Os recados políticos da viagem papal

O Papa Francisco convidou palestinianos e israelitas para reunião no Vaticano

Papa Francisco, num momento de oração junto ao Muro das Lamentações, a 26 de maio de 2014 POLÍCIA DE ISRAEL / WIKIMEDIA COMMONS

Berço das três religiões monoteístas, a Terra Santa assemelha-se politicamente a um campo de minas. A visita de três dias do Papa Francisco, que terminou segunda-feira, é disso uma prova, com muitos gestos do chefe da Igreja Católica a merecerem interpretações políticas. “O Papa chegou à Palestina vindo da Jordânia e não de Israel… Isto é uma mensagem”, diz ao Expresso Hikmat Ajjuri, embaixador da Palestina em Portugal.

“Outra foi a sua paragem e oração junto ao muro de anexação, ilegal e racista. Em 2002, o Papa João Paulo II, que criticou este muro construído em terras roubadas aos palestinianos e que separa agricultores dos seus campos e impede palestinianos de chegarem ao trabalho e às escolas, disse: ‘A paz na Terra Santa precisa de pontes, não de muros’. Ao ver o Papa Francisco a rezar ali, estou certo que ele pediu a Deus a demolição daquele muro.”

Cimeira no Vaticano

Recebido pelo Presidente palestiniano Mahmud Abbas em Belém — onde o Papa se referiu ao “Estado da Palestina” — e em Jerusalém pelo primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu — a quem corrigiu as palavras dizendo que Jesus falava aramaico e não hebraico como ‘Bibi’ defendeu —, Francisco não se limitou ao papel de observador e convidou os Presidentes israelita e palestiniano para um encontro no Vaticano.

“Ele disse que não quer atuar como mediador”, continuou o embaixador. “Mas talvez com a sua bênção esse encontro possa ajudar a derreter este gelo entre israelitas e palestinianos.”

A cimeira entre Mahmud Abbas e Shimon Peres no Vaticano está previsto para 6 de junho. Antes disso, deverá ser anunciado o tão aguardado governo palestiniano de união nacional, que confirmará a reconciliação entre a moderada Fatah e o islamita Hamas, desavindos há sete anos — a Fatah controla a Cisjordânia e o Hamas a Faixa de Gaza.

“Ambos acordaram que o Governo será liderado pelo atual primeiro-ministro (Rami Hamdallah). Os restantes ministros serão tecnocratas e nenhum deles será membro da Fatah, do Hamas ou de qualquer outra fação”, diz o diplomata.

Segundo o acordo de reconciliação selado a 23 de abril, em Gaza, seguir-se-ão eleições gerais — o mandato do Presidente palestiniano, por exemplo, expirou em janeiro de 2010 e para evitar um vazio de poder, um mês antes, a Organização de Libertação da Palestina (OLP) determinou a sua extensão por tempo indeterminado até ser possível realizar eleições.

Precisamente esta semana, na quarta-feira, a OLP assinalou o seu 50º aniversário. A organização desapareceu das notícias, mas é, na realidade, a entidade política reconhecida internacionalmente como único e legítimo representante de todos os palestinianos. “A OLP foi formada para transformar aquilo que se preparava para ser apenas um problema de refugiados palestinianos (que surgiu na sequência da criação de Israel, em 1948) numa questão política relativa às aspirações dos palestinianos de estabelecerem o seu próprio Estado independente e soberano nas terras da Palestina histórica”, ou seja, nos atuais territórios da Palestina e de Israel.

Desespero palestiniano

Foi a OLP que, em 1993, assinou com Israel os Acordos de Oslo, que criaram a Autoridade Palestiniana (AP), a instituição que detém o poder executivo. “A AP é um filho da OLP. Foi criada para atender aos palestinianos que vivem no interior da Palestina (Cisjordânia e Faixa de Gaza). Mas a OLP atende a todos os palestinianos, onde quer que se encontrem (incluindo os refugiados).” Dos cerca de 11 milhões de palestinianos em todo o mundo, metade vive entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo (incluindo 20% da população de Israel, que é árabe).

Hikmat Ajjuri recorda que 2014 é o Ano Internacional da Solidariedade com o Povo Palestiniano. Porém, a solução de dois Estados está cada vez mais distante. “Israel está a empurrar os palestinianos para o desespero, e mesmo para a violência e para tudo o que sirva para a mentalidade sionista provar que os palestinianos não merecem ter um Estado.”

Artigo publicado no Expresso, a 31 de maio de 2014

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