telemóveis, as atividades de perfuração no campo de gás da marina de Gaza e a transferência de fundos, em bancos israelitas, pertencentes a cidadãos palestinianos.

IMAGEM MAKARISTOS / WIKIMEDIA COMMONS

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de abril de 2014. Pode ser consultado aqui

Olhos no céu, tropas em terra

A NATO rendeu-se aos drones não armados e investiu numa frota que dá meia volta ao mundo sem abastecer

O ano de 2013 abriu a caixa de Pandora do potencial civil dos drones. Nas Filipinas, devastadas pelo tufão Haiyan, ONG recorreram a veículos
aéreos não tripulados para mapear a destruição e direcionar ajuda. No Quénia, drones baratos revelaram-se armas eficazes na proteção de elefantes, localizando caçadores furtivos e afastando manadas de zonas de risco. Nos EUA, a Amazon anunciou que irá fazer entregas recorrendo a estes aparelhos.

Estes exemplos revelam como, aos poucos, os drones se afirmam na área comercial e deixam de ser vistos exclusivamente como máquinas assassinas — perceção que decorre dos milhares de mortos, sobretudo
no Afeganistão, Paquistão e Iémen, por drones da CIA.

Talvez por isso, entre os militares, a palavra drone seja incómoda — preferem falar de veículos aéreos não tripulados (UAV). Porém, não escondem o entusiasmo perante o potencial civil destes aparelhos.

Um grande investimento em curso é o projeto de Vigilância Terrestre da NATO (AGS), que consiste na aquisição de cinco Global Hawk 40, não armados. Os portões da Base da Força Aérea dos EUA de Grand Forks, no Dakota do Norte, abriram-se ao Expresso e a cinco outros órgãos de informação europeus para um raro contacto com um destes drones. O ‘pássaro’, mais parecido a uma baleia branca, tem 40 metros de envergadura, 14,5 de comprimento e 4,7 de altura.

Equipado com sofisticadas câmaras, radares e sensores, sobe a 60 mil pés (18 km) — bem acima dos aviões comerciais — e voa ininterruptamente durante mais de 30 horas. Com um único tanque de combustível, dá quase meia volta ao mundo. Indiferente às nuvens e à poeira, o Global Hawk 40’ observa tudo o que mexe à superfície — até uma pessoa a andar.

Ao serviço da justiça

Na era dos drones, os pilotos continuarão a ser necessários, mas já não se sentarão no cockpit. Os veículos serão dirigidos à distância — por vezes a milhares de quilómetros da área que sobrevoam — por operacionais sentados à secretária. De olhar no ecrã e mão no rato do computador, não ouvem sons nem sentem acelerações ou travagens. O drone voa programado por GPS e o piloto vai fazendo zooms sobre pontos de interesse que surjam no ecrã.

O ‘risco zero’ que estes drones implicam para quem os opera é uma mais-valia deste tipo de tecnologia. Outra é a possibilidade de os pilotos se revezarem sem que o aparelho tenha de interromper a missão.

Nos EUA — onde, por exemplo, na Universidade do Dakota do Norte já se ensina a pilotar drones —, há muito que as forças de segurança se renderam ao uso civil destes aparelhos. Marinha e Força Aérea usam o ‘Global Hawk? desde 1998. Também o Departamento de Segurança Interna possui dez ‘Predator B’, usados para patrulhar a fronteira e em missões policiais. Em janeiro, pela primeira vez, um americano foi condenado com base em imagens recolhidas por um ‘Predator’.

Quando receber a frota de ‘Global Hawk 40’ — prevê-se que em 2017 —, a NATO irá usá-los na escolta de frotas humanitárias, na identificação de povoações devastadas por catástrofes naturais, no apoio a populações em fuga de guerras ou na vigilância em alto-mar.

A recolha de informação em tempo real será também importante para apoiar forças militares em situações de conflito — “olhos no céu para tropas em terra”, como a NATO descreve o projeto. Em 2011, durante a intervenção militar da NATO na Líbia, liderada por franceses e britânicos, a Aliança dependeu fortemente de meios americanos sobretudo ao nível da vigilância terrestre.

Em San Diego, na Califórnia, onde se situa um dos Centros de Excelência de Sistemas Não tripulados da Northrop Grumman — o gigante da indústria da Defesa que está a produzir os ‘Global Hawk’ para a NATO —, as paredes de uma sala de reuniões estão repletas de capas de revistas onde os drones e seus antepassados são a estrela. Algumas têm dezenas de anos. Para a Northrop Grumman — cujas vendas em 2012 rondaram os $25 mil milhões (€19 mil milhões) —, o ‘Global Hawk’ é apenas a última novidade. Desde os anos 40 que a empresa, então chamada Northrop Corporation, se dedica a colocar espiões no ar, cada um mais sofisticado do que o anterior. E mais intrusivo também.

DRONES EM MISSÃO NOS EUA

11 DE SETEMBRO, 2001
Um ‘exército’ de robôs terrestres PackBot saiu às ruas para ajudar nas ações de resgate. “São socorristas que não são afetados pela carnificina, poeira e fumaça”, escreveu então o jornal “The New York Times”, “imunes à fadiga e ao desgosto”.

INCÊNDIOS NA CALIFÓRNIA, 2007
O Global Hawk juntou-se aos ‘soldados da paz’, voando dia e noite para identificar casas em perigo, focos de reacendimento e alterações bruscas na direção das chamas.

TERRAMOTO NO HAITI, 2010
No âmbito da operação “Resposta Unificada”, dos Estados Unidos, drones filmaram estradas e pontes para determinar vias transitáveis para a assistência humanitária.

DESASTRE DE FUKUSHIMA, 2011
Um Global Hawk estacionado na base de Guam sobrevoou a central nuclear japonesa para recolher dados e fornece-los ao Governo de Tóquio. Em 2013, Estados Unidos e Japão acordaram que “dois ou três” Global Hawk norte-americanos EUA ficariam em solo japonês.

FURAÇÃO LESLIE, 2012
A NASA aproveitou este furacão no Atlântico para estudar formas de “rastrear furacões e tempestades tropicais”. Um Global Hawk doado pela Força Aérea americana seguiu o Leslie durante dez horas para analisar a sua formação e alterações de intensidade.

AO SERVIÇO DA NATO

5
Global Hawk 40 serão comprados pela NATO para missões de vigilância terrestre. O projeto ficará sedeado na base de Sigonella (Itália), onde as informações recolhidas pelos drones serão analisadas e partilhadas

15
membros financiam o projeto — não é o caso de Portugal. A informação recolhida nas operações da NATO será disseminada pelos 28 membros e pelos 22 países da Parceria para a Paz. Durante a realização de exercícios, os dados serão partilhados apenas por quem pagou

1,7
mil milhões de dólares (1,2 mil milhões de euros) é o valor do contrato assinado entre a NATO e a empresa Northrop Grumman, na Cimeira de Chicago de maio de 2012. Os Estados Unidos pagam 42% do projeto

FORÇA AÉREA INVESTE NO UAV PORTUGUÊS

As Forças Armadas portuguesas ainda não usam aeronaves não tripuladas nas suas missões, mas a Força Aérea já desenvolveu e colocou no ar vários protótipos

As Forças Armadas portuguesas estão em contagem decrescente para começar a utilizar drones nas suas operações. Atualmente, o desenvolvimento de tecnologia para veículos aéreos autónomos não tripulados (UAV) é a grande prioridade do Centro de Investigação da Academia da Força Aérea (CIAFA). “A utilização destas aeronaves está a aumentar exponencialmente”, refere a major Maria Madruga Matos, subdiretora do CIAFA, durante uma visita guiada ao laboratório do Centro, na Base Aérea nº 1, em Sintra. “Aqui juntamos a necessidade de ter plataformas para testar tecnologia e necessidades operacionais da Força Aérea, que já começou a pensar como é que veículos não tripulados podem ser integrados em ações de vigilância marítima.”

Em situações de busca e salvamento, por exemplo, os drones têm várias vantagens comparativamente aos meios tripulados. “Já temos capacidade para fazer voos noturnos”, diz o tenente-toronel José Morgado, diretor do CIAFA. “E em caso de ventos ou mau tempo, os riscos podem ser mais assumidos do que quando se usam plataformas tripuladas, uma vez que não há ninguém a bordo.” Em termos de combustível, uma hora de voo numa plataforma destas fica-se pelos 50 cêntimos.

No CIAFA, os protótipos são construídos de raiz. Isso permite, nas palavras do tenente-coronel Morgado, “fazer o caminho das pedras: produzir um protótipo, instalar pilotos automáticos, fazer integração de sistemas, desenvolver algoritmos, etc. Não teríamos todo este conhecimento se nos limitássemos a comprar coisas feitas.”

A partir da base da OTA, o Centro já testou mais de 15 plataformas de três modelos diferentes, ultrapassando os 900 voos autónomos e as 500 horas de voo. Estes resultados são possíveis graças ao PITVANT — Projeto de Investigação e Tecnologia em Veículos Aéreos Não Tripulados (2008-2015), financiado pelo Ministério da Defesa (€2 milhões) e desenvolvido em parceria com a Faculdade de Engenharia do Porto.

Em julho, o PITVANT deu um ar da sua no exercício REP13, organizado pela Marinha. Ao largo de Portimão, 100 kg de pipocas despejados no mar simularam uma mancha de óleo. Aos drones coube identificar o navio poluidor, acompanhar a evolução da mancha e enviar informações, em tempo real, para o comando da operação, que nunca saiu de Lisboa.

TRÊS PERGUNTAS A

José Morgado
Tenente-coronel, diretor do Centro de Investigação da Academia da Força Aérea

O que já foi conseguido no âmbito do Projeto PITVANT? 
Entre 2009 e 2012, estivemos fechados na OTA a desenvolver tecnologia, capacidade de integração de sistemas e procedimentos de operação. Em 2012, começámos a operar os sistemas em ambiente marítimo. Este ano, queremos fazer voos de longa duração sobre o mar e estudar a forma como estas plataformas podem interagir com meios tripulados da Força Aérea.

Qual é a autonomia dos voos?
Em Porto Santo fizemos voos de hora e meia e em Santa Cruz e Portimão fizemos de três a três horas e meia. Atualmente, temos autonomias que vão até às seis horas e estamos a preparar plataformas que irão até às 15 horas para um objetivo específico que queremos concretizar em 2014: voar entre Porto Santo e as Selvagens (600 km, ida e volta).

O eventual alargamento da Zona Económica Exclusiva portuguesa aumenta a utilidade desta tecnologia?
Nesse cenário, este tipo de tecnologia faz todo o sentido. No processo de candidatura, Portugal tem de mostrar capacidade para vigiar e monitorizar toda essa área. Os veículos aéreos autónomos não visam substituir as plataformas tripuladas, mas sim complementá-las.

Viagem a convite da Missão dos EUA na NATO

Artigo publicado no Expresso, a 12 de abril de 2014

Uma surpresa para os jornalistas de fora

A imprensa internacional foi incapaz de antecipar o 25 de Abril. Houve mesmo quem saísse de Portugal nas vésperas do golpe militar… Mas passada a estranheza, a atração de correspondentes e enviados estrangeiros pela Revolução dos Cravos foi incondicional

Capa da revista “Time”, de 6 de maio de 1974

A imprensa internacional foi incapaz de antecipar o 25 de Abril. Houve mesmo quem saísse de Portugal nas vésperas do golpe militar… Mas passada a estranheza, a atração de correspondentes e enviados estrangeiros pela Revolução dos Cravos foi incondicional

A revolução portuguesa apanhou o mundo de surpresa e Werner Herzog em contrapé. O jornalista suíço, com escritório em Madrid, viera até Portugal por alturas do levantamento das Caldas da Rainha de 16 de março. Convencido de que nada aconteceria a curto prazo, regressou à capital espanhola a 22 de abril, ignorando alertas de que algo poderia estar iminente… “Tinha falado com um militar que me disse para esperar algum tempo e não voltar já para Madrid. Chamava-se António Reis. Eu pensava que ele era um romântico sonhador e não acreditei. Quando ouvi as notícias no dia 25 percebi que ele sabia de tudo”, recorda. “Talvez tenha sido melhor assim… Teria sido terrível eu saber o que ia acontecer sem poder dizer a ninguém.”

Werner apanhou o último comboio do dia 25 para Portugal, onde chegou na manhã de 26. Para poupar dinheiro — trabalhava em regime freelance —, hospedou-se em pensões baratas na Avenida da Liberdade onde, em condições precárias, ia dando resposta às crescentes solicitações da imprensa estrangeira. Chegou a trabalhar simultaneamente para dois jornais suíços (“Tagesanzeiger” e “Basler Zeitung”) e dois alemães (“Frankfurter Rundschau” e “Stuttgarter Zeitung”).

A Revolução dos Cravos colocara Portugal na primeira página dos jornais como nenhum acontecimento antes. Nos dias seguintes, reabertas as fronteiras, afluíram a Lisboa repórteres de todo o mundo. “Chegaram bastantes, mas poucos estavam preparados para entender o que se passava”, diz. “Lembro-me de um jornalista da televisão suíça que tentava seguir os acontecimentos e saber quem era quem. Fomos para a Estação de Santa Apolónia, onde uma multidão ouvia um discurso. ‘Quem é aquele? Quem é aquele?’, perguntou-me. ‘Chama-se Mário Soares. E acaba de regressar do exílio em Paris’…”

Visto do exterior, o Portugal de inícios de 1974 denotava nervosismo. O golpe frustrado das Caldas era a prova de que algo mexia, mas a possibilidade de uma revolução estava longe das expectativas. “O ‘Le Monde’ não atribuiu grande importância ao 16 de março”, recorda José Rebelo, exilado em Paris e então membro da administração do diário francês, do qual viria a ser correspondente em Portugal entre 1975 e 1991. “Pensou que era uma escaramuça entre militares. De tal forma que enviou a Portugal um jovem estagiário, o Dominique Pouchin.”

Como era vespertino, o “Le Monde” noticiou o 25 de Abril na edição que saiu para as bancas à uma da tarde. Os tanques nas ruas e a ausência de violência — “o carácter romântico da revolução”, como diz José Rebelo — foi crucial para o sucesso mediático dos acontecimentos. “Não sei se houve outro facto na história do ‘Le Monde’ que tenha justificado um tão grande número de artigos sobre Portugal…” O jornal chegou a ter enviados especiais em Lisboa, Porto, Açores e em Angola.

Quartéis-generais nos hotéis

Em Lisboa, os jornalistas estrangeiros tinham tendência a agrupar-se por hotéis. “Os franceses ficavam no Mundial, os ingleses iam mais para o Tivoli e os americanos para o Sheraton”, recorda. “Depois constituíamos autênticas redações. No sétimo andar do Hotel Mundial, havia jornalistas do ‘Le Monde’, do ‘Nouvel Observateur’, de revistas de direita, como ‘Le Point’ ou ‘L’Express’, ou do ‘L’Humanité’, órgão do Partido Comunista francês. Trabalhávamos ali, jantávamos todos juntos, partilhávamos o que víamos e rentabilizávamos ao máximo os contactos uns dos outros.”

Entre a legião de enviados, José Rebelo recorda um da agência Nova China: “Vinha com cozinheiro e tudo.”  O facto de Portugal pertencer à NATO e, sobretudo, o futuro de Angola atraía especialmente jornalistas do Leste.

Emma Gilbert recorda o dia em que foi recrutada para ir traduzir para inglês o anúncio de formação do I Governo Provisório, feito por Sanches Osório, porta-voz da Junta de Salvação Nacional. “Eu não quero exagerar, mas havia, à vontade, uns 500 jornalistas” naquela sala do Palácio Foz, sede do Secretariado Nacional de Informação.

Nascida em Portugal e de nacionalidade dinamarquesa, Emma era fluente em inglês. Conhecedora da realidade local, foi logo contratada pela agência sul-africana Argus, a primeira etapa de uma carreira no jornalismo que haveria de torná-la, a partir de janeiro de 1975, correspondente em Portugal da Associated Press, que funcionava num escritório apertado da Praça da Alegria, por cima do Maxime. O laboratório fotográfico era a casa de banho.

Nos dias agitados após a revolução, Emma trabalhou também como guia-intérprete de repórteres que chegavam, alguns acabados de cobrir a guerra no Vietname, como o fotógrafo alemão Horst Faas, premiado com um Pulitzer. “Um dia, fui com um jornalista americano, que também tinha estado no Vietname, para a zona do RALIS. Os tropas estavam armados com G3 e o povo gritava: ‘Armas para o povo! Armas para o povo!’ Nós estávamos na frente da manifestação. A dada altura, ao ouvir-nos falar inglês, alguém gritou: ‘Está aqui a CIA!’ Ficámos um pouco aflitos. Comecei a pensar como é que podíamos sair dali. Ele disse: ‘É assim: agachas-te e começas a recuar de costas por baixo dos braços deles.’ E assim saímos dali. Eram épocas de grande desafio.”

Cara cansada de tanto sorrir

Quarenta anos depois, Sandy Sloop não tem dúvidas que o 25 de abril de 1974 foi, “talvez, o dia mais importante” da sua vida. Este norte-americano nascido no Brasil — que, entre 1977 e 1990, foi o correspondente em Lisboa da agência United Press International — chegara a Portugal em 1971 “a caminho de África”, o seu principal interesse, mas também com o objetivo de estudar português e “descobrir o que era a ditadura”.

Soube da revolução de madrugada e correu logo para a rua, “para participar na história que se fazia”. “Escrevi um postal para a família para ter pretexto para andar na rua.” Percorreu Lisboa de lambreta: tentou, sem sucesso, chegar ao aeroporto; no Rossio, viu uma esquadra da NATO partir ao longe e assistiu à passagem da coluna de Salgueiro Maia a caminho do Quartel do Carmo — saudada por cravos vermelhos e flores de todos os tipos. No Largo do Carmo, Sandy assistiu aos acontecimentos em cima de um chaimite. Quando voltou para casa, já de madrugada, “sentia os músculos da cara cansados de tanto sorrir”.

Pouco depois da revolução, foi contactado pela embaixada dos EUA e aceitou acompanhar, durante uma semana, dois jornalistas norte-americanos (do “Baltimore Sun” e do “Chicago Tribune”) e um australiano (do “The Age”, de Melbourne), profissionais batidos, com experiência de histórias quentes, como parecia ser o caso “pelo que significava para Portugal, mas também em termos africanos.”

“No nosso primeiro almoço, levei-os ao Bonjardim, o rei dos frangos, junto ao Rossio. Um deles perguntou-me: ‘Você que mora cá, como é que reage a isto tudo?’. Eu disse: ‘Bem, para mim, isto é uma espécie de orgasmo coletivo’. Ele comentou: ‘É uma expressão muito forte, mas eu trabalho para um jornal de família… Tenho a impressão que não vou poder citá-lo’.”

Sandy refere que os três eram “praticamente analfabetos” em relação a Portugal. Durante décadas, além do caso do “Santa Maria” e do início das guerras em África, muito pouco tinha acontecido no país que tivesse chamado a atenção da imprensa estrangeira. “Havia muito poucos jornalistas estrangeiros acreditados em Lisboa antes de 25 de abril. Estariam provavelmente em Madrid ou em Paris e ficavam com um olho cá.”

Nos EUA, na redação da “Time”, julgava-se que Portugal era Espanha. E mesmo entre nuestros hermanos havia uma grande ignorância sobre a situação do lado de cá da fronteira

Chegados a Portugal na década de 60, a norte-americana Martha de la Cal e o marido, o fotógrafo inglês Peter Collins, eram exceção. Pela mão de Martha, a revolução portuguesa chegou à revista “Time”, com uma ilustração de Spínola a fazer a capa da edição de 6 de maio de 1974. Falecida em 2011, a jornalista recordou, numa entrevista de 2008, o desconhecimento do mundo em relação a Portugal. “Eu mandava muitíssimo material para a redação central em Nova Iorque, onde havia jornalistas muito bem pagos só para escrever. Depois a ‘Time’ enviava-me o que eles escreviam para eu fazer correções. A primeira coisa que me mandaram no dia 25 de abril dizia: ‘Desde Fernando e Isabel de Espanha que não…’ Eu mandei de volta a dizer: ‘Não! Estamos em Portugal! Não é Espanha!’ Sabia-se muito pouco sobre o país.”

Mesmo em Espanha, Portugal era uma realidade desconhecida. “Conhecíamos Fátima, Eusébio, Amália e o vinho do Porto. Ninguém pensava ir a Portugal”, recorda Ramón Font, o catalão que viria a ser correspondente em Lisboa da agência EFE, da Radio Nacional de Espanha e da TVE. “Eu conhecia o livro de Spínola (‘Portugal e o Futuro’) e, porque estava politizado, sabia quem era Mário Soares e Álvaro Cunhal.”

Excursão política

A trabalhar numa rádio de Barcelona, fez-se à estrada decidido a “saber o que era a liberdade. Com um grupo de amigos do jornalismo, do cinema, do ensino, fizemos uma excursão política a Portugal, durante uma semana”. Marcou-o muito a visita ao jornal “República”, onde se impressionou com a figura de Raul Rego. “Eu não sei quanto tempo aqueles jornalistas dedicavam ao seu trabalho, porque passavam horas a receber colegas estrangeiros e nunca diziam ‘não posso’. Estavam sempre disponíveis para explicar as coisas seriamente.”

Ramón Font diz que o golpe das Caldas colocara-o “de prevenção”. Ainda assim, não deixou de se sentir surpreendido quando soube da revolução. “O 25 de Abril foi uma surpresa para toda a gente, sobretudo pelo seu estilo e ausência de violência. Foi o que me fascinou. Lembro-me de uma conversa, muitos anos depois, com o dono do restaurante Tavares em que lhe disse: ‘Deixe de se queixar! Os tanques passaram em frente a este restaurante, um símbolo do antigamente, e ninguém partiu os vidros’. Ele disse: ‘É verdade, desculpe!’”

Artigo publicado na edição especial “25 Abril 40 anos”, Vol. 1, distribuído com o “Expresso, de 12 de Abril de 2014

Guia de perguntas e respostas para perceber as eleições

Os afegãos escolhem este sábado um novo presidente. Saiba quem são os candidatos, porque há receios de fraude e porque estas eleições podem ser históricas para as mulheres

Para que órgãos votam  os afegãos?

Cerca de 12 milhões de eleitores escolhem um novo presidente. Hamid Karzai, o atual chefe de Estado, está impedido por lei de se recandidatar a um terceiro mandato. Esta é a primeira transferência de poder democrática da história do Afeganistão. Os afegãos votam também para 34 conselhos provinciais.  Em todo o país, há cerca de 28.500 assembleias de voto. A comissão eleitoral independente determinou que o número máximo de eleitores por assembleia é de 600. Cerca de 3000 burros foram utilizados como meio de transporte de urnas e boletins de voto para as regiões mais remotas e inacessíveis.

Quem são os candidatos à presidência?

Onze afegãos formalizaram a sua candidatura, mas três desistiram durante a campanha, pelo que apenas oito vão a votos. Nos boletins de voto, surgem porém os onze nomes e fotografias. Junto a cada identificação aparece também um símbolo que identifica a candidatura e que serve para orientar os analfabetos. Há símbolos para vários gostos e a apelar a várias sensibilidades: um livro, um candeeiro, uma espiga, um aparelho de rádio, um bulldozer…

PERFIS DOS CANDIDATOS 

Por que razão todos os candidatos são de etnia pashtune?

A maioria dos 30 milhões de afegãos é de etnia pashtune – estima-se que 42%. A segunda comunidade mais numerosa corresponde aos tadjiques (27%) e o terceiro lugar é disputado por hazaras e uzebeques (9%). Cada candidato tem de nomear dois nomes para os cargos de primeiro e segundo vice-presidente. Normalmente, estas escolhas são táticas, aproveitadas pelos candidatos para sugerirem personalidades oriundas de outros grupos étnicos ou de regiões eleitoralmente relevantes.

Quando serão divulgados os resultados?

Segundo a Comissão Eleitoral, os resultados preliminares das presidenciais são conhecidos a 24 de abril. Os resultados definitivos são anunciados apenas a 14 de maio. No caso de nenhum dos candidatos vencer com maioria absoluta dos votos, há uma segunda volta, que já está marcada para 28 de maio.

Porque há receios de fraude eleitoral? 

Antes de cada ato eleitoral no Afeganistão, decorre um processo de registo visando novos eleitores, cidadãos que perderam o cartão de voto, afegãos que regressaram ao país e cidadãos que mudaram de área de residência. Estima-se que presentemente circulem no país cerca de 18 milhões de cartões de voto, um número bastante superior aos 12 milhões de eleitores. Entre 7 e 27 de abril, os candidatos podem apresentar queixas relativas a eventuais irregularidades cometidas durante o escrutínio.

As afegãs têm direito a votar?

No Afeganistão, o direito ao voto é universal para os cidadãos chegados aos 18 anos. Formalmente, a candidatura de uma mulher à presidência é possível, mas esbarra nas reservas sócio-culturais que subsistem no país. A burca, como símbolo da submissão feminina, é uma das imagens de marca do Afeganistão, mas há afegãs no Parlamento e mesmo com a patente de general. Porém, nestas eleições pode fazer-se história. Um dos candidatos favoritos, Zalmai Rassul, nomeou uma mulher para segundo vice-presidente. Habiba Sarabi, de etnia hazara, foi governadora da província de Bamiyan. Foi, aliás, a primeira mulher governadora no país.

Quais os principais desafios do novo presidente?

O desafio mais urgente é a assinatura do acordo bilateral de segurança com os Estados Unidos. As tropas de combate norte-americanas estão de regresso a casa a 31 de dezembro de 2014, pelo que qualquer presença norte-americana no Afeganistão de aí em diante terá de ser regulada através de um novo acordo. Uma segunda questão prende-se com o diálogo com os talibãs (de etnia pashtune, como a maioria dos afegãos), sem os quais é impossível pensar num país estável. A possibilidade dos talibãs voltarem ao poder em Cabul é, porventura, a grande ironia deste conflito, desencadeado pelos Estados Unidos após o 11 de setembro e visando a deposição do regime talibã. Um terceiro desafio é o combate à corrupção, um problema endémico no país. Segundo o último relatório da organização Transparência Internacional, só a Coreia do Norte e a Somália têm pior registo do que o Afeganistão.

Portugal tem militares no Afeganistão?

Atualmente, há um contingente português em Cabul, composto por 128 militares (homens e mulheres) oriundos dos três ramos das Forças Armadas. Estão integrados na Força Internacional de Assistência para a Segurança (ISAF), a missão da NATO no Afeganistão. Os militares portugueses não participam em operações de combate. A sua missão passa por aconselhar, assistir e assessorar unidades das forças de segurança e ainda formar formadores. Portugal mandou tropas para o Afeganistão pela primeira vez em 2002 e, desde então, tem sido um contribuinte regular.

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 5 de abril de 2014. Pode ser consultado aqui