Um país em risco e onde tudo se discute

Uma arquiteta portuguesa que viveu três meses no país conta ao Expresso a sua experiência

O Iémen está sem governo, sem Presidente, tem a capital nas mãos de rebeldes xiitas, o sul controlado por independentistas e o leste por tribos e pela Al-Qaida. Um cenário de caos que levanta a questão da integridade do país, mas não demove a arquiteta Milena Raposo da vontade de regressar ao Iémen — que visitou pela primeira vez em 2013 para estudar árabe e observar a arquitetura tradicional, nomeadamente as construções em terra, por vezes de 11 pisos, da cidade de Shibam, “a Manhattan do deserto”.

“Não tinha consciência se podia, ou não, ir a Shibam”, conta ao “Expresso”. Milena acabaria por ver os seus planos frustrados. Shibam fica na região de Hadramaut, no leste, onde está implantada a Al-Qaida. “Para um estrangeiro, é muito difícil viajar no Iémen, por razões de segurança. O mais provável é que não aconteça nada, mas as autoridades não permitem. Quando se está em Sana’a, é preciso uma autorização especial para sair da cidade. Há que ir à polícia, dizer com quem se vai, que vamos fazer, por quanto tempo, e eles podem dar autorização, ou não. A mim não deram.”

Em 2013, Milena esteve no Iémen quase dois meses. No ano passado, voltou para uma estada de três semanas, quando manifestações dos huthis já enchiam as ruas de Sana’a e a tomada da capital por esses rebeldes xiitas, que dura até hoje, estava iminente. “Era tudo muito estranho. Da primeira vez, cheguei a Sana’a às quatro da manhã. O motorista da escola de línguas foi buscar-me ao aeroporto, num carro que parecia ter sido abalroado por um tanque. Levava um filho pequeno, porque não era próprio andar de carro sozinho com uma mulher que não fosse da sua família. É um princípio.”

Milena optou por usar sempre a “abaya” (túnica longa que cobre todo o corpo) e, na cabeça, o “hijab” (lenço). Não tinha de o fazer, ainda para mais sendo estrangeira. “Eu podia andar vestida à ocidental, como vi algumas estrangeiras fazerem, mas para eles pareceria estranho. Ficam muito contentes quando a pessoa tenta integrar-se e aprecia os seus valores. Significa que se identifica com eles de alguma forma. E sobretudo, apreciam que se cubra o cabelo, porque para eles não é normal verem as mulheres na rua sem o “hijab”. Todas essas regras culturais e religiosas acontecem de maneira natural. Não senti que fossem imposições, em contexto nenhum. É isso que faz deles um povo tão bonito.”

No Iémen, em termos profissionais, nada está vedado às mulheres, excetuando tudo o que tenha a ver com um papel mais ativo na religião, incluindo a profissão de “muezim” — aquele que sobe ao minarete para chamar os fiéis à oração (nas mesquitas ocidentais e em muitos países muçulmanos, o chamamento é feito por gravações). “No governo que se demitiu na semana passada, havia seis ministras. Uma delas era a porta-voz. Na política, não há restrições ao papel da mulher.”

Por ser estrangeira — “à mulher estrangeira, é permitido frequentar os mundos masculino e feminino” —, Milena pode assistir a “reuniões de qat” de homens (também as há de mulheres), encontros informais que muito a cativaram. “A maior parte dos iemenitas não trabalha a partir do meio da tarde. Então, até ao anoitecer, grupos de amigos reúnem-se para discutir, pacientemente, política, cultura e religião.

Estes encontros acontecem no “mafraj”, normalmente uma sala comprida no último piso da casa, com janelas enormes para a cidade e almofadas no chão a toda a volta, onde as pessoas se sentam, com uma pequena mesa à frente de cada um, com água e um ramo de “qat” — uma planta que vão mascando e que é um estimulante da memória e ajuda à conversação. E passam horas assim.”

Os drones e a Palestina

Milena percebeu que os iemenitas se sentem incompreendidos pelo Ocidente e vivem o problema da Palestina como “uma grande ferida”. “Eles dizem: ‘Os nossos irmãos árabes estão a ser expulsos da sua própria terra’”.

Constatou também que a cooperação entre o Iémen e os Estados Unidos em matéria de combate ao terrorismo está a ter efeitos contraproducentes. “Aos poucos, se a Al-Qaida tem vindo a ganhar alguns adeptos iemenitas, isso decorre da revolta das pessoas perante os ataques dos EUA com drones. Os civis sofrem com isso. Quem perde familiares, ou mesmo famílias inteiras no bombardeamento de um casamento, como já aconteceu, sente uma grande revolta.”

Quando Milena pensa no Iémen e ouve notícias de que o país corre o risco de voltar a partir-se em dois, como acontecia até 1990, esta arquiteta de 35 anos acredita que isso não será positivo. “Apesar de haver muitas identidades culturais distintas, penso que o país sobreviveria melhor como território único e com uma gestão única. As regiões conseguiriam compensar-se. De outra forma, haverá sempre regiões muito pobres e vulneráveis. Não sei o que vai acontecer, mas acho que unificado, o Iémen teria mais força.”

Conhecida como “a Manhattan do deserto”, Shibam fica na região de Hadramaut, no leste, onde está implantada a Al-Qaida JIALIANG GAO WWW.PEACE-ON-EARTH.ORG / WIKIMEDIA COMMONS

UM PALCO DA PRIMAVERA ÁRABE
QUE ACABOU EM MÃOS JIADISTAS

1. PORQUE É O IÉMEN TERRITÓRIO FÉRTIL PARA A AL-QAIDA?

Marie-Christine Heinze
Presidente do Centro de Investigação Aplicada em Parceria com o Oriente (CARPO), Berlim
Há muitas razões, a mais importante das quais é a alta taxa de desemprego entre os jovens e os baixos níveis de educação. Há também a geografia acidentada e a falta de controlo estatal fora das principais cidades. Tudo isto, combinado com a deterioração da situação de segurança, permitiu à Al-Qaida, através das suas redes locais, tirar partido dos conflitos na região. Os locais também usam a Al-Qaida para fomentar interesses próprios, ainda que não concordem com a sua ideologia. Fazem-no para terem mais homens do seu lado a lutar contra um inimigo comum. Nos últimos meses, o avanço dos huthis sobre áreas sunitas levou locais a juntarem-se à Al-Qaida para combater os huthis. Muitos consideram os huthis a única força com vontade e capacidade para lutar contra a Al-Qaida; outros pensam que a Al-Qaida é a única força capaz de combater os huthis. A Al-Qaida tem usado o medo provocado pelo avanço huthi para espalhar uma retórica sectária.

2. QUE RESTA DA PRIMAVERA ÁRABE NO PAÍS?

Ana Santos Pinto
Investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), Lisboa
Os acontecimentos de 2011 (substituição do Presidente Saleh pelo vice-presidente Hadi) consubstanciaram-se numa alteração de líder, mas não de regime. Os sucessores de Saleh são figuras ligadas ao regime anterior, mantendo o antigo líder a mesma influência junto da elite dominante. Isto significa que Saleh não precisa de regressar, porque “esteve sempre lá”. A regressar será com base numa narrativa de unidade nacional e em resposta aos receios de desintegração do país. Pouco mudou para a população com a Primavera Árabe, existindo agora um acréscimo da conflitualidade face à posição assumida pelos rebeldes huthis. Se estivermos perante um regime sectário — baseado no afastamento e subordinação de comunidades minoritárias — cria-se no país um contexto favorável a um palco de conflitualidade violenta como no Iraque e na Síria, e possivelmente com ligações aos mesmos atores, nomeadamente ao Estado Islâmico.

QUEM QUER O QUÊ
E QUEM OS APOIA

PODER
Presidente Abd Rabbuh Mansur al-Hadi
Sucedeu ao ditador Ali Abdullah Saleh, em 2011, após grandes manifestações populares em Sana’a, no contexto da Primavera Árabe. Enfraquecido internamente após o avanço dos rebeldes huthis sobre a capital, em setembro, viu-se forçado à demissão, que apresentou a 22 de janeiro, na sequência da investida dos huthis sobre o palácio presidencial. Aliado dos Estados Unidos na guerra contra o terrorismo, autorizou, à semelhança do seu antecessor, que os norte-americanos bombardeassem com drones (aviões não tripulados) no interior do país.

REBELDES
Huthis
Etnia minoritária, professa a interpretação xiita do Islão num país maioritariamente sunita. Historicamente concentrados no Norte do Iémen, avançaram em setembro sobre a capital, Sana’a — que controlam —, após o governo cortar subsídios aos combustíveis, no âmbito de uma negociação com o FMI, originando a subida do preço da gasolina em 60% e do gasóleo em 95%. Huthis e Al-Qaida são inimigos: os primeiros são aliados do Irão, que os financia, e os segundos seguem a interpretação fundamentalista sunita adotada pela Arábia Saudita, grande rival do Irão no Médio Oriente. A separá-los está ainda o facto de os huthis atuarem como guerrilha e terem uma agenda local, ao passo que a Al-Qaida é um grupo terrorista com objetivos globais.

SEPARATISTAS
Movimento do Sul
Quer que o Sul do Iémen volte a ser independente como acontecia antes da unificação do país, em 1990, com a sua capital na cidade portuária de Aden. Na passada segunda-feira, fações afetas ao Movimento Sulista criaram, em Aden, o Órgão Sulista Nacional para a Libertação e Independência, que congrega partidos políticos, organizações estudantis e sindicatos. Ao mesmo tempo que constitui uma tentativa para unificar diferentes sensibilidades dentro do Movimento do Sul, revela que entre as hostes pró-secessionistas a unidade é um processo em construção. “Não há Governo nem Presidente. É hora de o povo do Sul perceber o que quer, isto é, a independência”, disse ao “Yemen Times” Abdullah Rashid, um dos fundadores do Movimento Sulista. “A unidade com o Iémen do Norte acabou após a guerra de 1994.”

TERRORISTAS
Al-Qaida na Península Arábica
Também conhecida por Al-Qaida no Iémen, reivindicou o recente atentado contra o jornal satírico “Charlie Hebdo”, em Paris. Fortemente implantada nas regiões tribais de Hadramaut, no Leste do país, atua internamente como grupo terrorista, tendo já operado na capital. A 21 de maio de 2012, um ataque suicida contra uma parada militar, em Sana’a, provocou mais de 100 mortos. Foi reivindicado pelo grupo Ansar al-Sharia, da constelação Al-Qaida.

(Foto principal: Sana’a, a capital iemenita, em tempo de paz (janeiro de 2009) FERDINAND REUS, DE ARNHEM, HOLANDA / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no Expresso, a 31 de janeiro de 2015

Kenji Goto. História de uma viagem sem regresso

O Estado Islâmico divulgou este sábado o vídeo da decapitação do japonês Kenji Goto, jornalista de 47 anos. Um fotógrafo brasileiro que esteve na Síria no final do ano passado relata ao Expresso como é que o refém agora assassinado decidiu entrar em território controlado por jiadistas, apesar dos avisos para não o fazer

“Todos sabiam que era provável que Kenji caísse nas mãos do Estado Islâmico. Estou muito surpreendido com a sua irresponsabilidade. Toda a gente o avisou”, conta ao Expresso Gabriel Chaim, que estava em Alepo (Síria) no momento em que Goto decidiu entrar no território do Estado Islâmico, em outubro do ano passado, já os ocidentais James Foley, Steven Sotloff, David Haines e Alan Henning tinham sido decapitados. 

Vários órgãos de informação internacionais noticiaram que Kenji Goto terá decidido ir até Raqqa, capital do Estado Islâmico, para tentar encontrar o seu amigo Haruna Yukawa, que chegara à Síria em agosto e de quem não se conhecia o paradeiro. Segundo a agência Reuters, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Japão procurava Haruna Yukawa desde então. “Não creio que seja verdade que Kenji tenha ido atrás do outro… “, diz o brasileiro. 

Gabriel, de 33 anos, não conheceu Kenji, apenas ouviu falar dele: “Ele é conhecido em Alepo. Já ali esteve várias vezes. Todos me disseram que é ‘um cara muito legal’, empenhado na causa síria”. Não o conheceu, mas testemunhou o pânico do cidadão sírio que apoiava o jornalista japonês nas suas deslocações pela Síria. “O ‘fixer’ [guia] dele insistiu para que não fosse para Raqqa. Mas ele disse que iria de qualquer jeito. Então, o ‘fixer’ obrigou-o a gravar um vídeo admitindo que iria por conta própria. Eu vi esse vídeo todo”, conta Gabriel.

“Primeiro, ele surge a falar japonês, depois inglês, mostrando o passaporte e o cartão de identificação de jornalista. O guia deixou-o no último ‘checkpoint’ antes de Raqqa [um posto controlado pelos rebeldes do Exército Livre da Síria], ele apanhou um autocarro e foi.”

“Ele subestimou o perigo” 

O brasileiro pensa que o japonês estaria convencido de que não teria problemas com os extremistas: “Ele subestimou o perigo! Antes, o Japão só estava envolvido nesta guerra através do fornecimento de ajuda humanitária aos refugiados. Eu acho que o problema foi a condenação do Governo japonês ao atentado de Paris” contra o jornal satírico “Charlie Hebdo”.

Quando o Estado Islâmico mostrou, pela primeira vez, os dois japoneses em cativeiro, num vídeo divulgado na semana passada, exigiu o pagamento de um resgate de 200 milhões de dólares (178 milhões de euros). Após a execução do empresário Haruna Yukawa, alterou as suas exigências, passando a exigir a libertação de Sajida al-Rishawi, uma candidata a bombista suicida capturada pelas autoridades jordanas em 2005.

“Este tipo de atitude só atrapalha. O mundo pensa que o Daesh [designação pela qual também é conhecido o Estado Islâmico] sequestrou o japonês e levou-o para dentro do seu ‘Estado’. Mas ele foi por conta própria, ninguém o forçou a ir. Pelo contrário, todos avisaram-no para que não fosse. Talvez quisesse ir para mostrar que é um homem valente ou então para mostrar como se vive dentro do Estado Islâmico. Foi muito irresponsável!”

Para Gabriel Chaim, que em 2014 passou mais tempo na Síria do que no seu Brasil natal, episódios como este só contribuem para piorar a situação da imprensa estrangeira dentro da Síria e também para o esquecimento do conflito nesse país. “Os media já estão tão longe da Síria… têm medo de novos sequestros”, dizia há poucos dias ao Expresso.

“Casos destes fazem com que o mundo deixe de olhar para a Síria”, onde paralelamente à ofensiva do Estado Islâmico prossegue uma guerra contra o regime de Bashar al-Assad. “Isso só leva a afastar ajuda humanitária. Se o Kenji morrer, com certeza o Japão vai deixar de ajudar os refugiados sírios.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 31 de janeiro de 2015. Pode ser consultado aqui

Amizade com os EUA passa pela devolução de Guantánamo

Barack Obama quer fechar Guantánamo. Raúl Castro quer o fim da ocupação norte-americana daquele pedaço da ilha de Cuba. Dossiê está na agenda da normalização de relações entre Washington e Havana

Raúl Castro aproveitou a tribuna da III Cimeira da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), que termina esta quinta-feira em San Antonio de Belen, na Costa Rica, para fazer exigências aos Estados Unidos.

“O reestabelecimento das relações diplomáticas é o início de um processo de normalização das relações bilaterais, mas isso não será possível enquanto o bloqueio existir e enquanto eles não devolverem o território ilegalmente ocupado pela base naval de Guantánamo”, afirmou o Presidente cubano, na quarta-feira.

A presença dos Estados Unidos na ilha de Cuba data de 1903, quando ali estabeleceram essa infraestrutura militar. Desde a revolução de 1959 que as autoridades de Havana têm vindo a exigir a restituição do território ocupado pela base e que, após o 11 de Setembro, alberga um centro de detenção para suspeitos de terrorismo.

Segundo o sítio Close Guantanamo (Fechem Guantánamo), desde janeiro de 2002, 779 prisioneiros passaram por aquele centro: 647 foram libertados ou transferidos, um foi levado para os EUA para ser julgado e nove morreram, o último dos quais Adnan Latif, em setembro de 2012.

Atualmente, 122 pessoas continuam ali detidas. O encerramento de Guantánamo foi uma das principais promessas eleitorais de Barack Obama. 

Compensações após anos de sanções
Falando na Costa Rica, Raúl Castro exigiu também, para além do levantamento do embargo económico, o pagamento de centenas de milhões de dólares como indemnização pelas perdas provocadas pelas sanções.

“Se estes problemas não forem resolvidos, esta reaproximação económica não fará qualquer sentido”, disse.

Raúl Castro e Barack Obama anunciaram, a 17 de dezembro, o início de um processo diplomático visando o reestabelecimento de relações bilaterais. Os dois governos realizaram o seu primeiro encontro na semana passada, em Havana.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de janeiro de 2015. Pode ser consultado aqui

Acabou o prazo jiadista para piloto jordano

A Jordânia vive com ansiedade o fim do prazo estabelecido pelo Estado Islâmico para a libertação de uma terrorista iraquiana detida em Amã. Horário é o “pôr do sol” em Mosul (14h30 em Lisboa). Em causa está a vida de um piloto jordano, que os jiadistas ameaçam executar

A Jordânia está pronta para libertar a iraquiana Sajida al-Rishawi, como o exigiu o Estado Islâmico, em troca da vida do seu piloto Muath Kassasbeh em posse dos jiadistas. Porém, o último comunicado do Estado Islâmico, em que estabelece os termos para a troca de prisioneiros, é omisso em relação ao destino do piloto jordano.

As exigências do Estado Islâmico foram ditadas pelo japonês Kenji Goto, outro refém do Estado Islâmico, que esta quarta-feira surgiu num vídeo a anunciar, em inglês, que ele próprio seria a moeda de troca da iraquiana: “Se Sajida al-Rishawi não estiver pronta para ser trocada por mim, na fronteira turca ao pôr do sol de quinta-feira, 29 de janeiro, horário de Mosul, o piloto jordano Muath Kassasbeh será morto imediatamente”, disse o jornalista nipónico. Em Mosul, o sol deve pôr-se pelas 17h30 (14h30 em Lisboa).

Pressionado para resgatar o piloto jordano são e salvo, o Rei Abdullah II recebeu na quarta-feira o pai de Muath Kassasbeh a quem garantiu, segundo o diário “Jordan Times”, que as autoridades estavam a fazer todos os possíveis para libertar o seu filho.

Muath Kassasbeh, o piloto, foi capturado em dezembro passado quando participava nos bombardeamentos da coligação internacional a posições jiadistas na Síria. A sua captura pôs em evidência a participação ativa da Jordânia nos bombardeamentos a um país árabe, o que provocou críticas às autoridades de Amã.

Igualmente, a eventual libertação de Sajida al-Rishawi poderá valer alguma contestação aos responsáveis políticos jordanos. A iraquiana foi condenada à morte pelo seu envolvimento num triplo atentado em 2005, contra três hoteis de Amã, que provocou 60 mortos. A sua eventual libertação será uma brecha na política antiterrorista da Jordânia.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de janeiro de 2015. Pode ser consultado aqui

Kobane foi libertada. Mas os jiadistas ainda controlam 400 aldeias nos arredores

A batalha pela cidade síria de Kobane, conquistada pelo “Estado Islâmico” em setembro, monopolizou as atenções internacionais. Os curdos anunciaram segunda-feira a expulsão dos jiadistas, mas nos arredores há muito por conquistar

“Parabéns à humanidade, ao Curdistão e ao povo de Kobane pela libertação da cidade.” Foi nestes termos que Polat Jan, porta-voz das Unidades de Proteção Popular (YPG) — as forças curdas a combater os jiadistas naquela cidade síria —, anunciou no twitter a expulsão do Daesh (“Estado Islâmico”) de Kobane.

“As YPG reconquistaram toda a cidade de Ayn al-Arab (o nome árabe de Kobane, cuja população é maioritariamente curda) após confrontos violentos com o Daesh que duraram 112 dias”, confirmou, na segunda-feira, o Observatório Sírio dos Direitos Humanos. 

As forças curdas estão agora concentradas nos arredores a leste de Kobane na perseguição a jiadistas e também na deteção e desmantelamento de explosivos. “Mas não há mais combates dentro da cidade”, garantiu o chefe do Observatório, Rami Abdel Rahman.

Idris Nassan, o ministro dos Negócios Estrangeiros da região de Kobane, tentou refrear a euforia à volta da libertação de Kobane: “Há cerca de 400 aldeias controladas pelo Daesh, o que quer dizer que eles controlam toda a zona rural de Kobane”, disse. “A primeira etapa era libertar a cidade, a segunda será libertar os arredores.”

Segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, dos confrontos entre jiadistas e curdos (estes apoiados por bombardeamentos da coligação internacional desde 23 de setembro) resultaram 1315 combatentes mortos: 979 do Daesh (incluindo 38 bombistas suicidas), 324 combatentes curdos e 12 outros rebeldes.

A importância de Kobane
O Daesh hasteou, pela primeira vez, a sua bandeira negra na região de Kobane a 6 de outubro passado. Desde então, a batalha pela cidade monopolizou a atenção da imprensa internacional quase que reduzindo o conflito na Síria, que começou em março de 2011 no contexto da Primavera Árabe contra o regime de Bashar al-Assad, à disputa por aquela cidade.

Kobane é importante por várias razões. Por um lado, foi a primeira cidade síria a fazer frente aos jiadistas. Por outro, o seu controlo é uma prova de fogo para as forças curdas (que aspiram a um Curdistão independente) e que, sobretudo com a participação de mulheres nos combates contra o Daesh, transmitiram uma imagem de laicidade e modernidade.

Paralelamente, esta batalha constitui um teste à eficácia da coligação internacional liderada pelos Estados Unidos, que apoiou as forças curdas com bombardeamentos aéreos. Kobane é ainda importante pela sua localização geográfica: situada junto à Turquia, a sua conquista pelo Daesh colocaria o exército jiadista às portas de um país membro da NATO.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 27 de janeiro de 2015. Pode ser consultado aqui