Nova geração a caminho do trono

O rei saudita mexeu na linha de sucessão e substituiu um meio-irmão por um sobrinho no lugar de príncipe herdeiro. O novo futuro rei é Mohammed bin Nayef, atual ministro do Interior, a quem chamam “o czar anti-terrorismo”

Brasão real do Reino da Arábia Saudita WIKIMEDIA COMMONS

Três meses após assumir o poder, o Rei Salman da Arábia Saudita operou, esta quarta-feira, uma rotura com o passado, nomeando um novo herdeiro, um sobrinho, e afastando desse patamar o príncipe Muqrin, seu meio-irmão.

O novo herdeiro é o atual ministro do Interior, príncipe Mohammed bin Nayef, de 56 anos, até agora vice príncipe herdeiro, ou seja, segundo na linha de sucessão.

A sua designação significa a subida de uma geração mais nova na hierarquia dos Al-Saud. Desde 1953, quando morreu Abdul-Aziz al-Saud — fundador do Reino da Arábia Saudita, em 1932 — que o trono vinha sendo transmitido de irmão para irmão. Muqrin, de 69 anos, agora afastado, era o filho mais novo do fundador. 

Mohammed bin Nayef é neto do fundador do reino, tal como Mohammed bin Salman, de 34 anos, agora designado vice príncipe herdeiro. Este último é filho do atual monarca e ministro da Defesa.

Esta remodelação ditou ainda o afastamento do ministro dos Negócios Estrangeiros há mais tempo no poder em todo o mundo. Saud al-Faisal, de 75 anos, no cargo desde 1975, foi substituído por Adel al-Jubeir, de 53 anos, até agora embaixador nos Estados Unidos. 

Prioridade na luta ao terrorismo 

Paralelamente a uma revolução geracional na linha da sucessão, esta alteração de príncipe herdeiro significa também o reconhecimento do combate ao terrorismo como uma das prioridades governativas no país.

O novo herdeiro é atualmente ministro do Interior, descrito por vários órgãos de informação internacionais, desde a agência Associated Press ao jornal “The New York Times”, como “o czar anti-terrorismo” da Arábia Saudita.

Horas antes de serem conhecidas as novas nomeações reais, Riade anunciou a detenção de 93 suspeitos de ligações ao autodenominado Estado Islâmico (Daesh). Dois deles estariam a planear um atentado com um carro armadilhado contra a embaixada dos Estados Unidos em Riade. 

A atividade terrorista é um dos problemas internos reconhecidos por Riade. Em 2004, as autoridades sauditas estabeleceram um sistema de reabilitação de terroristas visando a sua desradicalização através de programas de educação religiosa e de aconselhamento psicológico. 

Em novembro passado, o ministério do Interior admitiu que 12% dos utentes desses programas tiveram recaídas e voltaram a envolver-se em atividades terroristas.

O problema do terrorismo na Arábia Saudita ganhou visibilidade após o 11 de Setembro. Um total de 133 cidadãos sauditas passaram pelo campo de detenção norte-americano de Guantánamo, aberto em 2002 para suspeitos de terrorismo. A bordo dos aviões que realizaram o 11 de Setembro, 15 dos 19 piratas do ar também eram sauditas.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de abril de 2015. Pode ser consultado aqui

Tensão entre EUA e Irão nas águas junto ao Iémen

A movimentação de navios iranianos no Mar Arábico disparou receios nos Estados Unidos. Washington já enviou para a região o porta-aviões USS Theodore Roosevelt

Arrancou hoje em Viena a ronda final de conversações relativas ao programa nuclear do Irão. O acordo anunciado a 2 de abril, entre o Irão e seis potências internacionais, foi um entendimento de princípio, seguindo-se agora negociações detalhadas visando a elaboração de um documento final até 30 de junho.

As conversações na capital austríaca acontecem numa altura em que a relação entre Estados Unidos e Irão atravessa um momento de tensão a propósito da situação no Iémen.

Washington apoiou a intervenção militar liderada pela Arábia Saudita (operação Tempestade Decisiva) — ontem Riade anunciou o fim dos bombardeamentos aéreos — e Teerão apoia os rebeldes houthis (xiitas), que invadiram a capital, Sanaa, em setembro e tomaram o poder em janeiro.

Na terça-feira, o Presidente dos Estados Unidos afirmou que o seu Governo enviou “mensagens muito diretas” ao Irão aconselhando-o a não fornecer armas “a fações dentro do Iémen” que possam ser usadas para perturbar o tráfego marítimo na região.

“Neste momento, eles têm navios em águas internacionais”, disse Barack Obama, numa entrevista no programa Hardball, da televisão MSNBC. “Há uma razão para mantermos alguns dos nossos navios na região do Golfo Pérsico, que é garantir a liberdade de navegação.”

Armada iraniana no Mar Arábico

Na semana passada, o sítio “The Hill”, especializado na cobertura noticiosa do Congresso norte-americano (que se situa em Capitol Hill), escreveu, citando dois responsáveis da área da Defesa: “O Irão está a enviar uma armada de sete a nove navios — alguns com armas — na direção do Iémen numa potencial tentativa de reabastecer os rebeldes xiitas houthis”.

Um porta-voz do Pentágono, Steve Warren, admitiu que a presença de “uma grande quantidade” de navios de carga iranianos no Mar Arábico contribuiu para o envio do porta-aviões USS Theodore Roosevelt e do cruzador USS Normandy para a região. Mas negou que o objetivo seja a interceção de navios iranianos suspeitos de transportarem armas.

No âmbito da operação Tempestade Decisiva, a Arábia Saudita impôs um bloqueio naval ao Iémen. Por sua vez, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou um embargo de armas aos rebeldes houthis.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 22 de abril de 2015. Pode ser consultado aqui

Bombardeamentos dificultam ajuda humanitária

UNICEF e Cruz Vermelha alertam para uma “situação muito crítica”, doze dias após o início dos bombardeamentos aéreos que visam conter o avanço dos houthis

Mais de 100 mil pessoas, na sua maioria mulheres e crianças, tiveram de fugir de casa na sequência dos bombardeamentos aéreos ao Iémen, denunciou esta terça-feira a UNICEF. A agência das Nações Unidas informou ainda que já foram mortas 74 crianças e que 44 foram mutiladas.

“São números por baixo. A UNICEF acredita que o número total de crianças mortas é muito maior”, lê-se no comunicado. 

O Comité Internacional da Cruz Vermelha informou que um avião comercial que transportava pessoal da organização de assistência humanitária aterrou em Sanaa, a capital do Iémen. Porém, não conseguiu ainda encontrar um operador que faça voar um avião de carga para transportar provisões para o país. 

“A situação no Iémen continua muito crítica. O conflito intensificou-se, sobretudo em Aden”, afirmou à Al-Jazeera Sitara Jabeen, porta-voz da Cruz Vermelha Internacional. “Ainda estamos à procura de um avião de carga para transportar abastecimentos para Sanaa.” 

Estes alertas surgem quase duas semanas após o início dos bombardeamentos aéreos, liderados pela Arábia Saudita (iniciados a 26 de março), e numa altura em que rebeldes houthis e forças leais ao Presidente Abd-Rabbu Mansour Hadi estão envolvidas em confrontos violentos no sul do país.  

Só na segunda-feira, esses combates terão provocado a morte de mais de 140 pessoas. 

Os combates mais intensos estão concentrados na zona de Aden, um bastião do Presidente Hadi, que refugiou-se na Arábia Saudita às primeiras horas dos bombardeamentos. Estes visam conter o avanço dos houthis (minoria xiita) — que, em setembro, tomaram a capital e, no mês passado, iniciaram um avanço para sul — e repôr a autoridade do Presidente Hadi.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 7 de abril de 2015. Pode ser consultado aqui

Quatro anos de cruel guerra civil

A Primavera Árabe morreu na Síria quando aos protestos pacíficos pedindo liberdade e democracia a ditadura respondeu com uma repressão sangrenta. Depressa se caíu numa guerra civil cujo arrastamento levou à perda de influência dos oposicionistas moderados, ultrapassados pelos ultraradicais sunitas, uns financiados pelos petrodólares sauditas, outros apoiados pela Al-Qaeda. E ainda haveria de surgir o islamo-gangsterismo do Daesh (acrónimo árabe do Estado Islâmico). Um fotógrafo brasileiro passou meses em Alepo, ao lado dos rebeldes rebeldes. E testemunhou o sofrimento do povo sírio.

Quase impercetível entre os escombros, uma menina corre pelo que resta de uma rua da cidade síria de Alepo

Professores, dentistas, estudantes… De um dia para outro, muitos sírios abandonaram os seus afazeres e pegaram em armas pela primeira vez na vida. Numa primeira fase, revoltados contra o regime de Bashar al-Assad, que reprimia com violência protestos pacíficos que pediam mais liberdade e democracia. Posteriormente, uns contra os outros, quando já era claro que pouco ou nada unia a oposição ao regime. A guerra civil generalizou-se. As fotos acima retratam três rebeldes: um lê o Corão durante uma pausa nos combates; outro dirige-se para a frente de guerra; noutra, um jovem combatentes goza da “tranquilidade” do bairro de Salaheddin, em Alepo, onde já não parece haver vida.

Quatro anos de guerra condenaram milhões de sírios a um futuro incerto. Segundo as Nações Unidas, o conflito provocou quase quatro milhões de refugiados, acolhidos pelos países vizinhos como é o caso da família fotografada em Kilis, na Turquia.

Quase o dobro (7,5 milhões) tornaram-se deslocados internos como as duas crianças retratadas, que encontraram refúgio no campo de Bab al-Salam (Porta da Paz), junto à fronteira com a Turquia; ou como Zaira (em baixo), de 27 anos, que segura uma foto do marido, morto na cidade onde viviam e que ela teve de abandonar. Quanto aos mortos, são difíceis de contabilizar. Segundo a ONU, serão cerca de 200 mil.

A guerra na Síria mostra também como, na região, as mulheres não estão necessariamente condenadas ao papel de vítimas. Nas fileiras curdas, guerrilheiras destacam-se pela sua bravura. Muitos jihadistas olham-nas aterrorizados num misto de pudor religioso e de sentimento de humilhação.

Um rebelde do Exército Livre da Síria, formação moderada. Neste conflito, a guerra faz-se, muitas vezes, na solidão. A cada esquina, a cada canto.

Textos de Margarida Mota. Fotos de Gabriel Chaim, tiradas em 2014

Portefólio publicado no “Courrier Internacional, de abril de 2015