Continuam os bombardeamentos aéreos ao território palestiniano, enquanto em Israel se prepara uma invasão terrestre. A operação contra o Hamas já fez dezenas de mortos. O Expresso falou com um palestiniano de uma das cidades no centro do conflito
Issa Amro tem acompanhado os bombardeamentos israelitas na Faixa de Gaza à distância, apesar de viver muito próximo do local que está na origem da mais recente crise israelo-palestiniana. Issa é palestiniano e vive em Hebron, na Cisjordânia, local onde foram raptados e encontrados mortos três jovens israelitas. Às mãos do Hamas, acusa Israel.
“A situação aqui está muito tensa”, diz ao Expresso. “Há mais militares israelitas do que habitualmente e todas as noites fazem rusgas casa a casa.” Procuram pistas que os levem até aos responsáveis pela morte dos três judeus e “procuram destruir tudo o que podem”, diz Issa.
“O Netanyahu [primeiro-ministro israelita] e o seu governo têm sede de sangue”, acusa Issa. Por isso, o ataque israelita que começou terça-feira em Gaza não o surpreende. A operação tem consistido em bombardeamentos efetuados por aviões de combate e navios da Marinha que disparam a partir do Mediterrâneo. Mas Issa acredita que a intervenção poderá não ficar por aqui.
As autoridades de Telavive já aprovaram a mobilização de cerca de 40 mil reservistas a pensar numa invasão terrestre. “Não acredito que eles entrem nas áreas densamente povoadas”, diz o palestiniano. “Acho que vão ficar nos descampados, junto à fronteira.”
Tiro ao motociclista
Desencadeada terça-feira, a operação “Barreira de Proteção” (“Protective Edge”, em inglês) visa punir o Hamas — a organização islamita que controla o território desde 2007 — e parar com a ‘chuva de rockets’ disparados na direção de Israel.
“Vamos continuar a realizar ataques que constituam um alto preço para o Hamas”, afirmou esta quarta-feira o ministro israelita da Defesa, Moshe Ya’alon. “Estamos a destruir armas, infraestruturas terroristas, sistemas de controlo, instituições, edifícios governamentais, casas de terroristas. E estamos a matar altos comandantes.”
As Forças de Defesa de Israel confirmaram que Abdullah Difallah, um destacado operacional do Hamas, foi atingido esta quarta-feira no norte do território, quando seguia de moto.
Também a norte, na área de Beit Hanoun, uma das casas atingidas durante a madrugada pertencia a Hafiz Hamad, um líder da Jihad Islâmica, outra organização islamita com influência na Faixa de Gaza. Cinco familiares de Hamad morreram durante o ataque, sendo homens e mulheres entre os 16 e os 62 anos.
O número de mortos em Gaza desatualiza a cada hora que passa. A meio da tarde, o balanço da agência palestiniana Ma’an apontava para 39 mortos. Nas primeiras 24 horas da operação morreram 24 pessoas.
‘Rockets’ que voam longe
As autoridades militares israelitas alertam para o alcance de alguns ‘rockets’ que estão a ser disparados desde Gaza, nomeadamente o M302, de fabrico sírio, que pode voar 160 quilómetros. Um destes projéteis já caiu na cidade de Hadera (norte de Israel), a 100 quilómetros de Gaza, algo nunca conseguido anteriormente.
As Forças de Defesa de Israel dizem que o M302 “pode atingir a maior parte do território”. Issa Amro diz que não defende o lançamento de ‘rockets’. “Mas neste momento é a única opção” que Gaza tem para se defender, refere.
Telavive e Jerusalém contam-se entre as grandes cidades israelitas atingidas pelos ‘rockets’ do Hamas. Algumas dezenas foram intercetados pelo escudo de defesa Cúpula de Ferro, disperso pelo país.
Em Telavive, a Conferência sobre a Paz realizada terça-feira pelo diário israelita “Haaretz” foi interrompida pelo som das sirenes de alerta, obrigando os participantes a refugiarem-se no bunker. Quando lhe foi possível intervir, Phillip Gordon, coordenador das questões para o Médio Oriente da Casa Branca, afirmou: “Os Estados Unidos protegerão sempre Israel. É por isso que lutamos todos os dias [por Israel] nas Nações Unidas”.
Porém, continuou o norte-americano, essa aliança não inibe Washington de fazer perguntas importantes. “Como irá Israel permanecer democrático e judeu se tenta governar milhões de árabes palestinianos que vivem na Cisjordânia? Como terá paz se não está disposto a delinear uma fronteira, acabar com a ocupação e permitir a soberania, segurança e dignidade palestinianas? Como iremos impedir que outros países apoiem os esforços palestinianos em organizações internacionais, se Israel não for encarado como um país comprometido com a paz?”
AS ÚLTIMAS DUAS GRANDES OPERAÇÕES
“Pilar de Defesa”, 2012
Israel bombardeou Gaza entre 14 e 21 de novembro para atingir a capacidade militar do Hamas, que vinha lançando ‘rockets’ contra o seu território. O início da operação foi marcado pelo assassínio de Ahmed Jabari, chefe do braço militar do Hamas em Gaza. Segundo a Amnistia Internacional, morreram 99 pessoas em Gaza; do lado israelita, morreram dois soldados e quatro civis.
“Chumbo Fundido”, 2008/2009
Começou a 27 de dezembro, em plena festividade da Hanuka judaica, e durou até 18 de janeiro, envolvendo uma invasão terrestre. Israel atacou após o Hamas ter terminado o cessar-fogo que durava há meio ano, acusando os israelitas de não suspenderem o bloqueio por terra, mar e ar à Faixa de Gaza. Morreram 1417 pessoas em Gaza, a maioria civis, e 13 militares israelitas e três civis.
(IMAGEM Bandeiras de Israel e do Hamas WIKIMEDIA COMMONS)
Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 9 de julho de 2014. Pode ser consultado aqui