Após a decapitação de vários ocidentais, o autoproclamado Estado Islâmico queimou vivo um refém muçulmano. Perante as dificuldades militares, os jiadistas procuram compensar apostando na guerra psicológica
ISIL, ISIS, Estado Islâmico, Daesh… Na hora de designar o grupo terrorista que domina grande parte da Síria e do Iraque, a imprensa internacional desorienta-se, num exercício muitas vezes destinado a não conferir ao grupo terrorista o estatuto político que reclama. Talvez seja um pormenor, perante as contínuas demonstrações de poder dos jiadistas que acabam de subir mais um patamar na escala da barbárie: capturado em finais de dezembro, o piloto jordano Muath Kasasbeh foi enjaulado, regado com gasolina e transformado numa tocha humana, tudo registado num vídeo com 22 minutos de duração que mais se assemelha a uma curta-metragem.
“É terrível, mas é uma tática típica dos grupos terroristas que procuram compensar a sua falta de força militar, nomeadamente ao nível da Força Aérea, pela guerra psicológica, aterrorizando o adversário e apostando na erosão da vontade política de o combater”, comentou ao Expresso Bruno Cardoso Reis, investigador do Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa.
“O problema é sempre onde estabelecer o limite, de forma a continuar a ter impacto, mas a não provocar uma reação ainda mais forte. Há que ver as consequências a médio prazo. Será que depois de responder a este desafio direto, a Jordânia mantém o nível de empenhamento? Ou resguarda-se discretamente?”
A morte do jordano segue-se às decapitações de cinco cidadãos ocidentais — os norte-americanos James Foley, Steven Sotloff e Peter Kassig e os britânicos David Haines e Alan Henning —, igualmente filmadas e publicadas na internet. Em sua posse, os jiadistas têm pelo menos mais dois ocidentais. Um deles é John Cantlie, o fotógrafo britânico que já surgiu em oito vídeos de propaganda do Estado Islâmico, o último dos quais a 3 de janeiro, onde aparece a guiar uma visita à cidade iraquiana de Mosul.
Nas mãos do Estado Islâmico está também uma norte-americana de 26 anos, raptada na Síria no ano passado quando desenvolvia trabalho humanitário e cuja identidade nunca foi revelada.
Como responder?
“Não há soluções ou estratégias rápidas para combater grupos terroristas ou guerrilhas bem organizados e bem enraizados localmente”, continua Bruno Cardoso Reis. “A chave está em obter boas informações, mas estes grupos são difíceis de penetrar e escutar. Está também em procurar desestruturar a capacidade de comando e controlo coordenado da sua liderança; apostar em separar populações muçulmanas locais (seja no Levante, seja na Europa) destes grupos. Se perderem enraizamento local ficam mais expostos. Deste ponto de vista, este tipo de atos, para mais contra um piloto muçulmano, podem ser úteis na guerra de propaganda. O risco é uma retaliação desproporcionada, como por exemplo um ataque jordano que atinja as populações civis em zonas controlados pelo grupo.”
Na terça-feira, os Estados Unidos anunciaram o aumento da sua assistência financeira à Jordânia, de 660 milhões de dólares (527 milhões de euros) para 1000 milhões de dólares (879 milhões de euros) por ano, para o período 2015-2017.
Reino Unido e Estados Unidos — que têm cidadãos cativos do Estado Islâmico — recusam pagar resgates a grupos terroristas. Mas os montantes pedidos pelos jiadistas têm sido tão exorbitantes que é legítimo questionar se a intenção é rentabilizar uma “indústria de resgates” ou apenas afirmar poder.
Pela vida de James Foley, o primeiro ocidental a ser decapitado, os extremistas pediram 100 milhões de euros, exatamente a mesma quantia exigida ao Governo de Tóquio por cada um dos dois reféns japoneses, recentemente executados.
“Nunca levamos os 100 milhões a sério”, confessou Philip Balboni, administrador do “GlobalPost”, para onde Foley trabalhava quando foi raptado, em 2012. “Os resgates pagos por outros reféns do Estado Islâmico tinham sido substancialmente mais baixos.” Segundo Balboni, as quantias que vinham sendo pagas oscilavam entre os 2 e os 4 milhões de euros. Além disso, houve apenas aquela exigência, “nunca houve uma negociação”.
Em junho de 2012, quando conquistaram Mosul — o que colocou o Estado Islâmico no mapa político internacional —, os jiadistas invadiram o Banco Central daquela cidade iraquiana e deitaram mão a 500 mil milhões de dinares (370 milhões de euros). Com esta fortuna, escreveu então no Twitter o analista Brown Moses (Brown Moses Blog): “Eles conseguem comprar muita jihad. Conseguem, por exemplo, pagar a 60 mil combatentes cerca de 600 dólares (527 euros) por mês durante um ano”.
Inversamente ao que é defendido em Londres e Washington, alguns países europeus já abriram, por várias vezes, os cordões à bolsa para salvar nacionais, designadamente França, Itália, Espanha e Alemanha. Segundo uma investigação do diário “The New York Times”, divulgada em julho do ano passado — e por isso, referente ainda à era Al-Qaeda —, a França foi, desde 2008, o país que mais pagou a terroristas (mais de 51 milhões de euros), seguida da Suíça (11 milhões de euros) e Qatar e Omã (que em conjunto desembolsaram 18 milhões de euros). A Espanha terá gasto quase 10 milhões de euros.
Muitos aderiram, poucos participam
Na segunda-feira, o jornal britânico “Daily Mail” noticiou que metade dos principais comandantes do Estado Islâmico e cerca de 6000 combatentes jiadistas já terão sido mortos desde o início dos bombardeamentos internacionais, em setembro.
Segundo o Departamento de Estado dos EUA, mais de 50 países já declararam apoio à coligação: muitos contribuem com ajuda humanitária, mas poucos participam nas operações militares. Para além dos Estados Unidos, já participaram nos bombardeamentos o Reino Unido e a França e ainda vários países árabes — Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrain e Jordânia.
O piloto Muath Kasasbeh foi capturado quando participava precisamente nos bombardeamentos e o seu avião despenhou-se perto de Raqqa, na Síria. Ao executarem-no, os extremistas quiseram verdadeiramente punir a Jordânia por participar nos ataques a território muçulmano. Talvez por isso, a vida do jordano não tenha valido nem um pedido de resgate.
Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 4 de fevereiro de 2015. Pode ser consultado aqui