Jihadistas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) decretaram um califado nas regiões que controlam na Síria e no Iraque. E exigem a obediência de todos os muçulmanos do mundo
Depois da Síria e do Iraque, o EIIL quer avançar à conquista do mundo. O grupo jihadista proclamou um califado nas zonas que controla nos dois países, numa área que se estende desde a província iraquiana de Diyala à região síria de Alepo. O grupo exige agora que os muçulmanos de todo o mundo lhe jurem fidelidade.
“A legalidade de todos os emirados, grupos, estados e organizações torna-se nula através da expansão da autoridade do califa e da chegada das suas tropas a essas áreas”, declarou o porta-voz do grupo, Abu Mohamed al-Adnani. “Ouçam o vosso califa e obedeçam-lhe. Apoiem o vosso Estado, que cresce a cada novo dia.”
O califa é Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do grupo jihadista, que entretanto se rebatizou — chama-se agora Estado Islâmico (EI). “A designação ‘Iraque e Levante’ é doravante removida de todas as deliberações e comunicações oficiais e o nome oficial passa a ser Estado Islâmico”, continuou o porta-voz do grupo.
O anúncio foi feito através de uma gravação divulgada na internet e revela uma crescente confiança por parte dos extremistas, cada vez mais percecionados como um perigo maior do que a Al-Qaeda, dada a barbaridade das suas ações.
O Observatório Sírio para os Direitos Humanos denunciou, no domingo, a execução e crucificação de oito homens na zona síria de Deir Hafer, leste de Alepo. Os homens combatiam o regime de Bashar al-Assad e também os grupos jihadistas. Após a execução, o EIIL “crucificou-os na principal praça da aldeia, onde os cadáveres ali ficarão durante três dias”, disse o Observatório. Um nono homem sofreu o mesmo fim na cidade de Al-Bab, perto da fronteira com a Turquia.
O arrependimento de Maliki
Este fim de semana, o Governo de Bagdade (xiita) desencadeou a maior ofensiva, até ao momento, contra os extremistas sunitas, que vêm avançando, desde o norte, na direção da capital. Milhares de soldados iraquianos tentam recapturar Tikrit (a cidade natal de Saddam Hussein), 160 quilómetros a norte de Bagdade.
Segundo a agência russa Itar Tass, o ministério iraquiano da Defesa pediu à Rússia a entrega urgente de aviões de ataque ao solo Su-25, após os Estados Unidos atrasarem o fornecimento aos iraquianos de 18 caças F-16.
Numa entrevista à BBC, na semana passada, o primeiro-ministro iraquiano afirmou que os iraquianos foram “enganados quando assinaram o contrato [com os EUA]”, disse Nouri al-Maliki. “Deveríamos ter procurado comprar outros caças, como britânicos, franceses e russos, para assegurar a cobertura aérea das nossas forças. Se tivéssemos essa capacidade teríamos evitado o que aconteceu.”
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 30 de junho de 2014. Pode ser consultado aqui
Líbios escolheram esta quarta-feira um novo Parlamento. Candidatos apresentaram-se individualmente e não em representação de partidos políticos, que têm contribuído para manter o país num impasse
Três anos após a queda de Muammar Kadhafi, os líbios continuam a ensaiar fórmulas políticas para construir um novo país. Esta quarta-feira, realizaram-se eleições legislativas, as segundas em dois anos.
Cerca de 1,5 milhões de líbios inscreveram-se para escolher os 200 membros da nova Casa dos Representantes — nas eleições de 2012, tinham-se inscrito 2,8 milhões (numa população de seis milhões). Este órgão legislativo substituirá o Congresso Geral Nacional, que muitos líbios já associam ao impasse político em que o país tem vivido.
A instituição irá supervisionar o processo de elaboração de uma nova constituição. Há escassos quatro meses, os líbios votaram para a Assembleia Constituinte, mas a fraca adesão combinada com boicotes por parte de minorias étnicas e violência localizada ditaram a sua ineficácia.
No escrutínio desta quarta apresentaram-se a votos 1628 candidatos independentes. A opção por figuras não partidárias destina-se a desencorajar disputas entre partidos políticos como a registada em maio, quando — sem constituição e com o Parlamento transformado numa arena política — o país viu-se, subitamente, com dois primeiros-ministros. O Supremo Tribunal acabaria por declarar “ilegal” a eleição de um deles, por falta de quórum à altura da votação.
Vários centros de poder
Dos 200 lugares da nova Casa dos Representantes, 32 estão reservados a mulheres. Alegando não ter garantias suficientes em relação à sua representatividade no novo Parlamento, grupos oriundos das minorias amazigh, tobu e tuaregue apelaram ao boicote.
As eleições foram convocadas há cerca de um mês, quando soaram receios de uma tentativa de golpe por parte de um general desertor. Khalifa Haftar negou as acusações, mas assumiu, por sua conta, o combate às milícias islamitas que controlam partes importantes do país, lançando uma ofensiva na região de Bengasi (leste). O general acusa as milícias de manterem o país refém.
A transição na Líbia tem sido acompanhada por uma sensação de anarquia, para a qual contribuem vários centros de poder — Governo, tribos, milícias, Irmandade Muçulmana (enraizada nas zonas rurais) —, alguns deles em disputa em áreas de produção de petróleo. A Líbia é um dos grandes produtores da OPEP e 95% das receitas do Governo provêm do setor do petróleo.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 25 de junho de 2014. Pode ser consultado aqui
O grupo jihadista EIIL nasceu no Iraque e deu nas vistas na Síria. Atingidos por essa ameaça, os dois países estão a desintegrar-se
Bandeira do Estado Islâmico, também usada pelos grupos terroristas Al-Shabaab, Al-Qaeda na Pemínsula Arábica, Al-Qaeda no Magrebe Islâmico e Boko Haram WIKIMEDIA COMMONS
A ofensiva de grupos jihadistas em direção a Bagdade coloca uma dúvida inquietante: poderá o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) conseguir, no Iraque, aquilo que a Al-Qaeda nunca conseguiu? Controlar um país? “Duvido”, diz ao Expresso Bernardo Pires de Lima, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI). “Além de ser difícil conquistar áreas predominantemente xiitas, como Bagdade, surgirão diferentes abordagens e tensões entre os jihadistas e as tribos sunitas que também estão em campo contra o primeiro-ministro Nuri al-Maliki (xiita). Nesse sentido, prevejo uma dupla dificuldade no controlo do país.”
Em menos de uma semana, os jihadistas içaram a bandeira negra em cidades do norte e centro e controlam uma área maior do que Israel, com petróleo, linhas de alta tensão, prisões e armas, algumas fornecidas pelos EUA. No norte a única força militar credível é o exército do território autónomo curdo que, preventivamente, ocupou Kirkuk após a debandada das tropas de Bagdade.
A marcha do EIIL parou em Samarra, a 120 km da capital. Para Pires de Lima, a tomada de Bagdade é, porém, “uma probabilidade distante. Sendo sobretudo xiita, a cidade oferece pouco apoio sunita a uma investida militar. Por outro lado, tanto o exército, fortemente xiita, como as milícias xiitas não darão margem a que a capital seja tomada. Além disso, potências interessadas, como EUA e Irão, já estão preparadas para dar auxílio.”
O ataque irrompeu no dia 10 com a conquista de Mossul, a segunda cidade, numa zona rica em petróleo. Ao estilo de um Estado dentro do Estado, os jihadistas usam os recursos minerais em seu proveito, “fazendo como já fazem na Síria (onde controlam Deir Ezzor, província rica em petróleo): revendendo ao regime, a bom preço, para se financiarem”, diz Pires de Lima.
“A importância da Síria no mercado de petróleo é menor do que a do Iraque, e é provável que os principais compradores financiem mais segurança nas refinarias. Refiro-me à China que compra metade da produção.”
A pobretanas Al-Qaeda
Numa medida que mais parece destinada a exibir potencial e seduzir financiadores, o EIIL publica, desde 2012, o relatório anual de atividades, dando informações sobre ataques à bomba, assassínios, checkpoints, missões-suicidas, conversões de “apóstatas” e ganhos territoriais. Em 2013, o grupo diz ter feito 10 mil operações no Iraque, que provocaram 1000 mortos e resultaram na libertação de centenas de prisioneiros radicais.
Estima-se que o EIIL tenha, atualmente, 15 mil combatentes. E que antes de tomar Mossul, o EIIL já cobrasse, por mês, oito milhões de dólares (seis milhões de euros) em extorsões aos comerciantes locais. Após conquistar Mossul, o grupo assaltou o edifício local do Banco Central de onde levou 425 milhões de dólares (313 milhões de euros). Crê-se que por alturas do 11 de Setembro, o orçamento anual da Al-Qaeda rondasse os 30 milhões de dólares (22 milhões de euros).
Mais do que a sua capacidade militar, o sucesso do EIIL — com origem na Al-Qaeda do Iraque, nascida no contexto da invasão americana de 2003 e que se alimentou do colapso institucional que se seguiu à queda de Saddam Hussein — ilustra, acima de tudo, a implosão do exército de Bagdade. Vários comandantes foram dos primeiros a fugir de Mossul.
Traduz ainda a impopularidade, dentro do ‘triângulo sunita’ (os vértices são Bagdade, Ramadi e Tikrit), do Governo iraquiano que tem marginalizado a minoria sunita, em que, até 2003, Saddam (natural de Tikrit) se apoiou. Por isso e não tanto por admirarem o EIIL, muitos sunitas alinham com os jihadistas.
Para Pires de Lima, investigador também na Universidade Johns Hopkins, em Washington DC, esta ofensiva jihadista era “absolutamente previsível”. “Em janeiro, já tinham tomado Fallujah e Ramadi, pondo a nu as enormes fraquezas do exército. E, no último ano, quando se incompatibilizaram com os grupos laicos e moderados da oposição síria, aproveitaram a livre circulação entre as duas fronteiras para apontar forças ao norte e oeste iraquiano, onde os sunitas mais odeiam o Governo de Maliki, que tudo tem feito para dividir o país com um chauvinismo xiita e uma perseguição política a líderes civis e militares sunitas.”
Territórios aos bocados
O analista recorda que “o Iraque faz parte do sonho do EIIL, o Al-Sham ou a Grande Síria, geografia que não respeita as fronteiras desenhadas no fim dos impérios, antes procura agrupar a comunidade sunita submetendo-a à sharia sem qualquer contemplação”.
Quarta-feira, o Governo português repudiou “as imagens particularmente chocantes de atrocidades cometidas” por grupos terroristas, apelou “à imediata libertação dos cidadãos turcos” reféns em Mossul e defendeu que “a unidade do Iraque deve prevalecer”.
No Iraque e na Síria, essa unidade é, porém, cada vez mais artificial. A Síria “está desintegrada. Assad controla o terço territorial mediterrânico, os curdos autoproclamaram um estado autónomo a norte e os sunitas (terroristas ou militantes anti-Assad) o resto”, diz Pires de Lima. “A manutenção de Assad no poder pode ser um ponto de partida para uma investida militar de ocidente para leste. Nesse sentido, a integridade síria pode ser um capítulo em aberto. Julgo ser o quadro que mais agrada aos EUA, UE, Rússia, Irão e Turquia. A questão é a reação da Arábia Saudita e de grandes financiadores sunitas como o Qatar.”
A desintegração atinge também o Iraque, “embora exista uma estrutura mais descentralizada do Estado. Podemos ter como solução uma federação pouco dirigida pelo Governo central (como querem as tribos sunitas) e com regiões autónomas autossuficientes, como existe a norte com os curdos. Este seria o compromisso político depois de eliminada a ameaça terrorista, o que vai demorar.”
Bagdade já pediu ajuda aos EUA que dali retiraram no fim de 2011. O Irão já enviou tropas para defender a capital e os lugares santos xiitas de Najaf e Karbala. “Este terrorismo aproxima EUA e Irão, mas os EUA não querem abrir mão da aliança com a Arábia Saudita, vista por Maliki como o promotor financeiro do EIIL e das tribos sunitas. O Irão apoiará financeira e militarmente as milícias xiitas que estão ao lado do exército iraquiano e, como na Síria, são fundamentais para garantir o sucesso. Os EUA podem usar drones, mas não é de esperar que mandem tropas.”
Ainda os Açores
Num ensaio publicado no sítio da Faith Foundation, há uma semana, Tony Blair, ex-chefe do Governo britânico e um dos protagonistas da invasão do Iraque em 2003, afastou responsabilidades pelo estado do país, preferindo culpar “a situação na Síria”. “Temos de nos libertar da noção de que ‘nós’ causámos isto”, disse.
Autor do livro “A Cimeira das Lajes — Portugal, Espanha e a guerra do Iraque”, Bernardo Pires de Lima conclui: “Mais do que a guerra de 2003, o pósguerra foi um dos grandes falhanços geopolíticos das últimas décadas para o Ocidente. Não garantiu um aliado confiável em Bagdade, descredibilizou-se na região com os argumentos que originaram a guerra, depauperou a sua cadeia de informações e mostrou não ter noção do planeamento pósconflito.” O resultado está à vista.
Artigo publicado no “Expresso”, a 21 de junho de 2014
A refinaria de Baiji é palco de violentos combates entre as forças de Bagdade e milícias radicais sunitas. Barack Obama diz que se a situação no terreno o exigir, os EUA poderão adotar ações militares “precisas e direcionadas”
Forças leais ao Governo iraquiano e militantes jihadistas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) estão envolvidos em batalhas violentas pelo controlo da refinaria de Baiji, a maior do país, e do aeroporto de Tal Afar, ambos no norte.
Os rebeldes içaram as suas bandeiras negras à volta da refinaria de Baiji, mas o Governo garante ter recuperado o controlo total daquela central, que produz diariamente 320 mil barris de petróleo.
Os combates acontecem nas vésperas do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, — que inicia, este fim de semana, um périplo pelo Médio Oriente — chegar a Bagdade. Na capital iraquiana, espera-se que pressione as autoridades, lideradas pelos xiitas, no sentido de formarem um Governo mais representativo do xadrez étnico iraquiano e, assim, a tensão inter-étnica possa aliviar.
Ontem, o Presidente dos Estados Unidos anunciou o envio de mais de 300 conselheiros militares para assessorar o Governo iraquiano (xiita), no combate aos militantes radicais sunitas. “As forças norte-americanas não regressarão aos combates no Iraque”, disse Barack Obama, acrescentando que os EUA “estão preparados para adotar ações militares precisas e direcionadas se e quando nós determinarmos que a situação no terreno o requer”.
Os preparativos para a guerra parecem já ter começado junto de muitos iraquianos. Milhares de xiitas — a etnia maioritária e também aquela que está no poder — estão a alistar-se, de forma voluntária, no exército iraquiano para defenderem o país da ameaça colocada pelos sunitas do EIIL — especialmente os lugares santos xiitas de Najaf e Karbala.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 20 de junho de 2014. Pode ser consultado aqui
Diálogo sobre o nuclear e, sobretudo, a necessidade de atacar conjuntamente o problema iraquiano aproximou britânicos e iranianos. A relação estava suspensa desde 2011
O braço de ferro diplomático entre Londres e Teerão parece ter os dias contados. O secretário dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, William Hague, anunciou, esta terça-feira, a intenção de o Governo britânico reabrir a sua embaixada na capital iraniana.
“Nunca tive qualquer dúvida de que devíamos ter uma embaixada em Teerão, se as circunstâncias o permitissem”, disse. “O Irão é um país importante numa região volátil. Manter embaixadas por todo o mundo, ainda que em condições difíceis, é um pilar central da abordagem diplomática global do Reino Unido.”
Numa declaração escrita distribuída aos deputados britânicos, o governante admitiu que a decisão decorre do “aumento da confiança” entre as duas partes, nos últimos meses.
A eleição de um novo Presidente iraniano — Hassan Rohani assinalou, no domingo, um ano no poder —, tido como uma personalidade mais moderada comparativamente ao antecessor Mahmud Ahmadinejad, contribuiu para uma relação bilateral menos tensa.
Paralelamente, as negociações internacionais em curso sobre o programa nuclear iraniano, em que o Reino Unido participa — Irão e Ocidente têm até 20 de julho para conseguir um acordo final —, contribuíram para aproximar as partes.
Agenda comum no Iraque
A relação bilateral anglo-iraniana tem beneficiado também com o súbito drama colocado pela situação no Iraque, onde uma ofensiva dos jihadistas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL), de inspiração sunita, ameaça Bagdade.
Londres e Teerão rejeitam esse cenário e o Irão — que partilha com o Governo iraquiano a defesa do credo xiita — surge como um parceiro fundamental para o combate às pretensões jihadistas.
Citado pela “BBC”, Sir William Patey, ex-embaixador britânico em Teerão, disse que este é um “momento muito significativo” para a realização de acordos entre os dois países. “Há a perspetiva de uma relação mais construtiva com Irão, porque há um inimigo maior, que é o EIIL.” Porém, alertou, o “potencial de desentendimento com o Irão é sempre muito alto”.
Reino Unido e Irão suspenderam as relações diplomáticas em 2011, após a missão diplomática britânica ter sido atacada por populares em fúria pelo apoio britânico às sanções contra Teerão.
Foi apenas o último de uma série de incidentes sérios que, nos anos anteriores, vinham condenando o relacionamento bilateral. Em 2007, 14 marinheiros britânicos tinham sido detidos pelas autoridades iranianas que os acusaram de entrada ilegal em águas territoriais do Irão.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de junho de 2014. Pode ser consultado aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.