Oração, fraternidade e… política

Oficialmente desavindos, os líderes de Israel e da Palestina rezaram juntos em Roma por iniciativa do Papa. O Vaticano diz, porém, que Francisco não quer ser mediador do conflito. O Expresso ouviu a reação dos dois embaixadores em Lisboa

O Papa Francisco cumpriu o prometido e reuniu, nos jardins do Vaticano, os chefes de Estado de Israel e da Palestina. O líder da Igreja Católica instou Shimon Peres e Mahmud Abbas a “darem resposta” aos apelos de paz dos dois povos e a encontrarem forças para “persistir num diálogo destemido”.

Os dois Presidentes apertaram a mão e plantaram uma oliveira – símbolo da paz e da região mediterrânica, palco do conflito.”

Os encontros simbólicos têm toda a importância, nomeadamente quando são, como foi o caso da cerimónia do Vaticano, transmitidos na íntegra e em direto pela CNN e seguidos no mundo inteiro”, comenta ao Expresso Carlos Gaspar, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais, da Universidade Nova de Lisboa.

“Em junho de 1979, o Papa João Paulo II visitou pela primeira vez a Polónia e, nessa ocasião, o cardeal Karol Wojtyla quis dizer aos polacos uma frase singela: ‘Não tenham medo’. As consequências das suas palavras são bem conhecidas.”

Francisco afirmou que “fazer a paz requer coragem, muito mais do que guerra”, qualificou de “inaceitável” a suspensão das conversações israelo-palestinianas e mostrou-se esperançado de que este encontro possa significar “uma nova jornada” no sentido da paz no Médio Oriente.

O Vaticano fez saber que a iniciativa papal consistiu numa “aproximação espiritual”, não tendo quaisquer motivações políticas associadas, pelo que não estão previstos outros eventos concretos.

“Não há nenhum sinal de que o Papa venha a tornar-se um mediador diplomático entre o Estado de Israel e a Autoridade Palestiniana e, muito menos, de que queira ter uma intervenção política direta nos conflitos internacionais”, continua Carlos Gaspar. 

“A cerimónia da Santa Sé concentrou-se nas orações e quis reconhecer os participantes pela sua religião, como resulta também da importância dada à presença do patriarca de Constantinopla. Pela sua parte, tanto Shimon Peres como Mahmud Abbas corresponderam à vontade do Papa, não só pelo tom das suas orações respetivas como pela relativa moderação das suas intervenções. Os EUA foram, são e vão continuar a ser os únicos com o poder e a credibilidade indispensáveis para impor a sua vontade numa mediação diplomática entre o Estado de Israel e a Autoridade Palestiniana”, frisa

Recados de parte a parte

Em declarações ao Expresso, os embaixadores de Israel e da Palestina em Portugal congratularam-se com a realização desta iniciativa. A diplomata israelita Tzipora Rimon afirma que o encontro “não irá resolver todas as questões”. “Mas criou um precedente único e uma atmosfera muito positiva para aproximar os dois lados e um encorajamento para continuarmos a lutar pela paz, que só poderá ser alcançada através do diálogo”, adianta.

A diplomata refere que para que a paz seja alcançada a comunidade internacional tem de “fazer todos os esforços para que a liderança da Autoridade Palestiniana não se limite apenas a declarações, mas que mostre mudanças no terreno, nomeadamente, o reconhecimento do Estado de Israel por parte do Hamas, a renúncia à violência e também o respeito pelos acordos internacionais previamente assinados.”

Por seu lado, o embaixador palestiniano em Lisboa, Hikmat Ajjuri, recordou que, no passado, já o Papa João Paulo II afirmou que “a paz na Terra Santa precisade pontes, não de muros”. Acrescenta que “talvez com a bênção do Papa Francisco, este encontro no local sagrado do Vaticano ajude a derreter o gelo entre israelitas e palestinianos, a derrubar muros e a construir pontes. E que a solução de dois Estados, que é a única solução para o conflito aprovada internacionalmente, seja concretizada, tornando os dois Estados uma realidade, mais cedo do que tarde”.

O embaixador Ajjuri recorda que as Nações Unidas decretaram 2014 como o Ano da Solidariedade para com o Povo Palestiniano. “Por isso, esperamos que este ano seja o fim da única ocupação militar que resta à face da Terra, que é a ocupação israelita do Estado da Palestina”, conclui.

IMAGEM Pomba da paz com espinhos PUBLIC DOMAIN VECTORS

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de junho de 2014. Pode ser consultado aqui

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