Um brasileiro descreve, desde Alepo, a crescente radicalização dos rebeldes e o perigo de sequestro que os ocidentais correm

Kobane, cidade síria junto à Turquia, tornou-se, no Ocidente, o símbolo do combate ao Estado Islâmico (Daesh). Entre os sírios, hoje, é palavra proibida. “Pediram-me que não falasse de Kobane a ninguém. Estão cheios de raiva. Acham que a ajuda internacional a Kobane só revela o esquecimento em relação ao povo sírio”, diz ao Expresso o fotógrafo brasileiro Gabriel Chaim, 33 anos, a partir da cidade de Alepo. “Os sírios estão em guerra há quatro anos, já morreram milhares de crianças e nunca houve uma intervenção desta magnitude. A ajuda a Kobane só multiplica o ódio ao Ocidente. Assad é tão assassino quanto o Daesh, só que este decapitou ocidentais.”
No último ano, Gabriel passou mais tempo no Médio Oriente do que no Brasil. A Síria, diz, está “no seu pior momento”, com muitas guerras dentro da guerra. Alepo, por exemplo, é disputada por forças do regime e rebeldes anti-Assad. Entre estes, há múltiplas tendências, algumas — como a Frente al-Nusra (ligada à Al-Qaeda) — cada vez mais parecidas com o Daesh. “A Nusra aliou-se a outros grupos e está a tentar conquistar Zahar e Nepol”, cidades xiitas a norte de Alepo.
A aviação dos Estados Unidos tem visado a Nusra, mas o grupo, diz o brasileiro, “está a crescer muito. Alguns grupos rebeldes, como o Jamal Maruf, que tem apoio dos EUA, combatem a Nusra. Mas em breve ela vai aliar-se ao Daesh, pode escrever.”
Gabriel sai hoje da Síria, após um crescente sentimento de insegurança. “O Daesh avisou que pagaria bem por qualquer estrangeiro. Se não existir um bom esquema de segurança, qualquer pessoa pode ser sequestrada mesmo onde o Daesh não está, como Alepo”, diz. “A guerra dura há anos. Os combatentes de ontem não têm a mesma cabeça. O ódio tomou conta deles. Não têm dinheiro para comer, precisam de comprar munições, qualquer dinheiro é bem-vindo.”
Gabriel andava com seguranças afetos ao Exército Livre da Síria (rebeldes moderados). “Íamos num carro que tinha uma bomba instalada. Se nos sequestrassem, explodiam tudo.” Andava de lenço na cabeça e barba crescida. Só assim conseguiu aproximar-se de Suran, na fronteira com o Daesh.
“Há o último checkpoint do Exército Livre da Síria e a seguir o do Daesh. Um autocarro faz esse caminho e várias pessoas entram e saem diariamente em Raqqa (a capital do Daesh). Falei com um comerciante que vai três vezes por semana a Raqqa comprar gasolina para vender em Alepo. O Daesh controla o mercado do combustível. Vende aos rebeldes, ao regime e à Turquia. Até o peixe que entra em Alepo vem do Estado Islâmico”.
Artigo publicado no “Expresso”, a 29 de novembro de 2014

